Reflexões Trabalhistas

Doença degenerativa: nexo causal ou concausal com o trabalho

Autor

  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

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31 de janeiro de 2025, 8h00

Questão de grande interesse nas perícias médicas sobre doenças ocupacionais diz respeito ao nexo causal ou concausal, que é pressuposto da responsabilidade civil do empregador.

No caso dos benefícios previdenciários acidentários, a Lei nº 8.213/91 trata do nexo causal, flexibilizado-o com vistas a permitir a efetivação do princípio da reparação integral em benefício das vítimas de doenças ocupacionais.

Havendo divergências com relação ao nexo causal ou concausal da doença com o trabalho desenvolvido pela vítima na empresa reclamada, quando negado este pelo réu, cabe ao perito nomeado pelo juiz emitir parecer técnico, que nem sempre é conclusivo em razão dos poucos elementos probatórios ou porque a Medicina não é uma ciência exata.

Por isso, de acordo com a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.488/98, deve o perito médico levar em conta, entre outros fatores, o histórico clínico-ocupacional do trabalhador, o exame do local e a organização do trabalho, a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos e estressantes, o depoimento e a experiência dos demais trabalhadores em condições semelhantes e a literatura atualizada sobre o assunto.

Mas há casos em que as provas colhidas não são conclusivas com relação à origem da doença ou, por critérios médicos, o perito, embora ofereça subsídios no seu trabalho, não emite parecer conclusivo afirmando o nexo da doença com as condições de trabalho.

Nessas situações, cabe ao juiz, diante dos elementos dos autos, da sua experiência como julgador sobre o que ordinariamente acontece, formar convencimento, reconhecendo ou não o dever de o empregador reclamado reparar o dano. Neste sentido afirma Sebastião Geraldo de Oliveira (Indenizações por Acidente de Trabalho ou Doença Ocupacional. 2ª ed., p. 132. São Paulo: LTr, 2006) que “as provas não devem ser avaliadas mecanicamente com rigor e a frieza de um instrumento de precisão, mas com a racionalidade de um julgador atento que conjugue fatos, indícios, presunções e a observação do que ordinariamente acontece para formar o seu convencimento”.

No laudo pericial o perito deve observar o nexo técnico epidemiológico decorrente do cruzamento do CNAE da empresa reclamada com as doenças que mais acometem seus empregados e não dizer simplesmente que a doença é degenerativa e não possui nexo de causalidade com o trabalho prestado, não avaliando sequer a possibilidade de concausa. É certo que o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) constitui presunção relativa acerca do nexo causal existente entre as moléstias que acometem os trabalhadores e as atividades desempenhadas por eles na sua empregadora, mas exatamente por isso é que o perito deve, se for o caso, afastar essa presunção expressamente, apresentando razões técnico-científicas que fundamentem sua conclusão. O que não pode o perito é dizer apenas que a doença é degenerativa.

Possibilidade de responsabilização do empregador mesmo diante de doença degenerativa

Também há situações em que peritos judiciais aplicam única e exclusivamente o artigo 20, § 1º, alínea a, da Lei nº 8.213/91, considerando indícios de degeneratividade da doença, para descaracterizar a doença ocupacional. Esse modo de proceder não reflete a melhor interpretação sistemática e teleológica sobre o conjunto normativo e principiológico da Lei nº 8.213/91, uma vez que a concausa também pode estabelecer o liame entre a doença (mesmo que degenerativa) e as atividades desenvolvidas pela vítima, como assegura o artigo 21, inciso I, da referida nº Lei 8.213/91.

Como decorre do conjunto normativo vigente em nosso país, o simples fato de a doença do trabalhador ter caráter degenerativo, por isso só não impede a constatação de que as más condições de trabalho possam ter contribuído para a antecipação do seu aparecimento ou para o seu agravamento, como comprova a melhor doutrina médica e reconhece o colendo TST, atento aos novos anseios sociais e à evolução doutrinária, afirmando a possibilidade de responsabilização do empregador mesmo diante de doença degenerativa, como se vê da decisão a seguir ementada:

EMENTA: “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – DANO MORAL E MATERIAL – DOENÇA PROFISSIONAL – NEXO CONCAUSAL – CULPA DA EMPRESA NO EVENTO DANOSO – AMBIENTE DE TRABALHO INADEQUADO – NÃO VINCULAÇÃO AO LAUDO PERICIAL. De acordo com a teoria da causalidade adequada, as concausas preexistentes – patologia anterior, predisposição genética do obreiro ou caráter degenerativo da moléstia – não eliminam a relação de causalidade. Se as atividades laborais desenvolvidas pela reclamante potencializaram ou agravaram a moléstia preexistente ou degenerativa, a doença adquirida deve ser considerada ocupacional, em face da concausa com origem no trabalho. Além disso, nos termos do art. 157, I e II, da CLT, o empregador deve propiciar condições salubres de trabalho aos seus empregados e a redução dos riscos inerentes ao serviço, como exigem as normas de proteção à saúde, à higiene e à segurança do trabalho, o que não ocorreu no caso. Nesse sentido, conforme disposto no art. 436 do CPC, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção a partir de outros elementos ou fatos provados nos autos, o que ocorre na hipótese. Agravo de instrumento desprovido” (AIRR – 217300-09.2009.5.11.0013, rel. min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, publicado em 11/10/2013).

Como mostram os ricos fatos da vida, nem sempre há certeza absoluta sobre o nexo causal ou concausal, mas, de outro lado, pode existir elevado grau de probabilidade sobre a configuração desse nexo com o trabalho da vítima, o que deve ser levado em conta pelo julgador, conforme o julgado seguinte:

EMENTA: “Acidente do trabalho — Benefício — Conversão — Aposentadoria previdenciária em acidentária — Doença — Mal da coluna — Nexo causal — Prova. A presença do nexo causal se mede por razoável probabilidade, não por matemática certeza, mesmo porque a ciência médica não é exata. Se o fosse, as calculadoras seriam feitas para os médicos e esses estariam livres de todas as acusações e indenizações pelos erros que vivem cometendo. Vale dizer, é o possível lógico, não o absolutamente certo, que embasa a conclusão pela presença do nexo causal e concausal. Cabe converter a aposentadoria por invalidez previdenciária na homônima acidentária, ainda que calculadas ambas com um percentual de 100% do salário de benefício, para que, com que o correto enquadramento jurídico da incapacidade do segurado, possa ele gozar de todas as implicações daí advindas, mormente as indiretas, dentre estas a eventual geração de responsabilidade baseada no direito comum” (STACIVSP, 12ª Câmara, Apelação nº 690.457/5, relator Juiz Palma Bisson, 28/8/2003).

Portanto, mesmo que as doenças que acometeram a vítima tenham caráter degenerativo, o contexto deve ser analisado em conjunto com as condições nas quais suas atividades foram desenvolvidas e, como é imprescindível, o perito judicial deve ser expresso acerca da possibilidade de nexo concausal para o aparecimento ou agravamento da doença, referindo-se expressamente ao NTEP.

Autores

  • é consultor jurídico, advogado, procurador Regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário UDF e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, autor do livro Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador, entre outros.

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