CNIB 2.0: Provimento nº 188 do CNJ impacta a segurança jurídica no mercado imobiliário
31 de janeiro de 2025, 21h46
Foi publicado em 10 de dezembro de 2024, com entrada em vigor 30 dias após sua publicação, o Provimento nº 188 do Conselho Nacional de Justiça, que alterou o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça para dispor sobre o funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) 2.0.
Conforme determina o artigo 247 da Lei de Registros Públicos [1], a declaração de indisponibilidade deve ser objeto de averbação na matrícula imobiliária. A indisponibilidade impede a livre circulação de bens e, como deve ser registrada por meio de averbação na matrícula, prioriza-se o princípio da concentração de atos na matrícula, garantindo maior segurança jurídica ao mercado imobiliário, uma vez que a publicidade da indisponibilidade é assegurada na matrícula do imóvel.
A CNIB foi originalmente instituída pelo Provimento nº 39 de 2014 como um sistema que centraliza todas as comunicações de indisponibilidades de bens decretadas por autoridades judiciárias e administrativas como medida para garantir maior eficácia às ordens de indisponibilidade. Nesse mesmo sentido, a CNIB 2.0 propõe-se não apenas a centralizar as comunicações, mas também a padronizar o sistema em todo o território nacional.
De modo similar à redação do provimento anterior, a CNIB 2.0 manteve em sua regulamentação, entre outras determinações, a obrigatoriedade de que notários e registradores de imóveis consultem o banco de dados antes da prática de atos relativos a bens imóveis, devendo consignar no ato notarial o resultado dessa consulta.
Determinações do CNIB. 2.0
Com a CNIB. 2.0, nos termos do artigo 320-E do Provimento nº 188 do CNJ, determina-se que todas as ordens de indisponibilidade e de cancelamento deverão ser encaminhadas aos oficiais de registro de imóveis, exclusivamente, por intermédio da CNIB, vedada a utilização de quaisquer outros meios, tais como mandados, ofícios, malotes digitais e mensagens eletrônicas.
Outra disposição do Provimento nº 188 bem recebida é a do artigo 320-G, que dispõe que no caso de arrematação, alienação ou adjudicação, a autoridade judicial que determinou tais medidas deverá, expressamente, prever o cancelamento das demais constrições oriundas de outros processos, arcando o interessado com os emolumentos devidos. A nova regulamentação simplifica o processo, visto que é comum que o interessado tenha de buscar, de maneira autônoma, o cancelamento das demais indisponibilidades. [2]
Ocorre que a novidade de maior relevância — e que causa preocupação — é a contida no artigo 320-I, § 3, que determina que a superveniência de ordem de indisponibilidade impede o registro de títulos, ainda que anteriormente prenotados, salvo exista na ordem judicial previsão em contrário. A conduta seguida por diversos registradores de imóveis na vigência do CNIB, com fundamento no princípio da prioridade, era de que, em caso de superveniência de ordem de indisponibilidade na vigência do prazo de prenotação, o título prenotado fosse levado à registro antes da ordem de indisponibilidade, haja vista que a prioridade é a do título que foi primeiro prenotado.
Prenotação
Em outras palavras, quer dizer que na regulamentação atual do Provimento nº 188, se um determinado comprador de imóvel tiver prenotado o seu título de compra e venda e, no prazo da prenotação, for determinada uma ordem de indisponibilidade, a ordem de indisponibilidade será primeiramente registrada, em completo desrespeito à prioridade do título anteriormente prenotado.
O artigo 1.246 do Código Civil estabelece que o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar do título. A prenotação é o protocolo do título junto ao Cartório. Consoante os artigos 182 a 186 da Lei de Registros Públicos, todos os títulos devem receber um número de ordem em razão da sequência de sua apresentação, contendo a data de sua prenotação (ou protocolo). O número de ordem recebido por ocasião da apresentação determina a prioridade do título, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente.
Sobre a natureza jurídica da prenotação, Orlandi Neto (2023, p. 32) [3] ensina:
“A prenotação é o registro provisório do título. É esta sua natureza jurídica. Por isso, a prenotação assegura a preferência do direito real. A eficácia do registro futuro retroagirá à data da prenotação. Por isso, o título contraditório não pode ser registrado enquanto não caducar a prenotação do título que chegou antes ao Protocolo; é como se este já estivesse registrado.”
O princípio da prioridade, portanto, determina que, havendo títulos contraditórios prenotados, deve ser registrado aquele que tiver sido prenotado antes. Conforme Orlandi Neto (2023, p. 33) esclarece, ao tratar do princípio da prioridade, que este tem origem no Código Civil, na disposição contida no parágrafo único do artigo 1.493, ao tratar da hipoteca.
Lei de Registros Públicos
Diante disso, questiona-se se a determinação do artigo 320-I, §3 do Provimento nº 188 não conflita com outras normas, como a contida no artigo 1.246 do Código Civil e o artigo 186 da Lei de Registros Públicos, que expressamente determinam o respeito à ordem de prenotação dos títulos.
Uma consequência direta do artigo 320-I, §3 do Provimento nº 188, na hipótese em que um título prenotado não seja levado a efeito em razão da superveniência da indisponibilidade é a ineficácia do negócio jurídico, consoante artigo 54 da Lei 13.097/2015. O artigo 54 da Lei 13.097/2015 determina que os negócios jurídicos que tenham por fim transigir sobre direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, desde que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula o seguinte:
- registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórios;
- averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial;
- averbação de restrição administrativa ou convencional, de indisponibilidade ou de outros ônus;
- averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel.
O referido artigo 54, tão bem recebido pelo mercado imobiliário, também prevê que, para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos referidos em seu caput ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente do imóvel, não seriam exigidas a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais ou a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões, pois a matrícula já seria suficiente.
Dispensa de certidões
Em termos de aquisição de imóveis, com a redação do artigo 320-I, §3 do Provimento nº 188, a dispensa de certidões para a caracterização da boa-fé perde efeito, vez que na hipótese de ocorrer a superveniência da indisponibilidade, que terá prioridade frente ao já prenotado título, a obtenção de certidões é que demonstrará a boa-fé do adquirente, e a possibilidade de discutir judicialmente a impossibilidade de se seguir com a averbação da indisponibilidade do bem que seria registrado em nome de terceiro.
A medida é uma cautela de extrema relevância para o adquirente de imóvel, a fim de comprovar que realizou a due diligence do imóvel, mediante a apresentação das certidões, de maneira a garantir a eficácia do negócio jurídico. Na hipótese de o terceiro adquirente se deparar com a prenotação de indisponibilidade do bem oriunda de ordem judicial ocorrida em momento posterior à prenotação do título, mas registrada com prioridade na matrícula em decorrência do novo Provimento do CNJ, deverá buscar a ação que originou a ordem de indisponibilidade e ajuizar ação autônoma ou tomar a medida judicial cabível para comprovar a boa-fé do adquirente.
Dessa forma, com o início da vigência do Provimento nº 188 do CNJ, a realização de due diligence do imóvel antes da concretização da compra e venda volta a ser providência indispensável para garantir a segurança jurídica do negócio para o adquirente. Tal medida buscar mitigar o risco de, mesmo após a oposição de embargos de terceiro requerendo a retirada da indisponibilidade, o judiciário não intérprete a alienação do bem como fraude à execução, principalmente para afastar a incidência da Súmula 375 do STJ, que traz que o reconhecimento de fraude à execução depende de existência do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
[1] Art. 247 – Averbar-se-á, também, na matrícula, a declaração de indisponibilidade de bens, na forma prevista na Lei.
[2] CSMSP – Apelação Cível: 1006582-90.2023.8.26.0099 Localidade: Bragança Paulista Data de Julgamento: 08/03/2024 Data DJ: 14/03/2024 Relator: Francisco Loureiro Jurisprudência: Indefinido Lei: LOSS – Lei Orgânica da Seguridade Social – 8.212/1991 ART: 53 PAR: 1 Especialidades: Registro de Imóveis Registro de imóveis – dúvida julgada procedente. Registro de carta de adjudicação. Indisponibilidade de bens. Título expedido em processo judicial de extinção de condomínio. Desatendimento ao item 413, do cap. XX das Normas de Serviço da e. Corregedoria Geral da Justiça. Possibilidade de registro do título, subordinada a prévia decisão judicial determinando superação da indisponibilidade. Óbice mantido. Apelação improvida.
[3] ORLANDI NETO, Narciso. Registro de Imóveis. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
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