Opinião

Ação renovatória e a retomada de imóvel não residencial

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31 de janeiro de 2025, 6h32

Entre as muitas características que tornam alguns negócios pujantes, a manutenção de um ponto comercial marcante e bem-sucedido é, sem dúvida, uma das principais.

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Dependendo do tipo de atividade exercida, o ponto comercial é fundamental para construir a clientela e a reputação da empresa. Na maioria dos casos, é impensável que a alteração do ponto comercial não cause grandes impactos ao negócio.

Por esse motivo, a lei brasileira prevê a ação renovatória, um instrumento essencial para locatários de imóveis de uso comercial. Trata-se de um instituto que garante aos locatários continuar suas atividades empresariais, caso as partes não tenham entrado em acordo para renovar a locação do imóvel.

Esse mecanismo protege o locatário e permite que ele renove o contrato de locação, desde que cumpridos os seguintes requisitos legais:

  • o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
  • o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
  • o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.

Caso esses requisitos sejam cumpridos simultaneamente, o locatário interessado em manter a relação locatícia poderá promover, entre 12 e 6 meses antes do término da locação, a chamada ação renovatória. Por meio desse instrumento, ele poderá pleitear a renovação do contrato e, em tese, terá a renovação da locação confirmada.

Exceções da Lei do Inquilinato

A Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), porém, prevê situações excepcionais nas quais, embora o locatário cumpra os requisitos mencionados, o locador não tem a obrigação de renovar o contrato.

As exceções, previstas no artigo 52 da Lei do Inquilinato, ocorrem nas seguintes hipóteses:

  • realização de obras exigidas pelo poder público que levem à transformação radical do imóvel ou a modificações que aumentem o valor do negócio ou da propriedade; ou
  • se o locador optar por utilizar o imóvel para uso próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano — o próprio locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente, no caso, deverá ser o detentor da maioria do capital social.

Em relação às exceções mencionadas, há muito debate em relação aos casos de obras realizadas no imóvel. Para justificar a desobrigação do locador de renovar a locação, essas obras precisam ter sido determinadas pelo poder público?

Spacca

O STF já analisou o tema e editou, ainda em 1964, a Súmula 374.[1] Nessa súmula, a Corte descartou a obrigatoriedade de a construção ter sido ordenada por autoridade pública. Assim, o locador interessado em expandir a área locável ou mesmo em realizar nova construção/empreendimento no imóvel locado, em tese, pode se livrar da obrigação de renovar o contrato de locação.

Obras e planos concretos para modificar propriedade

Por outro lado, a simples intenção de fazer obra no imóvel não é suficiente. O locador deverá demonstrar planos concretos de modificar a propriedade, com a apresentação de um relatório detalhado da obra e demais elementos probatórios que comprovem as alegações para retomar o imóvel. Caso não faça isso, o Juízo poderá decidir que o contrato seja renovado, mesmo que o locador declare que pretende retomar o imóvel para realização de obra.

Nesse sentido, o STF também editou a Súmula 485,[2] que determina a relatividade da presunção de veracidade da declaração do locador. Isso quer dizer que a declaração realizada pelo locador para defender a retomada do imóvel poderá ser contestada com a apresentação de provas que a contrariem.

Ainda assim, as ações renovatórias são objeto de complexas disputas. Como exemplo, mencionamos dois casos análogos que tiveram desfechos contrários.

Varejista ganha e perde direito à renovação

Em 2012, uma importante empresa varejista propôs ação renovatória contra os locadores de dois imóveis em que estava instalada uma de suas lojas. Em primeira instância, foi concedida a renovação em relação a apenas um dos imóveis pleiteados.

No julgamento do recurso de apelação, entretanto, a autora saiu vitoriosa ao comprovar a inviabilidade técnica das obras pretendidas pelos locadores e utilizadas como justificativa para o pedido de retomada. Foi apresentada, inclusive, uma negativa a um pedido de expedição de alvará de aprovação de nova edificação. Além disso, em nenhum momento os locadores apresentaram o relatório detalhado de obra, requisito legal específico para instruir a retomada do imóvel.

Em decisão, a 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) julgou procedente a apelação da empresa varejista e concedeu o direito à renovação. Como argumentos para a renovação, mencionou-se ser “indispensável que para o exercício da retomada, nos termos do artigo 72, § 3º, da Lei nº 8.245/1991, os locadores apresentem relatório pormenorizado das obras […]” e que “seja na esfera administrativa, seja em juízo, os apelados não conseguiram apresentar relatório/projeto pormenorizado das obras a serem realizadas”.[3]

Entretanto, em situação análoga, a mesma empresa varejista teve a renovação de locação negada pela 26ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP.[4]

No caso em questão, apesar de preencher os requisitos da ação renovatória, a autora teve o seu pedido de renovação negado, pois entendeu-se que o locador poderia exercer o seu direito de retomada para a instalação de um empreendimento imobiliário (incorporação imobiliária).

O caso se torna ainda mais interessante porque o locador figuraria no empreendimento imobiliário apenas na condição de sócio participante do futuro empreendimento.

Para demonstrar o aumento do valor do imóvel, o locador se valeu dos documentos relacionados ao empreendimento, inclusive documentos técnicos e orçamento da obra.

Debate comercial e legal sobre renovação

Essas discussões demonstram como é fundamental compreender os aspectos legais e comerciais da ação renovatória e da retomada do imóvel para locatários e locadores. São situações que frequentemente se tornam objeto de disputas no Judiciário.

Enquanto os locatários têm a ação renovatória como uma proteção à continuidade de suas atividades comerciais, o possível exercício do direito de retomada poderá permitir ao locador utilizar o bem de acordo com suas necessidades e interesses e evitar uma renovação desvantajosa financeiramente.

Uma orientação correta é essencial para manter um relacionamento equilibrado e justo entre locador e locatário, capaz de promover estabilidade nas relações locatícias. Para evitar conflitos e assegurar que os direitos de ambas as partes sejam respeitados, é recomendável que o contrato preveja de forma detalhada esses entraves ao longo da relação locatícia, além das hipóteses de realização dessas obras e as consequências para a locação e sua renovação.

 


[1] Na retomada para construção mais útil, não é necessário que a obra tenha sido ordenada pela autoridade pública.

[2] Nas locações regidas pelo Decreto 24.150, de 20 de abril de 1934, a presunção de sinceridade do retomante é relativa, podendo ser refutada pelo locatário.

[3] TJSP;  Apelação Cível 0152368-68.2012.8.26.0100; relator(a): Sá Moreira de Oliveira; órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 26ª Vara Cível; data do julgamento: 8 de maio de 2017; data de registro: 8 de maio de 2017

[4] TJSP; Apelação Cível 1018507-22.2019.8.26.0100; relator: Carlos Dias Motta; órgão julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; data do julgamento: 3 de setembro de 2020; data de registro: 15 de setembro de 2020.

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