TJ-SP vai instalar mais uma vara para dar conta do aumento de crimes contra crianças
30 de janeiro de 2025, 8h51
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo aprovou nesta quarta-feira (29/1) uma resolução que desativa a 1ª Vara Especial da Infância e da Juventude — Infracional da Capital, com a redistribuição dos processos para as varas remanescentes. A corte vai transformá-la na 3ª Vara de Crimes Praticados Contra Crianças e Adolescentes da Comarca de São Paulo.
Durante a sessão desta quarta, o desembargador Fernando Torres Garcia, presidente do tribunal, afirmou que a transformação se deve ao crescimento do número de crimes contra crianças e adolescentes depois da crise da Covid-19. Em maio do ano passado, o TJ-SP já havia instalado duas varas com a mesma competência.
À época, Torres Garcia mencionou um aumento de 80% nesses crimes. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do estado, em 2019, ano anterior ao da emergência sanitária, houve registro de 1,8 mil casos de estupro de vulnerável (um dos crimes cuja competência será atraída para a vara) em São Paulo. Em 2023, o número chegou a 2,2 mil, e no ano passado houve pouco mais de dois mil casos apenas na capital.
Em âmbito nacional, a situação é semelhante. Em 2023, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em seu anuário, fez um recorte sobre a influência da Covid-19 na violência contra crianças e adolescentes. Nos dois primeiros anos da pandemia, cresceram os números de abandono de incapaz, estupro, exploração sexual e maus-tratos.
“A probabilidade de o crime ser cometido cresce à medida em que aumenta o período de contato entre o menor e o familiar agressor. Por essa perspectiva, a pandemia e o isolamento social podem ser considerados fatores de vulnerabilização da criança e do adolescente”, afirma a criminalista Maira Scavuzzi.
Segundo ela, a crise sanitária fragilizou as redes de proteção às crianças, que foram forçadas a deixar de frequentar o ambiente escolar. A instalação de uma vara especializada, diz a advogada, faz com que os julgamentos sobre o tema tenham mais qualidade e que as matérias sejam discutidas de forma mais aprofundada, sob perspectivas técnicas.
“Direcionar um órgão para apenas um tipo de causa permite a especialização técnica dos profissionais e o tratamento apropriado das peculiaridades que compõem a complexidade dos litígios que lhe são submetidos. Quando o juízo analisa, exclusiva e rotineiramente, delitos contra menores, garante, em um menor tempo, uma expertise que é crucial para identificar determinados padrões.”
Demandas específicas
A advogada Rachel Lerner Amato, sócia do escritório Kehdi Vieira Advogados, afirma que, de forma geral, as varas especializadas produzem bons resultados “no que diz respeito à sensibilidade demandada por determinados casos”.
Ela cita como exemplos as varas de violência doméstica, nas quais os magistrados se tornam mais preparados para lidar com situações reais de risco.
“O mesmo pode ser esperado das varas especializadas em crimes contra menores, que têm particularidades inclusive no que tange à forma de coleta de depoimentos das vítimas.”
Rachel, no entanto, afirma que o crescimento dos números pode não ser exclusivamente justificado pelo aumento de crimes. “A crescente conscientização das famílias e profissionais da educação e saúde sobre os direitos das crianças e adolescentes, e os canais adequados para comunicações de violações a tais direitos, podem ter produzido um número maior de investigações decorrentes desses registros.”
Luiz Augusto Rutis, criminalista e professor do IDP, é mais cético. Segundo ele, não há correlação entre o aumento da quantidade de varas especializadas e a diminuição dos crimes. “A divisão do trabalho por especialização só faz sentido quando é necessária uma expertise específica para fazer frente à elucidação de crimes complexos pelo tipo de agente ou pela natureza do delito (tráfico, organização criminosa, lavagem de dinheiro etc.)”, comenta ele.
“No caso de crimes contra crianças e adolescentes, os delitos variam muito no perfil do agente e no tipo penal praticado, fazendo com que não haja essa demanda por expertise específica.”
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