Regulamentação dos ativos virtuais: das Consultas Públicas 109, 110 e 111/24 do BC
30 de janeiro de 2025, 19h34
O mercado de ativos virtuais tem crescido rapidamente, impulsionado pela crescente adoção de novas formas de investimento e transações digitais por consumidores e empresas. Nesse contexto, o Banco Central tem se dedicado a estabelecer um ambiente regulatório seguro e transparente para esse setor emergente.
Com esse objetivo, foram divulgados três editais de consulta pública: o Edital nº 109/2024, de 8 de novembro, o Edital nº 110/2024, também de 8 de novembro, e o Edital nº 111/2024, de 29 de novembro de 2024. Essas propostas visam regulamentar diversos aspectos das operações com ativos virtuais e outras atividades financeiras relacionadas. Elas abordam desde a constituição e funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs) até a regulamentação das operações no mercado de câmbio e as implicações para as transações de capitais internacionais.
Os editais buscam envolver o setor privado, especialistas e a sociedade no processo de criação dessas novas regras, com o intuito de construir um sistema mais robusto e preparado para os desafios futuros.
A análise dessas propostas, comparada com regulamentações internacionais, revela tanto convergências quanto divergências, além de destacar áreas que merecem maior atenção.
Objetivos e abrangência
– O principal objetivo da proposta é disciplinar a constituição e o funcionamento das PSAVs, bem como a prestação desses serviços por outras instituições autorizadas pelo BC.
– Visa garantir a estabilidade do sistema financeiro, a proteção dos consumidores e a segurança jurídica do mercado de ativos virtuais.
– A regulamentação abrange diversas instituições, incluindo corretoras de câmbio, corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários e as próprias PSAVs.
– Define ativo virtual como a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos.
Modalidades de PSAVs
– A proposta do BC considera três modalidades de PSAVs: intermediárias de ativos virtuais, custodiantes de ativos virtuais e corretoras de ativos virtuais.
– As corretoras podem combinar as atividades de intermediárias e custodiantes. No entanto, há uma proibição da combinação de atividades entre as modalidades de intermediárias e custodiantes, o que pode limitar a eficiência e a flexibilidade das operações. Regulamentos internacionais geralmente não proíbem essa combinação, mas estabelecem salvaguardas rigorosas para mitigar os riscos.
Requisitos de capital e patrimônio
– A proposta estabelece limites mínimos de capital social e patrimônio líquido integralizado, variando de R$ 1 milhão para intermediárias, R$ 2 milhões para custodiantes e R$ 3 milhões para corretoras de ativos virtuais.
– Intermediárias e corretoras que realizarem operações de conta margem ou staking de ativos virtuais deverão adicionar R$ 2 milhões aos limites mínimos.
– Esses requisitos de capital podem gerar altos custos de conformidade, especialmente para pequenas empresas e startups.
Atividades permitidas
– As PSAVs poderão realizar diversas atividades, incluindo a negociação, intermediação, custódia e outras funções de prestadora de serviços financeiros em sistemas de registro distribuído ou similares.
– Também poderão ofertar contas de pagamento e realizar operações de câmbio.
– As atividades devem ser realizadas em conformidade com as regulamentações do BC e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em suas respectivas áreas de atuação.
Processo de autorização
– A proposta estabelece um processo de autorização para as PSAVs, que difere entre as que já atuam no mercado e as que desejam iniciar suas atividades.
– As que já atuam poderão manter suas atividades, sendo avaliadas em duas fases, enquanto as demais precisarão de autorização prévia.
– O processo de autorização, embora diferenciado para as instituições já atuantes, pode ser complexo e burocrático, dificultando a entrada de novas empresas e inovação no mercado.
– As instituições têm um prazo de seis meses para se adequarem às novas regras após a autorização.
Governança e estrutura
– As PSAVs devem ser constituídas como sociedades empresárias limitadas ou anônimas e devem ter, no mínimo, três diretores responsáveis perante o BC.
– É vedada a constituição como sociedade empresária com sócio único pessoa natural.
– Elas também devem estabelecer políticas de governança adequadas, documentadas e revisadas a cada dois anos.
Segurança e proteção ao cliente
– As PSAVs devem implementar medidas de segurança, políticas de compliance e controles internos.
– Devem fornecer informações claras e transparentes sobre os serviços e os ativos virtuais, bem como a legislação aplicável.
– As PSAVs devem informar seus clientes sobre os riscos associados aos ativos virtuais.
Custódia de ativos virtuais
– A prestação de serviços de custódia deve ser formalizada por meio de contrato, e o custodiante deve assegurar a identificação do cliente e o exercício dos seus direitos.
– A contratação de custodiantes em jurisdição estrangeira deve seguir regras específicas, incluindo a necessidade de padrões compatíveis com a regulamentação brasileira e acordos de cooperação com o BC.
Mercado de câmbio
– As PSAVs que atuarem no mercado de câmbio devem seguir a disciplina específica desse mercado.
– As operações com ativos virtuais com propósito de investimento deverão se submeter à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no país.
– O BC também busca subsídios sobre limites adicionais para PSAVs em operações de câmbio e mecanismos para a obtenção do valor equivalente em moeda soberana dos ativos virtuais transacionados.
Comparativo com legislações e regulamentos internacionais
– A proposta do BC está alinhada com recomendações de órgãos internacionais como o Financial Stability Board (FSB) e o Comitê de Supervisão Bancária de Basileia, que defendem uma abordagem regulatória baseada em riscos, seguindo o princípio de “mesma atividade, mesmo risco, mesma regulamentação”.
– Assim como em outras jurisdições como a União Europeia e o Reino Unido, o BC busca uma regulamentação abrangente que não se limite a um único tipo de ativo ou serviço, mas que abranja todas as atividades relacionadas ao mercado de ativos virtuais.
– A necessidade de licenciamento e supervisão das PSAVs é uma prática comum em diversas jurisdições, visando garantir que as empresas operem de forma segura e transparente.
– A regulamentação também está alinhada com as recomendações do Grupo de Ação Financeira (Gafi), que exige que os PSAVs sejam regulamentadas para evitar o uso indevido de ativos virtuais para lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.
– Similar a outras jurisdições, o BC estabelece regras para a custódia de ativos virtuais, visando proteger os ativos dos clientes e garantir a segurança das operações.
– O BC busca integrar as operações com ativos virtuais ao mercado de câmbio, exigindo o cumprimento de regras específicas.
Definição de ativos virtuais
– A definição de ativos virtuais varia entre as jurisdições, mas geralmente se refere a uma representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida digitalmente.
– Os ativos virtuais são caracterizados como não tangíveis e podem ter diferentes funções econômicas, como meio de troca, reserva de valor ou instrumento de investimento.
– Alguns regulamentos excluem ativos já cobertos por outras regulamentações financeiras.
– A proposta pode carecer de clareza em alguns aspectos específicos, como a definição de ativos virtuais para fins de regulação e as operações em finanças descentralizadas.
Deslistagem de criptoativos
– A regulamentação do BC estabelece que as PSAVs devem informar os critérios adotados para a deslistagem de um ativo virtual e ter documentação e procedimentos claros para o processo.
– As PSAVs devem comunicar a data e hora em que a oferta do ativo virtual será descontinuada, o prazo para cancelamento das ordens com o ativo virtual, e a data de interrupção das negociações.
– As plataformas de negociação de criptoativos devem estabelecer regras operacionais claras e transparentes, incluindo as condições sob as quais a negociação de um ativo pode ser suspensa ou descontinuada.
– As deslistagens podem ocorrer devido a problemas de conformidade regulatória ou por questões com o emissor do ativo.
– O BC tem o poder de determinar a deslistagem de ativos virtuais, o que pode gerar incerteza no mercado.
Outros pontos relevantes
– O edital de Consulta Pública nº 109/2024 busca obter contribuições da sociedade para aprimorar a proposta de regulamentação.
– Há uma lacuna sobre a regulamentação específica de stablecoins, que são criptomoedas com valor referenciado em outros ativos.
– A regulamentação de stablecoins é um ponto crucial em outros países, visto que elas são amplamente utilizadas no mercado de criptoativos.
Conclusão
A proposta de regulamentação do BC para as PSAVs demonstra um esforço para criar um ambiente regulatório robusto, alinhado com as melhores práticas internacionais.
A regulamentação busca equilibrar a inovação com a segurança, a fim de proteger os consumidores e garantir a integridade do sistema financeiro.
No entanto, é fundamental que os pontos negativos sejam considerados e que o BC continue atento às mudanças do mercado.
A participação ativa da sociedade, o monitoramento contínuo e a adaptação às novas necessidades do mercado são essenciais para o sucesso da regulamentação.
Referências:
1. EDITAL DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL Nº 109/2024 – Proposta de regulamentação da prestação de serviços de ativos virtuais (PSAVs). Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/edital-de-participacao-social-n-109-2024-proposta-de-regulamentacao-do-.
2. EDITAL DE CONSULTA PÚBLICA Nº 110/2024, DE 8 DE NOVEMBRO DE 2024. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/edital-de-participacao-social-n-110-2024-proposta-de-regulamentacao-do-.
3. EDITAL DE CONSULTA PÚBLICA Nº 111/2024, DE 29 DE NOVEMBRO DE 2024. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/consulta-publica-n-111.
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