Seguros Contemporâneos

Entrevista: Clara Maffia, gerente de relações institucionais do Sistema OCB

Autores

  • é advogado parecerista doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) professor da FGV Direito Rio e sócio de Chalfin Goldberg & Vainboim Advogados.

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  • é mestre e doutor em Direito Processual Civil (PUC-SP) professor no Curso de Especialização em Direito Processual Civil (PUC-SP) membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro) e do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) e sócio do Chalfin Goldberg & Vainboim Advogados (São Paulo).

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30 de janeiro de 2025, 8h00

A coluna Seguros Contemporâneos inicia uma série de entrevistas com personalidades de destaque no mercado, abordando o novo tema ligado às cooperativas de seguros e associações de proteção patrimonial mutualista, objeto da Lei Complementar nº 213, de 15 de janeiro de 2025.

Nossa entrevistada de hoje é Clara Maffia, gerente de relações institucionais do Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), com atuação na defesa do cooperativismo há 15 anos. Cientista política formada pela UnB (Universidade de Brasília), com expertise nas áreas de relações governamentais, advocacy, políticas públicas e cooperativismo, Clara possui especialização em Direito Constitucional pelo IDP (Instituto Brasiliense de Direito) e em Gestão Empresarial pela FIA (Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo).

Como a senhora avalia o ingresso desses novos personagens no mercado de seguros?
Colocar todos os atores participantes do setor securitário sob uma legislação que foi construída a muitas mãos é, na nossa visão, um importante passo que foi dado pelo Congresso Nacional. Era importante definir o escopo de atuação dos diferentes modelos societários que operam neste setor, criar regras claras para as suas operações, fixar as responsabilidades e uma governança mínima e apontar os caminhos necessários da regulação pela Susep (Superintendência de Seguros Privados) e pelo CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados). Todos esses pontos foram contemplados na Lei Complementar nº 213/2025. A expectativa que temos é que o acesso ao seguro seja ampliado e democratizado no país.

Na qualidade de representante da organização das cooperativas brasileiras, comente brevemente a respeito da importância do cooperativismo no Brasil. Em que setores da economia o cooperativismo se destaca?
As cooperativas brasileiras atuam em diversos setores da economia brasileira. Juntas, elas tiveram ingresso de quase R$ 700 bilhões em 2023, gerando mais de 550 mil empregos diretos e congregando 24 milhões de cooperados. Em vários setores elas são destaques: no setor agropecuário, 53% da produção de grãos do país é oriunda de produtores vinculados às cooperativas; as cooperativas de saúde, médicas e odontológicas, possuem 33% do mercado da saúde suplementar; no setor financeiro, outro destaque, com as cooperativas de crédito sendo as únicas instituições financeiras em 368 municípios e possuindo a maior rede de atendimento do país, com mais de 9 mil pontos. Números importantes também são vistos nas cooperativas que atuam nos setores de transporte e de energia e que esperamos ver, em alguns anos, no cooperativismo de seguro.

A Lei Complementar nº 213/2025 deixa uma série de aspectos importantes a cargo da regulação futura, sob responsabilidade da Susep e do CNSP. Sob a ótica da concorrência entre os personagens incumbentes (e.g. seguradoras) e os novos entrantes, que aspectos a regulação deverá cobrir? 

De fato, grande parte das operações dos novos entrantes e, consequentemente, o tamanho que eles terão neste mercado, dependerá das regulações que virão. O CNSP, por exemplo, fixará normas gerais de contabilidade a serem observadas pelas sociedades cooperativas de seguros, pelos grupos de proteção patrimonial mutualista e pelas administradoras de operações de proteção patrimonial mutualista. Em conjunto com a Susep, também estabelecerá normas de regulação e aplicará os instrumentos de supervisão de forma proporcional ao porte, à natureza, ao perfil de risco e à relevância sistêmica das instituições operadoras. Para o caso específico das cooperativas seguradoras, a Susep, por exemplo, deverá autorizar a posse dos administradores e dos conselheiros fiscais, assim como já acontece com as cooperativas de crédito na competência do Banco Central.

Comenta-se que o mercado segurador incumbente não chega a determinados rincões do país, seja por falta de apetite comercial, seja por questões de severidade de risco. A introdução dos novos personagens terá o propósito de suprir essas lacunas?
Essa é a expectativa que temos. As cooperativas têm essa característica, de estar em locais onde muitas vezes outros modelos societários não estão. Citamos o exemplo do cooperativismo de crédito, única instituição financeira em 368 municípios do Brasil. Outro exemplo é o Sistema Unimed, presente em 90% dos municípios brasileiros. Porém, a presença das cooperativas seguradoras em diversos locais do país dependerá de uma série de fatores, como uma regulação incentivadora e efetivamente proporcional, uma governança forte das cooperativas, o desenho de produtos atrativos, preços competitivos e uma estratégia comercial adequada. Portanto, a legislação é apenas o primeiro passo de uma gama de ações que virá.

A Lei Complementar nº 213/2025 prevê um prazo de até 180 dias para que os referidos novos personagens regularizem a sua situação legal perante o órgão regulador. A senhora acredita que haverá interesse desses novos personagens em cumprir com os ônus regulatórios típicos do mercado segurador?
Temos recebido diversos grupos interessados no tema, que querem conhecer mais o modelo cooperativo e as expectativas com a aprovação da lei. Além disso, os ramos cooperativos de transporte, crédito e saúde têm demonstrado especial interesse em avançar com as cooperativas de seguros. Soma-se a esses pontos a possibilidade, prevista tanto na lei geral do cooperativismo quanto na legislação recém aprovada, da operação em diferentes níveis/graus cooperativos: poderá haver o compartilhamento dos riscos e dos ônus através de estruturas legalmente constituídas.

Vimos que a experiencia internacional das cooperativas de seguros é bastante robusta e consolidada. Como garantir que o êxito internacional se repita aqui no Brasil?
Penso que estamos iniciando corretamente e, com isso, criando as bases necessárias para que as cooperativas seguradoras possam prosperar no país. Temos um diálogo constante com o Poder Executivo (Ministério da Fazenda e Susep), participamos ativamente da construção do texto aprovado pelo Congresso, temos interlocução com os diversos atores atuantes no setor (associações, corretores e CNSeg, por exemplo), participamos de fóruns mundiais de cooperativas e mútuas e, o que é essencial para nós, construímos nosso posicionamento técnico e político em sintonia com as nossas cooperativas. São várias frentes de atuação e esperamos que elas possam gerar cooperativas seguradoras fortes e em conformidade com as melhores práticas internacionais.

Outro ponto bastante interessante que abordou é sobre a atuação das cooperativas brasileiras em setores regulados, como saúde e crédito. Como se dá o relacionamento das cooperativas com os órgãos reguladores?
O Sistema OCB e as cooperativas possuem um excelente relacionamento com os órgãos reguladores. Com o Banco Central, por exemplo, temos um relacionamento histórico e bastante rico, que fortaleceu o cooperativismo de crédito brasileiro. As cooperativas operadoras de planos de saúde compõem a Câmara de Saúde Suplementar da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Com a ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre), temos um acordo de cooperação técnica assinado e estamos conversando com a ANM (Agência Nacional de Mineração) para firmar um com ela também. Há um relacionamento muito rico do cooperativismo com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O cooperativismo respeita muito a regulação e entende que ela é essencial para que setores tenham regras claras, contratos respeitados e clientes/consumidores recebendo o que, efetivamente, contratam. No setor securitário, estamos certos, não será diferente, com um relacionamento bastante profícuo que virá.

Autores

  • é sócio fundador de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, advogado e parecerista. Cursa estágio pós-doutoral em Direito Comercial na Faculdade de Direito da USP; é doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e mestre em Regulação e Concorrência pela Universidade Cândido Mendes (Ucam). É professor visitante da FGV Direito Rio. Membro dos conselhos editoriais da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC) e da Revista Jurídica da CNSeg.

  • é sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, mestre e doutor em Direito Processual Civil (PUC-SP), membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro), árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (Cames), professor, autor de livros e trabalhos publicados em periódicos e coletâneas de direito processual e securitário.

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