Opinião

Consequências da inércia do credor no registro da alienação fiduciária

Autores

30 de janeiro de 2025, 17h13

O contrato de alienação fiduciária, regulado pela Lei nº 9.514/97, consiste em negócio por meio do qual o devedor transfere a propriedade de um imóvel ao credor como forma de garantia. A propriedade adquirida pelo devedor, desse modo, está vinculada e condicionada ao pagamento da dívida. Ocorrendo o pagamento total da dívida, a propriedade é revertida ao devedor fiduciante. Por outro lado, caso este não cumpra com os pagamentos, a propriedade é consolidada ao patrimônio do credor[1].

Recentemente, por meio do julgamento do Recurso Especial 2.135.500/GO, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) debateu se, em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel, permaneceria o direito de o credor fiduciário invocar a execução extrajudicial do instrumento contratual, com base na Lei nº 9.514/97, e consequentemente do devedor de rescindir o compromisso de compra e venda sem considerar o disposto na Lei nº 9.514/97, na hipótese em que, durante longo período, o credor optou por não registrar o instrumento o cartorio de registro de imóveis, fazendo-o somente após o ajuizamento de ação de rescisão contratual pelo devedor fiduciante.

Em 27 de setembro de 2023, a 2ª Seção do STJ já havia decidido, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.866.844/SP, que a ausência de registro do contrato de alienação fiduciária não eximiria o devedor de suas obrigações contratuais com relação à Lei nº 9.514/97, de modo que permaneceria válida e eficaz a “cláusula que autoriza a alienação extrajudicial do imóvel em caso de inadimplência” e não permitiria o devedor fiduciante rescindir o contrato de alienação fiduciária com base na ausência de registro e ainda pleitear a devolução das parcelas pagas.

Recurso diverge do STJ

No entanto, o Recurso Especial 2.135.500/GO diverge da situação previamente analisada pelo STJ no recurso supracitado, uma vez que a inércia no registro do contrato de alienação fiduciária teria sido considerada deliberada, vindo esta a acontecer quando o credor tomou conhecimento de que o devedor não tinha mais interesse de manter o contrato. O STJ interpretou que o registro, após um longo lapso temporal, seria uma manobra para evitar a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil ao caso concreto, que seriam menos benéficas ao credor do que a Lei nº 9.514/97.

Justamente sob esse fundamento, a 3ª Turma decidiu pela impossibilidade de se admitir que os contratos envolvendo alienação fiduciária sejam submetidos ao arbítrio do credor quanto ao momento oportuno de seu registro no cartório. No caso em comento, a Corte consignou que “o registro não pode se tornar uma ilimitada ‘carta na manga’ do alienante para, no momento que lhe for conveniente, afastar o CDC e o CC para fins de rescisão contratual”, até porque este cenário ensejaria a incidência do instituto da supressio, o qual impõe um limite ao exercício de direitos ao seu titular “pelo seu não exercício durante decurso de prazo extenso”[2].

Spacca

Princípio da boa-fé objetiva

Importante frisar que o STJ não estabeleceu, no recente julgamento do REsp 2.135.500/GO, qual seria o prazo limite para registro do contrato de alienação fiduciária, dentro do qual não se operaria a supressio. Entretanto, os ministros da 3ª Turma fixaram que o registro no cartório, ocorrido após o ajuizamento da ação judicial, não autorizaria o regime de execução extrajudicial da alienação fiduciária, pois seria uma conduta contrária ao princípio da boa-fé objetiva, que também se impõe aos contratos de alienação fiduciária — desde a negociação até a execução do contrato.

Mais uma vez, o STJ reconheceu a importância do registro do contrato de alienação fiduciária no cartório de registro de imóveis competente, em reconhecimento ao disposto no artigo 23 da Lei nº 9.514/97, para que seja constituída a garantia real, além de criar um parâmetro temporal para a realização desse ato com eficácia constitutiva, vedando o exercício protraído desse direito, em especial para reagir a questionamento da contraparte. Como ocorreu no caso em apreço, na hipótese de requerimento de rescisão do contrato pelo devedor, o credor poderá se ver impedido de exercer seus direitos previstos no contrato de alienação fiduciária (execução extrajudicial do contrato e a consolidação da propriedade), ante à compreensão do STJ de que tal conduta violaria a boa-fé e prejudicaria em demasia o devedor, ora fiduciante.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!