Opinião

A renúncia antecipada à herança e o pacto antenupcial: sobre recente decisão do TJ-SP

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30 de janeiro de 2025, 6h30

O Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente decidiu um caso que promete gerar um impacto significativo nas discussões sobre direito sucessório e pactos antenupciais.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Uma decisão recente reconheceu a validade da renúncia antecipada à herança realizada entre cônjuges no pacto antenupcial, o que poderia ser considerado como uma contrariedade ao antigo princípio jurídico da proibição de “pacta corvina” (acordo sobre herança de pessoa viva).

Esta decisão trouxe luz a uma questão relevante e controversa, abrindo espaço para reflexões acerca dos limites da autonomia privada em relação aos direitos hereditários.

O princípio do “pacta corvina”, que veda acordos sobre heranças de pessoa viva, remonta ao direito romano. A proibição visa, fundamentalmente, a evitar que pessoas disponham de um patrimônio que ainda não lhes pertence, considerando que o direito hereditário apenas se materializa com a morte do autor da herança. Tal princípio busca preservar a liberdade patrimonial do titular e evitar possíveis abusos, mantendo-se em sintonia com os valores de proteção da dignidade e autonomia pessoal.

Decisão do TJ-SP

O TJ-SP, por sua vez, decidiu pela admissibilidade da renúncia antecipada entre cônjuges em pacto antenupcial, sustentando que a manifestação expressa e consciente da vontade dos cônjuges deve ser respeitada como expressão da autonomia privada. Acrescentou ainda que a renúncia antecipada à herança não se trata de “pacta corvina”, uma vez que, nesse caso, o potencial herdeiro apenas abdica de sua posição antes da abertura da sucessão.

Esse posicionamento, embora ousado, não é desprovido de críticas. Há uma preocupação razoável de que a renúncia antecipada possa trazer vulnerabilidades, especialmente para o cônjuge em situação de dependência econômica. Alguns juristas apontam que essa flexibilização pode enfraquecer a proteção patrimonial garantida ao cônjuge sobrevivente, que, em um momento de luto, poderá se ver desamparado.

Spacca

Por outro lado, a decisão também reflete a evolução do direito de família e sucessões, que tem buscado valorizar cada vez mais a autonomia dos indivíduos nas relações pessoais e patrimoniais. O TJ-SP considerou que, num contexto em que os cônjuges firmam um pacto antenupcial para regular seus direitos e deveres, seria um contrassenso negar a possibilidade de dispor antecipadamente sobre os efeitos patrimoniais futuros, desde que isso seja feito de forma informada e consciente.

Ademais, a decisão sana as críticas de que o regime de bens da separação de bens não é respeitado em caso de sucessão. Não é raro que os nubentes, ao escolher o regime da separação de bens, se surpreendam com os efeitos patrimoniais em caso de falecimento, tendo em vista a condição do cônjuge de herdeiro necessário. Nesse sentido, o patrimônio que foi separado durante a vida acaba por se comunicar na hipótese de falecimento. A decisão do TJ-SP permite que estes efeitos sejam afastados por acordo entre os nubentes.

Pactos antenupciais devem ser respeitados

Ainda, a decisão demonstra um alinhamento com o entendimento de que os pactos antenupciais, como instrumento de planejamento patrimonial, devem ser amplamente respeitados. Isso, porém, impõe ao sistema jurídico um novo desafio: garantir que a renúncia antecipada seja feita de forma transparente e que todos os envolvidos compreendam as consequências do ato, de modo a evitar abusos e situações de desamparo.

O recente acórdão do TJ-SP abre precedentes para uma maior aceitação da renúncia antecipada à herança, mas também reforça a necessidade de um acompanhamento atento das circunstâncias em que tais pactos são estabelecidos. É fundamental que a vontade dos cônjuges seja livre, consciente e informada, e que os pactos antenupciais não se tornem um meio de explorar a fragilidade financeira de um dos cônjuges.

Em síntese, a decisão recente do TJ-SP é um marco na interpretação da autonomia privada em relação aos direitos sucessórios e suscita uma reflexão profunda sobre os limites do pacta corvina no direito brasileiro, demandando do Judiciário um equilíbrio cuidadoso entre a autonomia das partes e a proteção contra abusos, com vistas à justiça e à segurança jurídica nas relações familiares e patrimoniais.

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