Limitação de descontos em folha e dignidade do trabalhador: dever jurídico e social
29 de janeiro de 2025, 19h37
O tema da limitação dos descontos em folha de pagamento ganha cada vez mais relevância nos tribunais e na sociedade. As instituições financeiras, especialmente as de grande porte, possuem recursos suficientes para avaliar o impacto de cada operação financeira na renda de seus clientes, mas, em muitos casos, suas práticas têm levado trabalhadores a situações de endividamento insustentável. Esse cenário evidencia a necessidade de respeitar os limites impostos pela legislação e a jurisprudência, garantindo a dignidade e a subsistência dos consumidores.
A legislação estadual e o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trazem clareza sobre a questão. A Lei Estadual de Goiás nº 16.898/2010, com alterações posteriores, determina que o limite de descontos consignados facultativos não pode ultrapassar 35% da remuneração líquida do servidor. Essa regra é complementada pelo §1º do artigo 5º da Lei Estadual 21.665/2022, que prioriza as consignações compulsórias em detrimento das facultativas. Contudo, é evidente que muitas instituições financeiras descumprem essa norma, promovendo descontos abusivos que comprometem a subsistência dos consumidores.
Por exemplo, imagine um servidor público que recebe um salário líquido de R$ 10.000. De acordo com a legislação vigente, os descontos consignados facultativos não poderiam ultrapassar R$ 3.500, respeitando o limite de 35%. No entanto, muitas vezes os contracheques desses trabalhadores revelam descontos superiores a esse percentual, comprometendo valores essenciais para sua subsistência e de sua família. Caso esse servidor tenha, por exemplo, R$ 5.000 comprometidos com consignações, ele teria apenas metade de sua renda disponível para arcar com despesas básicas, como alimentação, moradia e saúde. Essa prática abusiva desrespeita a legislação, coloca o trabalhador em situação de vulnerabilidade financeira e afronta o princípio da dignidade da pessoa humana.
Limite de desconto em folha não encerra obrigações
É importante destacar que a limitação dos descontos em folha não extingue as obrigações financeiras do servidor perante as instituições financeiras. Ele continuará devedor do saldo remanescente, mas o ajuste dos valores descontados mensalmente permitirá que o trabalhador preserve o mínimo necessário para sua subsistência, em conformidade com os princípios constitucionais e legais. Essa medida busca equilibrar o direito do credor ao recebimento com a dignidade do devedor, prevenindo situações de inadimplência total ou de endividamento insustentável.
Os contracheques de servidores frequentemente revelam um comprometimento excessivo da renda mensal, afrontando princípios constitucionais e legais como a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição) e a função social dos contratos (artigo 421 do Código Civil). Nesse contexto, os tribunais têm se posicionado de forma firme contra essas práticas.
O Tribunal de Justiça de Goiás, por exemplo, destacou que “a soma dos descontos em folha não pode ultrapassar 35% da remuneração líquida do servidor, sob pena de comprometer sua dignidade e subsistência” (Apelação Cível n. 5407476-85.2022.8.09.0051). Da mesma forma, o STJ, em reiterados julgados, reforçou que a preservação das verbas alimentares é imperativa, encontrando respaldo no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor e no princípio da boa-fé contratual (REsp 1.863.973/SP).
Reequilíbrio de relações contratuais
O argumento de que “o contrato deve ser cumprido” (pacta sunt servanda) não pode ser invocado de forma absoluta em relações contratuais desproporcionais. É dever do Judiciário reequilibrar essas relações, especialmente quando os termos impostos comprometem a subsistência do trabalhador e sua família. A revisão dos contratos, nesse contexto, não é apenas legítima, mas necessária para assegurar a aplicação dos princípios de razoabilidade e dignidade humana.
A jurisprudência que limita os descontos a 30% ou 35% da remuneração líquida é uma medida equilibrada, respeitando a liberdade contratual sem violar direitos fundamentais do trabalhador. Essa orientação busca preservar a saúde financeira do consumidor e garantir condições mínimas para o sustento próprio e familiar, protegendo-o de práticas abusivas das instituições financeiras.
Dessa forma, é imprescindível que as decisões judiciais continuem a seguir essa linha de entendimento, garantindo que a dignidade da pessoa humana não seja prejudicada por contratos desequilibrados e pela ganância desmedida de instituições financeiras. A subsistência do trabalhador é um valor maior, e sua preservação deve ser prioridade no ordenamento jurídico brasileiro.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!