Academias de ginástica e responsabilidade civil: entre influencers, litígios e provas digitais
29 de janeiro de 2025, 9h15
Cenário de riscos e oportunidades
As academias de ginástica, tão populares por promoverem saúde e bem-estar, tornaram-se arenas de desafios modernos: desde disputas judiciais até a viralização de cenas que misturam irreverência e imprudência. Em tempos de TikTok e Instagram, a responsabilidade civil dessas instituições não é apenas uma questão de boa prática empresarial, mas também um debate sobre riscos, direitos e provas.
Era das redes sociais e dos treinos mirabolantes
1. Entre o entretenimento e o perigo
A busca por fama nas redes sociais transformou aparelhos de musculação em palcos de exibições arriscadas. Movimentos mal calculados, equipamentos usados de forma inadequada e desrespeito às orientações técnicas são registrados em vídeos que rapidamente se tornam virais. Mas quem responde quando o espetáculo termina em lesão?
2. Decisões judiciais que ilustram o problema
Jurisprudências recentes destacam casos que exemplificam os critérios para determinar a responsabilidade ou não das academias. No julgamento do TJ-GO (Processo nº 51692430320228090051), a academia foi responsabilizada por falha de supervisão ao não fornecer acompanhamento adequado a uma aluna menor, resultando em um acidente que danificou o celular de outro cliente. A decisão considerou a ausência de monitoramento como elemento chave que configurou a falha na prestação do serviço.
Já no TJ-DF (Processo nº 0711766-34.2023.8.07.0001), em uma situação em que a lesão foi alegadamente causada durante uma aula de artes marciais, a academia conseguiu demonstrar que a atividade foi conduzida de forma apropriada, sem negligência por parte dos instrutores, e que o dano poderia ter origem em fatores alheios. Este contraste evidencia que a responsabilização depende de elementos como o nexo causal e a demonstração de uma conduta diligente ou omissiva por parte da academia.
Provas digitais e impacto no processo judicial
As provas digitais têm se mostrado essenciais na elucidação de conflitos judiciais envolvendo academias, especialmente em tempos de redes sociais. Com smartphones em todos os lugares, é comum que incidentes sejam registrados em vídeos, oferecendo uma narrativa visual dos eventos. Tais registros ajudam a esclarecer a dinâmica dos fatos e atribuir responsabilidades de forma mais precisa.
Além disso, o artigo 6º, VIII, do CDC, que permite a inversão do ônus da prova, reforça o papel dessas evidências no sistema jurídico. Em casos como o do TJ-MG (Processo nº 5074602-64.2020.8.13.0024), gravações e depoimentos comprovaram que o dano não decorreu de falha no serviço da academia, mas de conduta inadequada do próprio cliente. Por outro lado, esses registros também podem apontar negligência ou omissão por parte das academias, como na ausência de manutenção de equipamentos ou supervisão apropriada.
Portanto, o uso de provas digitais não apenas fortalece o posicionamento jurídico das partes, mas também destaca a importância de procedimentos claros e preventivos dentro das academias, reduzindo litígios e promovendo um ambiente mais seguro.
Responsabilidade compartilhada: consumidores e fornecedores
1. O papel dos influencers e dos clientes
A ascensão dos influencers fitness nas redes sociais trouxe um novo desafio para academias. Muitos criadores de conteúdo promovem práticas imprudentes em busca de likes e engajamento, incentivando seguidores a reproduzirem exercícios sem supervisão adequada ou conhecimento técnico. Saltos arriscados, uso inadequado de equipamentos e desafios virais se tornaram comuns em plataformas como TikTok e Instagram.
O impacto dessas práticas vai além dos espectadores. Quando incidentes ocorrem, o ônus frequentemente recai sobre os donos de academias, que são responsabilizados por danos mesmo quando seguiram protocolos de segurança. Essa transferência de responsabilidade expõe uma lacuna jurídica e social, onde os influencers, que muitas vezes originam ou popularizam comportamentos de risco, permanecem isentos de consequências legais.
Academias têm buscado mitigar esses problemas ao reforçar políticas de segurança, proibir gravações sem autorização e educar clientes sobre o uso correto dos equipamentos. Entretanto, uma abordagem mais ampla é necessária, incluindo a conscientização do público sobre os perigos de imitar comportamentos de exibicionismo digital e a responsabilização daqueles que induzem práticas perigosas. Essa é uma discussão essencial para equilibrar o poder das redes sociais com a segurança e o bem-estar coletivo.
2. Limites da responsabilidade objetiva
Decisões judiciais recentes demonstram que a responsabilidade das academias pode ser limitada ou ampliada dependendo da comprovação do nexo causal e da qualidade das provas apresentadas. No julgamento do TJ-RS (Processo nº 5000310-77.2017.8.21.2001), discutiu-se um incidente onde o cliente sofreu lesão durante a execução de um exercício com equipamentos considerados adequados pela perícia técnica. A decisão destacou que, apesar de o serviço envolver riscos inerentes, a academia não foi considerada negligente, pois havia supervisão e o aluno foi devidamente instruído sobre o uso do equipamento.
Em contraste, no TJ-SP (Apelação nº 1003895-91.2017.8.26.0248), o tribunal decidiu que a academia deveria ser responsabilizada por um acidente com um aparelho de musculação. Nesse caso, a ausência de manutenção do equipamento, a falta de controle rigoroso sobre o estado do aparelho e o insuficiente suporte ao cliente no momento da lesão configuraram falha na prestação de serviço. O tribunal enfatizou que, conforme o artigo 14, do CDC, caberia ao fornecedor demonstrar que o defeito inexistia ou que o dano decorreu de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, o que não foi comprovado.
Esses casos ilustram que a responsabilidade objetiva exige uma análise criteriosa dos fatos, considerando tanto o comportamento da academia quanto o do consumidor. A relação entre risco inerente e falha efetiva no serviço é central para determinar se a academia será responsabilizada.
Seguros de responsabilidade civil e papel da tecnologia
A contratação de seguros de responsabilidade civil é uma medida essencial para academias que buscam minimizar riscos financeiros e garantir segurança jurídica. Esses seguros não apenas cobrem acidentes, mas também reforçam a credibilidade das academias, mostrando compromisso com a segurança dos consumidores.
Paralelamente, o avanço da tecnologia tem desempenhado um papel crucial na mitigação de riscos. Ferramentas digitais, como as usadas pela Moinhos Fitness [1], orientam clientes sobre o uso correto dos equipamentos, desde ajustes e travas até a execução de exercícios. Esses aplicativos também oferecem um benefício adicional: a geração de registros digitais que podem ser utilizados como provas em caso de litígios, fortalecendo a posição da academia no cumprimento de suas obrigações.
Quando combinados, seguros e tecnologia criam um ambiente de segurança compartilhada. O seguro atua como um respaldo financeiro e jurídico para eventos inesperados, enquanto a tecnologia previne esses eventos ao educar os clientes e monitorar o cumprimento das normas. Essa integração não apenas reduz o número de incidentes, mas também facilita a apuração de responsabilidades caso algo ocorra. Essa simbiose entre tecnologia, educação e responsabilidade pode redefinir os padrões de segurança no setor fitness.
Peso da responsabilidade (e das redes sociais)
As academias de ginástica evoluíram, mas, junto com os equipamentos de última geração, vieram também os exibicionistas digitais que fazem dos halteres um palco para likes e visualizações. O problema? Quando o show termina em desastre, quem paga o preço são os donos das academias, que acabam respondendo por imprudências alheias.
Claro, as redes sociais são ferramentas incríveis, mas é difícil não questionar: até que ponto os influencers que promovem práticas perigosas sem qualquer base técnica devem continuar intocáveis? Enquanto isso, o empresário, que investiu em equipamentos, seguros e tecnologia para criar um ambiente seguro, é jogado na fogueira. Parece justo?
Não se trata apenas de seguir regras ou evitar processos judiciais. O que está em jogo é a construção de um espaço onde o respeito, a segurança e a responsabilidade sejam tão valorizados quanto o corpo trincado ou o treino viral. Sejamos claros: não é o TikTok que levanta pesos, e certamente não é o Instagram que oferece suporte nos agachamentos. São as pessoas — clientes, profissionais e empresários — que devem agir com seriedade e equilíbrio.
No final das contas, academias não são circos, e seus donos não são malabaristas que equilibram riscos e lucros na corda bamba. O verdadeiro desafio é garantir que o fitness continue sendo sobre saúde, não sobre imprudências mascaradas de entretenimento. O peso da responsabilidade é real, e cabe a todos levantá-lo com bom senso.
[1] https://www.instagram.com/moinhosfitness/reel/DDf0MY6pSmO/
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!