2024, um ano que não acabou para o Fisco e o contribuinte
29 de janeiro de 2025, 6h33
O ano de 2024, como se sabe, foi marcado por grandes novidades na relação entre o Fisco e o contribuinte, sendo a maior delas os trabalhos em torno da reforma tributária, aguardada em nosso país há mais de três décadas. Com efeito, logo após a aprovação da Emenda Constitucional 132, ainda em 2023, o exercício passado foi constantemente permeado por discussões acerca da regulamentação das temáticas que envolvem a reforma, além de outras importantes deliberações que contribuíram para alterar o arcabouço tributário em nosso país.
Os pontos de maior impacto no âmbito da reforma tributária foram discutidos no PLP 68/2024 e no PLP 108/2024, ao longo do último exercício.
O PLP 68/2024, que, entre outras disposições, disciplinava o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS), foi votado e aprovado pelo Senado em 12/12, após a apresentação do incrível número de mais de 2.000 emendas ao projeto, além das mais de três dezenas de audiências públicas, no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Apenas cinco dias depois, como se sabe, o projeto foi novamente apreciado pela Câmara e, no início deste ano, recebeu sanção presidencial, convertendo-se na Lei Complementar nº 214.
O PLP 108/2024, por sua vez, inicialmente com o objetivo central de instituição do Comitê Gestor do IBS e de múltiplas complementações ao PLP 68/2024, acabou, em sua tramitação, servindo como meio para o enfrentamento de outras questões, como a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) e a exclusão da incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre planos de previdência e distribuição proporcional de dividendos.
Tal PLP chegou a ser aprovado na Câmara e remetido ao Senado com diversas rejeições (como à incidência do ITCMD nas situações supracitadas e à instituição do próprio IGF), mas o restante de sua deliberação parlamentar restou postergado para este exercício.
Desoneração da folha
Para além da regulamentação da reforma tributária, outra temática que movimentou o cenário econômico-tributário em 2024 foi o debate acerca da desoneração da folha de pagamento — benefício fiscal que permite a substituição do pagamento dos 20% de Contribuição Previdenciária Patronal Básica da folha de pagamento por uma alíquota reduzida sobre a receita bruta da empresa (Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB).
A concessão desse benefício, regulamentado pela Lei nº 12.546/2011, estava programada para se encerrar em 2023. Entretanto, ao apagar das luzes daquele ano, o Congresso prorrogou a desoneração até 2027 — o que gerou uma celeuma que se estendeu por todo o ano de 2024.
Ao fim, no que tange à desoneração da folha de pagamento, após intenso debate que envolveu os Três Poderes da República, foi publicada a Lei nº 14.973/2024, solucionando a questão que havia chegado ao Supremo Tribunal Federal por meio da ADI 7.633. A referida lei determinou a manutenção da desoneração até o fim de 2024, e uma reoneração gradual a partir de 2025, em alíquota progressiva anual que alcançará, em 2028, o patamar máximo de 20%.
Transação e multa qualificada
Aproximando o diálogo entre o Fisco e os contribuintes, em agosto do ano passado, foi também publicada a Portaria Normativa MF nº 1.383/2024, que institui o Programa de Transação Integral (PTI), que tem por objetivo a redução do contencioso tributário de alto impacto econômico, por meio da resolução de litígios de forma eficiente e consensual. Por meio do PTI, há previsão de arrecadação de R$ 30 bilhões, ainda em 2025.
O programa prevê duas modalidades distintas. A primeira abarca a transação na cobrança de créditos judicializados de alto impacto econômico, baseada no Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado (PRJ), cuja projeção será baseada no grau de indeterminação do resultado das ações judiciais que impedem os meios ordinários e convencionais de cobrança dos créditos e no tempo de duração da discussão judicial relativa aos créditos objeto de negociação.
A segunda compreende a transação no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica e de alto impacto econômico, baseada no rol de 17 controvérsias jurídicas indicadas em anexo à própria portaria — havendo possibilidade de ampliação do rol.
Em relação às transações tributárias, ainda em setembro, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional superou a meta de arrecadação prevista para 2024 — R$ 24 bilhões, ultrapassando a marca dos R$ 30 bilhões em tal exercício. Além das demais modalidades de transação, um dos editais atinentes a tal modalidade negocial, que contribuiu com boa parte da arrecadação, foi o atrelado à bipartição de contratos de afretamento de plataformas de petróleo, cuja estimativa inicial de arrecadação era de aproximadamente R$ 12 bilhões.
Outro ponto de destaque foi o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE 736.090, no mês de outubro. A corte, por unanimidade, fixou o limite de 100% do débito tributário para a multa qualificada — aplicada em caso de fraude, sonegação e conluio. Sem prejuízo, o valor pode alcançar 150% em caso da reincidência definida no artigo 44, §1°-A, da Lei n.° 9.430/96, incluído pela Lei n° 14.689/2023.
Por meio do referido julgamento, o STF estendeu aos estados e municípios o entendimento que já era aplicado em âmbito federal, até a edição de lei complementar que regulamente a matéria por todo o país. Na prática, a disposição da Lei n° 14.689 passa a ter efeitos também para estados e municípios a partir de sua publicação, em 21 de setembro de 2023. Assim, nesse âmbito, contribuintes passaram a poder solicitar a devolução de valores pagos a maior em multas desde a referida data.
Blusinhas, multinacionais e pacote fiscal
Outra questão tributária que recebeu destaque em 2024 foi a medida instituída pela Lei nº 14.902/2024, chamada “Taxa das Blusinhas”, que taxou em 20% as compras internacionais com valor de até US$ 50. O projeto foi sancionado em 27 de junho de 2024 e começou a viger já em julho.
Segundo dados divulgados pelo governo, a “taxação das blusinhas” deveria gerar uma arrecadação de R$ 700 milhões até o final daquele exercício, e poderia ser vista como uma medida para “compensar”, em parte, a desoneração da folha de pagamento, que acabou por beneficiar 17 setores da economia, mas que ocasionou um impacto orçamentário projetado pelo governo de R$ 35 bilhões.
A Medida Provisória 1.262/2024, por sua vez, destacou-se por prever a instituição de uma alíquota mínima de 15% sobre o lucro de multinacionais que possuem, no Brasil, um faturamento anual a partir de 750 milhões de euros. O ato foi publicado em 03 de outubro — exatamente 90 dias antes de 1º de janeiro de 2025, para que fosse observado o princípio da anterioridade nonagesimal —, e, segundo o governo, atinge 957 grupos empresariais com atuação no país.
A previsão se dá como uma adaptação da legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (Regras GloBE), uma iniciativa da OCDE, que pretende estabelecer uma tributação mínima corporativa de 15% sobre o lucro dos grandes grupos multinacionais, evitando, assim, uma “perda” de arrecadação para os países que sediam setores afetados.
No âmbito da política nacional e da busca do governo pelo corte de gastos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, em fins de novembro do ano passado, um pacote fiscal que envolve uma série de medidas que buscam a promoção de uma maior sustentabilidade fiscal no país — e que, segundo a expectativa do governo, geraria uma economia acumulada de R$ 70 bilhões em dois anos.
Entre as medidas anunciadas, encontra-se o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria de militares e a realização de um “pente-fino” no Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), visando excluir da lista pessoas que recebem irregularmente os benefícios, endurecendo, ademais, as regras para futuros beneficiários. Outro ponto anunciado — ainda não concretizado —, que carreou polêmica por potencialmente significar renúncia de receita em momento da busca do equilíbrio fiscal, foi o da elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda para alcançar quem recebe até R$ 5.000 por mês (projetando-se, de todo modo, nova taxação em 10% para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês, com vistas à compensação da referida renúncia).
Como se vê, o ano de 2024 se consolidou como um período de profundas transformações no Direito Tributário brasileiro, com mudanças legislativas, decisões judiciais e avanços fiscais de grande impacto. A verdade é que muito do quanto construído a partir dos trabalhos do ano passado — decerto um ano que, de uma forma ou de outra, marca significativamente a história do Direito Tributário — terá significativo impacto neste e em exercícios vindouros. E que venham, agora, novos debates em torno da reforma tributária sob o enfoque da renda, e outros movimentos que reflitam esforços no sentido de austeridade e equilíbrio fiscal.
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