Responsabilidade solidária em casos de degradação ambiental em APP
28 de janeiro de 2025, 6h00
O direito ambiental brasileiro caracteriza-se pela adoção de preceitos jurídicos amplos e rígidos, destinados à proteção de bens jurídicos ambientais de valor inestimável, como as Áreas de Preservação Permanente (APP). Essas áreas, conforme disciplinado pelo artigo 4º da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), possuem funções ecológicas essenciais, sendo vedada sua ocupação ou alteração, salvo em hipóteses excepcionais previstas em lei.
Recentemente, a 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão emblemática que reafirma a aplicação do princípio da responsabilidade solidária e objetiva no âmbito ambiental. No caso, o proprietário de um imóvel em Ubatuba, durante a construção de um lava-rápido em APP, causou danos ambientais em decorrência de atividades realizadas sem as devidas autorizações. O município, por sua vez, foi responsabilizado solidariamente, uma vez que não exerceu de forma diligente seu poder de polícia ambiental, permitindo a ocorrência do ilícito por omissão na fiscalização.
A decisão também traz implicações importantes quanto à responsabilização de profissionais técnicos, que atuam sob a égide das Anotações de Responsabilidade Técnica (ART). Quando a ART emitida é de execução, o técnico tem a prerrogativa — e o dever — de fiscalizar a conformidade das atividades realizadas, podendo ser corresponsabilizado caso a obra extrapole os limites estabelecidos pelas licenças ambientais ou pelo ordenamento jurídico vigente.
Este artigo correlaciona o caso mencionado com as bases normativas e jurisprudenciais aplicáveis, analisando como a responsabilização solidária de todos os envolvidos pode ser delineada no direito ambiental.
Responsabilidade solidária e princípio da responsabilidade objetiva no direito ambiental
O regime jurídico de responsabilidade ambiental no Brasil repousa sobre o princípio da responsabilidade objetiva, consagrado no artigo 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) e no artigo 225, §3º, da Constituição. Tal princípio dispõe que a reparação dos danos ambientais independe da comprovação de dolo ou culpa, bastando a existência do dano e o nexo causal entre a conduta (ou omissão) do agente e o resultado lesivo.
A responsabilidade solidária, por sua vez, é igualmente uma construção fundamental no direito ambiental, permitindo que todos os agentes, públicos ou privados, que contribuam para o evento degradador respondam integralmente pelos danos causados. Conforme a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a solidariedade ambiental é uma garantia de efetividade no processo de recuperação dos bens lesados, uma vez que possibilita a execução contra qualquer dos coobrigados, sem prejuízo do direito de regresso.
No caso específico de degradação em APP, os papéis do proprietário, do município e do profissional técnico, sob o manto da ART de execução, são amplamente discutidos, dada a sensibilidade ambiental dessas áreas e os elevados padrões de proteção que lhes são conferidos.
Município e a omissão no exercício do poder de Polícia Ambiental
Os municípios são titulares de competência administrativa e legislativa em matéria ambiental, conforme os artigos 23, incisos VI e VII, e 30, inciso I, da Constituição. Esse conjunto de atribuições abarca a realização de ações preventivas, como a fiscalização de atividades potencialmente poluidoras e a exigência de licenciamento ambiental prévio para intervenções em áreas sensíveis, incluindo as APPs.
No caso de Ubatuba, o TJ-SP entendeu que o município falhou no exercício de seu poder de polícia ao não realizar a fiscalização adequada da obra, permitindo a degradação ambiental por inércia. O voto do relator, desembargador Paulo Ayrosa, reforçou que a responsabilidade ambiental da administração pública é objetiva, não sendo necessário comprovar dolo ou culpa, mas apenas a ausência de medidas que poderiam ter evitado ou minimizado os danos.
A omissão administrativa, nesses casos, caracteriza violação direta do dever de proteção ao meio ambiente, acarretando a responsabilidade solidária da municipalidade, com execução subsidiária das obrigações reparatórias.
Responsabilidade técnica e os limites da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART)
A Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) é o instrumento jurídico-administrativo que estabelece o vínculo entre o profissional técnico e uma atividade específica, seja na fase de planejamento (ART de estudo) ou na execução de obras e serviços (ART de execução).
A diferenciação entre os tipos de ART é crucial para a delimitação da responsabilidade técnica:
- ART de Estudo: O profissional que emite uma ART de estudo responde apenas pelo projeto ou análise técnica, não sendo responsável pela implementação prática das atividades, salvo se houver falha grave no projeto que contribua diretamente para o dano.
- ART de Execução: Quando a ART é de execução, o técnico não apenas implementa, mas também fiscaliza o cumprimento das normas legais e ambientais. O descumprimento desse dever de fiscalização pode ensejar sua corresponsabilidade solidária pelos danos causados.
No caso em análise, caso o profissional técnico tivesse emitido uma ART de execução, ele também poderia ser responsabilizado por negligência na fiscalização do cumprimento das normas ambientais durante a realização da obra.
Considerações finais
A responsabilidade solidária em casos de degradação ambiental em APPs reafirma a posição do direito ambiental brasileiro como protetor da coletividade e do equilíbrio ecológico. A jurisprudência analisada confirma que o município, enquanto agente fiscalizador, é solidariamente responsável pelos danos quando se omite no exercício de seu poder de polícia. Do mesmo modo, o proprietário do imóvel e o profissional técnico que emite ART de execução compartilham o dever de assegurar a conformidade ambiental.
Para evitar a responsabilização desnecessária, especialmente dos profissionais técnicos e entes públicos, é indispensável a atuação preventiva e diligente, que pode ser maximizada por meio de consultoria jurídica especializada. Tal abordagem permite o correto entendimento dos limites da responsabilidade técnica e administrativa, promovendo a segurança jurídica e a sustentabilidade das atividades em áreas ambientalmente sensíveis.
Assim, o alinhamento entre as obrigações legais, técnicas e ambientais é a pedra angular para a proteção efetiva do meio ambiente e para a construção de um modelo de desenvolvimento que respeite os limites ecológicos impostos pela legislação.
_________________________
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 1981.
BRASIL. Lei nº 6.496, de 7 de dezembro de 1977. Institui a Anotação de Responsabilidade Técnica na prestação de serviços de Engenharia, de Arquitetura e Agronomia, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 dez. 1977.
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e nº 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 maio 2012.
CONJUR. Município de Ubatuba é responsável por degradação em área de preservação. Consultor Jurídico, 13 nov. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-13/municipio-de-ubatuba-e-responsavel-por-degradacao-em-area-de-preservacao/. Acesso em: 19 nov. 2024.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!