Opinião

Não basta existência de grupo econômico para desconsideração da PJ e extensão da falência

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26 de janeiro de 2025, 9h15

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos de nº 1897356-RJ (2016/0321995-4), cassou os efeitos da extensão da falência decretada contra empresas em que os bens foram atingidos em razão de um processo falimentar, com o qual tinham relação econômica.

Tal decisão foi clara no sentido de que o tipo de relação comercial ou societária entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, não se faz suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica. Sendo indispensável a comprovação dos requisitos do artigo 50 do Código Civil.

Inicialmente, para compreender o tema, é necessário entender o incidente de desconsideração de personalidade jurídica. Trata-se de um instituto que visa buscar a responsabilidade patrimonial dos sócios por obrigações relativas à pessoa jurídica. Para isso, o artigo 50 do Código Civil determina que é necessário demonstrar o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

O parágrafo primeiro do referido artigo explica que se caracteriza desvio de finalidade quando se utiliza da pessoa jurídica para prejudicar credores e para prática de atos ilícitos. Já o parágrafo segundo, determina confusão patrimonial quando o patrimônio da pessoa jurídica se mistura com o dos sócios, não sendo possível distinguir.

Portanto, o incidente é um instituto de extrema importância para barrar ações abusivas da empresa devedora em face aos seus credores. A finalidade é retirar a limitação da responsabilidade da pessoa jurídica, para atingir o patrimônio dos sócios, quando preenchidos os requisitos do artigo 50 do Código Civil.

Inclusive, o artigo 82 da Lei 11.101/2005 (regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária) estabelece a responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida e o artigo 82-A, veda a extensão da falência ou de seus efeitos no todo, ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitindo a desconsideração da personalidade jurídica.

O parágrafo único prossegue afirmando que tal instituto apenas poderá ser decretado pelo juízo falimentar com observância ao abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, assim como deve ser observado o procedimento previsto no capítulo IV do Código de Processo Civil.

Spacca

Podemos observar que as leis tratam de assegurar que apenas ocorrerá o deferimento do incidente de desconsideração de personalidade jurídica quando há clara demonstração dos requisitos, justamente para que haja segurança jurídica a todos os envolvidos. No caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, os requisitos não foram comprovados e, por isso, houve a cassação dos efeitos da extensão da falência.

Produção de provas é essencial

O referido acórdão extrai um trecho realizado pelo Ministério Público em primeira instância em que explica que a extensão da responsabilidade pelas obrigações da falida em relação às empresas que fizeram investimentos dependeriam que “eventual concentração de prejuízos e endividamento exclusivo em apenas uma, ou algumas, das empresas participantes falidas”, o que não restou comprovado em prova pericial.

Portanto, a produção de provas é essencial para esse tema, para que se comprove efetivamente os requisitos do artigo 50 do Código Civil, não deixando qualquer dúvida. Trata-se de um tema delicado, visto que o incidente de desconsideração de personalidade jurídica é uma medida excepcional, justamente pelo fato de se estar incluindo bens de terceiro para responder sobre o crédito.

Ademais, conforme exposto na decisão pela ministra relatora Maria Isabel Gallotti: “para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica e a extensão da falência, seria necessário demonstrar quais medidas ou ingerências, em concreto, foram capazes de transferir recursos de uma empresa para outra, ou demonstrar o desvio da finalidade natural da empresa prejudicada.”

Segurança jurídica para as partes

Em relação à confusão patrimonial, ressalta que se trata de “requisito da desconsideração da personalidade jurídica, medida excepcionalíssima no direito privado, deve ser inequivocadamente demonstrada por meio de elementos objetivos, concretamente descritos no acórdão, com base nas provas dos autos.”

Prosseguindo no artigo 50, §4º do Código Civil dispõe que “A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que se trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica”

Dessa forma, o artigo 50 do Código Civil traz segurança jurídica às partes, visto que apenas com a comprovação dos requisitos é que podemos ter o incidente de desconsideração da personalidade jurídica deferido. Com isso, não basta apenas a comprovação de grupo econômico. Ressalta-se que o incidente muitas vezes é uma medida eficaz para satisfação do crédito, no entanto, trata-se de medida excepcional, devendo ser preservada a autonomia patrimonial.

Por fim, é importante salientar que comprovar os requisitos do artigo 50 do Código Civil é um trabalho árduo para os credores. Muitas vezes, a título de exemplo, o que se consegue é provar o encerramento irregular das atividades da empresa junto a junta comercial e/ou a mera inexistência de bens penhoráveis para satisfação do crédito. Inclusive, a questão de “cabimento ou não da desconsideração da personalidade jurídica no caso de mera inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa” é Tema Repetitivo de nº 1.210 no Superior Tribunal de Justiça e aguarda julgamento para que se tenha uma consolidação do entendimento sobre o tema.

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