Opinião

Influência da ancoragem em ofertas públicas: benefícios para o mercado brasileiro de IPOs

Autor

  • é sócio consultivo e de estratégia de negócios do Thielmann Nogueira Advogados com experiência em governança corporativa Direito Societário e fusões e aquisições mercados capitais sistemas bancário e de pagamentos pesquisador e doutorando na Universidade de Hamburgo com financiamento Albrecht Mendelssohn Bartholdy Graduate School of Law e vinculado à cadeira de Law & Economics do Institut für Recht und Ökonomik e treinador do Núcleo de Arbitragem e Mediação da USP-Ribeirão Preto.

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26 de janeiro de 2025, 13h14

O registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários é regulamentado pela legislação brasileira, com base no artigo 19 da Lei do Mercado de Capitais e no artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei das S.A. A Resolução CVM 160, editada em 13 de julho de 2022, detalha o processo, substituindo regulamentos anteriores, especialmente as Instruções CVM 400 e 476.

Os registros de emissor e de oferta pública, embora distintos, são complementares, pois a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exige que as informações do emissor estejam atualizadas antes de aprovar uma nova oferta. Assim, as informações periódicas fornecidas pelas empresas são regularmente analisadas pelas áreas técnicas da CVM.

A Resolução CVM 160 regula tanto as ofertas públicas de distribuição primária quanto secundária, bem como a negociação de valores mobiliários ofertados em mercados regulamentados. Segundo o artigo 3º da resolução, caracteriza-se como oferta pública qualquer ato de comunicação, por qualquer meio, que busque despertar o interesse ou prospectar investidores para a aquisição de valores mobiliários.

Características das ofertas públicas

Os seguintes exemplos caracterizam uma oferta como pública:

1. utilização de materiais promocionais como listas, prospectos e anúncios destinados ao público em geral;

2. procura de investidores indeterminados por meio de agentes que atuam em nome do emissor ou das instituições intermediárias;

3. realização de consultas de viabilidade ou coleta de intenções de investimento;

4. negociações em locais abertos ao público, como lojas, redes sociais ou aplicativos;

5. comunicações padronizadas e amplamente disseminadas, mesmo quando os destinatários sejam identificados.

Conforme a Resolução CVM 160, as ofertas públicas estão sujeitas a dois tipos de registro:

– Registro ordinário: Exige análise detalhada pela CVM;

– Registro automático: Aplicável dependendo do tipo de emissor, do valor mobiliário ofertado e do público-alvo, com possível análise por entidades autorreguladoras.

Spacca

A ancoragem em ofertas de ações

A ancoragem é uma estratégia cada vez mais utilizada em IPOs (sigla em inglês para Oferta Pública Inicial) e follow-ons. O mecanismo apresenta as seguintes características:

– constitui um negócio jurídico autônomo em relação à subscrição de ações;

– não interfere na formação do preço das ações na oferta; e

– contrapartidas, como a outorga de opções de compra, são ajustadas em troca dos riscos assumidos pelos investidores-âncora.

Esse mecanismo traz vantagens tanto para a oferta quanto para os investidores-âncora, conforme detalhado a seguir.

Benefícios da ancoragem para a oferta

1. Credibilidade reforçada: A participação de um investidor relevante, muitas vezes com expertise no setor, aumenta a confiança dos demais investidores. Esse impacto é amplificado em situações em que o investidor-âncora concorda com um período de lock-up, evitando a venda imediata das ações adquiridas.

2. Garantia de colocação: A presença do investidor-âncora assegura que uma parcela significativa da oferta será colocada, reduzindo o risco de insucesso.

3. Redução da exposição bancária: Ao garantir parte da colocação, os bancos coordenadores enfrentam menos risco no cumprimento de suas funções.

Benefícios da ancoragem para o investidor-âncora

1. Alocação garantida: O investidor-âncora obtém alocação garantida, respeitando os termos acordados, como o preço máximo definido previamente.

2. Contrapartidas exclusivas: Como recompensa por assumir riscos e compromissos, o investidor pode receber benefícios adicionais, como opções de compra de ações ou direitos de influência na governança da empresa, como a indicação de membros do conselho de administração.

Como a ancoragem pode impulsionar o retorno dos IPOs no Brasil

O mercado de IPOs no Brasil enfrenta desafios consideráveis, como instabilidade econômica e a baixa confiança dos investidores. Nesse contexto, a ancoragem pode desempenhar um papel crucial para reverter esse cenário.

1. Estímulo à confiança do mercado: A participação de investidores-âncora de renome transmite segurança para outros investidores. Quando nomes respeitados demonstram confiança em uma oferta, isso sinaliza potencial de sucesso e reduz percepções de risco.

2. Redução do risco sistêmico: Bancos coordenadores enfrentam menor exposição ao risco com a garantia de colocação proporcionada pelos investidores-âncora. Isso permite maior previsibilidade no planejamento financeiro das ofertas.

3. Atração de investidores estrangeiros: Investidores estrangeiros geralmente são atraídos para mercados que apresentam mecanismos que minimizem riscos. A ancoragem funciona como um selo de qualidade, demonstrando um comprometimento sólido por parte dos principais stakeholders.

4. Incentivo à participação de novas empresas: Empresas que poderiam hesitar em abrir capital devido à incerteza podem se sentir mais confiantes em lançar IPOs com o suporte de investidores-âncora. Isso ajuda a diversificar e expandir o mercado.

A ancoragem representa a tendência para retomada de IPOs e follow ons

A ancoragem tem se mostrado uma estratégia eficaz para revitalizar o mercado de ofertas públicas no Brasil, especialmente após um período sem IPOs desde 2021. A recente privatização da Sabesp exemplifica essa tendência, onde o Grupo Equatorial atuou como investidor-âncora, adquirindo 15% das ações por aproximadamente R$ 6,9 bilhões.

Essa abordagem não apenas reforçou a confiança dos investidores, mas também garantiu a colocação bem-sucedida da oferta, resultando em uma arrecadação total de R$ 14,8 bilhões para o Estado de São Paulo.

A participação de investidores âncora de renome, como a Equatorial, sinaliza ao mercado um compromisso sólido com o sucesso da oferta, incentivando outros investidores a participarem. Além disso, a presença de um investidor-âncora reduz a exposição dos bancos coordenadores e assegura uma alocação significativa na oferta, tornando o processo mais atraente para todas as partes envolvidas.

Com a retomada gradual das ofertas públicas no Brasil, a utilização de ancoragem formal tende a se consolidar como uma prática padrão, proporcionando maior estabilidade e confiança no mercado de capitais brasileiro.

Autores

  • é sócio das áreas de Societário e Mercado de Capitais do TN Advogados, advogado e estudante de Finanças e Negócios pela USP, com passagens pela University of Illinois e University of Chicago, ambas nos EUA. Desenvolveu estudos de pós-graduação, nível mestrado, em Direito Comercial na USP e doutoramento em Direito Societário e Mercado de Capitais pela Universidade de Hamburgo (Alemanha).

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