Dez anos do caso Besc: persiste a trava na quitação geral do contrato de trabalho
26 de janeiro de 2025, 17h11
O julgamento do caso Besc completa 10 anos em 30 de abril deste ano. O caso foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, em uma discussão que envolvia o antigo Banco do Estado de Santa Catarina (Besc), sucedido pelo Banco do Brasil S.A, e trabalhadores da companhia.
Em 2001, antes da privatização, o banco havia criado um plano de demissão incentivada (PDI) para quitação de toda e qualquer verba relativa ao contrato de trabalho de seus funcionários. A grande massa de trabalhadores aderiu ao plano e seus contratos de trabalho foram rescindidos antes da sucessão entre os bancos.
Ocorre que, após isso, muitos trabalhadores ingressaram com ações na justiça do trabalho para discutir a validade dessa cláusula ampla de quitação. Segundo eles, haveria violação à cláusula da boa-fé e enriquecimento ilícito por parte da instituição financeira, que teria ficado sem quitar algumas verbas devidas. Além disso, muitos argumentaram que não puderam se opor ao acordo, mesmo com a participação do sindicato da categoria e a celebração de um acordo coletivo.
Entendimento do TST
Ao julgar um desses casos, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que não havia nenhuma possibilidade de o empregador estipular quitação ampla, geral e irrestrita para toda e qualquer verba decorrente do contrato, considerando que os direitos trabalhistas são, por regra, indisponíveis e irrenunciáveis. Se a intenção é quitar o contrato, segundo o tribunal, o empregador deveria elencar no recibo de pagamento quais verbas está pagando, sob pena de se entender que aquelas de fora não estão abrangidas pela quitação.
Inclusive, nessa época, ainda vigorava a antiga Orientação Jurisprudencial nº 270 da Seção de Dissídios Coletivos 1 do TST, que dizia justamente que é inválida a quitação geral de verbas não constantes do recibo, mesmo que em plano de demissão voluntária.
Com a condenação, o banco recorreu ao Supremo Tribunal Federal (RE 590.415/SC), alegando violação à liberdade contratual (afinal, um acordo de quitação nada mais é do que um contrato entre partes livres e capazes), autonomia da vontade e boa-fé, já que todos os empregados, inclusive o sindicato da categoria, teriam participado da negociação e aceitado seus termos.
Plano de demissão válido
Em um leading case bastante importante para o direito do trabalho, o pleno do STF considerou válido o plano de demissão instituído pela instituição bancária, mesmo que se trate de uma quitação tão ampla. A tese de repercussão geral foi fixada com a seguinte redação: “a transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado”.
Na sequência, o artigo 477-B, incluído na Consolidação das Leis do trabalho pela lei nº 13.467/17, conhecida como reforma trabalhista, previu expressamente a possibilidade de quitação geral das verbas decorrentes do contrato em caso de terminação contratual decorrente de plano de demissão voluntária ou incentivada. Basicamente, a intenção foi de tornar letra de lei a decisão do STF.
Contudo, mesmo próximo de 10 anos da resolução do caso pela corte suprema do país, não obstante, inclusive, sua previsão na legislação, ainda se encontra resistência por parte da justiça do trabalho em aceitar a quitação pactuada pelas partes, seja no âmbito do PDI ou fora dele. Fora do PDI, inclusive, o TST aprovou a Súmula 330 em 2005 e a mantém integralmente válida, a qual deixa claro que a quitação do contrato só abrange as parcelas discriminadas e que, pelo princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, o trabalhador que se sentir lesado pode ingressar na Justiça do Trabalho pleiteando o pagamento de qualquer verba que entenda ainda devida. Em outras palavras, há uma trava a quitação geral do contrato.
Princípio da proteção
Em especial, além dos argumentos trazidos pelo próprio TST quando do julgamento do caso Besc no âmbito da corte, o princípio da proteção é regularmente invocado para afastar disposições tendentes a diminuir direitos trabalhistas.
Apesar de o ordenamento jurídico brasileiro ter o princípio da proteção como sua pedra fundamental, parece que as novas dinâmicas da relação de trabalho exigem, com o fim de adequar o direito a realidade social, uma revisita ao princípio. Não se trata, evidentemente, de reduzir o patamar de proteção a ponto de passar ao largo de conferir dignidade aos trabalhadores. Igualmente, tampouco parece razoável invalidar disposições de vontade estipuladas em paridade (pretensa, no mínimo), entre as partes.
É que, por óbvio, há casos grosseiros nos quais a margem de escolha do empregado é mínima, cujo poder de fogo na discussão com seus empregadores é ínfimo. Nessas situações, a intervenção da justiça do trabalho é primordial para evitar abusos. Porém, não é esse um motivo suficiente a justificar que haja uma presunção de fraude ou irregularidade no acordo celebrado de livre e espontânea vontade entre as partes envolvidas, até que se prove o contrário, pelo menos.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!