SEM INTENÇÃO, SEM CRIME

Júri afasta tentativa de homicídio a facadas contra motorista dentro de ônibus

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25 de janeiro de 2025, 13h56

Sem o elemento subjetivo do tipo, caracterizado pela intenção do agente, não há o crime inicialmente cogitado, sem prejuízo de existir um delito mais brando na chamada desclassificação. Isso ocorreu no júri popular de um homem que atacou a golpes de faca um motorista de ônibus no coletivo. Os jurados acolheram a tese da defesa de que o réu não quis matar a vítima e o juiz presidente da sessão o condenou por lesão corporal leve.

homem com faca

As facadas foram consideradas superficiais e homem foi condenado por lesão corporal leve

Durante os debates, que tiveram réplica e tréplica, o promotor Lucas de Mello Schaefer postulou a condenação do acusado pelo crime de tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil, o que resultaria, na hipótese de condenação, em uma pena de quatro a até 20 anos de reclusão. A defesa, por sua vez, pediu a absolvição por legítima defesa ou, de modo subsidiário, a desclassificação do delito para o de lesão corporal.

Nos dois primeiros quesitos, o conselho de sentença reconheceu a materialidade e a autoria do crime. Em seguida, os jurados votaram contra a absolvição por legítima defesa e, quando indagados se o réu tentou matar a vítima, responderam “não”.

“Restou negado pelos jurados a existência de um crime doloso contra vida, e, portanto, não sendo o crime de competência de julgamento do conselho de sentença, encerrou-se a votação e passou-se à feitura da sentença pelo juiz presidente, nos termos do artigo 492, parágrafo 1º do Código de Processo Penal (CPP)”, anotou o juiz Antonio Carlos Pontes de Souza, da 1ª Vara do Júri do Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo.

Com base no laudo de exame de corpo de delito, que concluiu pela ocorrência de lesões corporais de natureza leve, Souza condenou o réu pelo delito descrito no artigo 129, caput, do Código Penal. O magistrado fixou a pena em três meses de detenção a ser cumprida em regime aberto, razão pela qual expediu alvará de soltura. O acusado havia sido autuado em flagrante e já estava preso preventivamente há mais de um ano.

Segundo o laudo, o motorista do coletivo foi golpeado uma vez na região torácica, uma no braço esquerdo e duas na região do quadril esquerdo. Exame radiográfico no peito não exibiu alterações decorrentes da facada. Depois de receber pontos nos ferimentos e permanecer em observação por algumas horas, a vítima recebeu alta hospitalar, não sofrendo perigo de vida ou incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias.

Entenda o caso

O episódio aconteceu em janeiro de 2024, na Mooca, zona leste de São Paulo. Consta da denúncia do Ministério Público que o réu tentou embarcar no ônibus, fora do ponto, quando ele estava parado em um semáforo. O motorista não abriu a porta do veículo e seguiu viagem.

Ainda conforme o MP, o acusado se posicionou em um ponto para embarcar no mesmo ônibus, cerca de uma hora depois, quando ele fazia o percurso contrário. Logo depois de ingressar no coletivo, o réu sacou uma faca e atacou a vítima, que estava sentada ao volante. Ela reagiu e conseguiu desarmá-lo com a ajuda do cobrador. Posteriormente, policiais militares conduziram o passageiro ao 56º DP (Vila Alpina).

Em seu interrogatório policial, o réu alegou que se sentiu desrespeitado, porque o motorista lhe “mostrou o dedo do meio” ao se recusar a abrir a porta do veículo no semáforo. Na instrução processual, se manteve calado. No júri, disse que foi coincidência ter embarcado no mesmo ônibus dirigido pela vítima e a acusou de agredi-lo ao ser questionada sobre o gesto obsceno, motivando a reação para se defender.

Para o MP, o acusado agiu “imbuído de ânimo homicida, com emprego de recurso que dificultou a defesa do ofendido e por motivo fútil”. As duas qualificadoras foram mantidas na decisão que determinou a submissão do caso ao júri popular, concluído na última segunda-feira (21/1). Porém, em plenário, o promotor Schaefer pediu o afastamento da qualificadora de natureza objetiva (recurso que dificultou a defesa).

“Este caso nos fez refletir desde o início e enxergar como o cidadão, muitas vezes invisível e marginalizado por sua aparência simples, pode ser tratado com indiferença pela sociedade. Mas na busca pela justiça, tivemos a chance de resgatar a sua dignidade e garantir que a sua voz fosse ouvida de forma justa e humana”, afirmaram as advogadas Miriam Godoi Marques Antunes e Aline Malta Maia Araújo.

O advogado Mário Badures destacou que a prova pericial atestou lesões apenas no lado esquerdo da vítima. “Isso derrubou a versão do ofendido de que foi golpeado sentado no banco do motorista, bem como a tese acusatória de que houve animus necandi (intenção de matar)”. A advogada Cinthia Souza acrescentou que o tribunal do júri é “palco da democracia”, onde a defesa pode esclarecer com plenitude a dinâmica dos fatos.

Processo 1501330-16.2024.8.26.0228

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