Insegurança jurídica recíproca: quando o 'contrato de gaveta' vira armadilha
24 de janeiro de 2025, 11h15
No mercado imobiliário, nem tudo o que está na gaveta é segredo, mas pode ser um problema. A prática dos “contratos de gaveta”, caracterizada por acordos de compra e venda de imóveis sem o devido registro em cartório, apresenta riscos igualmente significativos para empreendedoras imobiliárias e compradores.
De acordo o Ipea [1], aproximadamente 30% a 50% dos imóveis no Brasil necessitam de algum tipo de regularização fundiária. Essa informalidade não é apenas uma questão burocrática, mas verdadeira bomba-relógio jurídica que pode comprometer patrimônios e reputações.
Quase sempre, a eficiência da etapa administrativa do pós-venda e o acompanhamento da compra completa do cliente, até o ato formal de transferência de propriedade, é refletida no passivo tributário e consumerista de uma incorporadora ou loteadora.
Trata-se de uma reação em cadeia: a venda acontece por meio do contrato sem registro, a longo prazo e com financiamento próprio da construtora. Durante todo o financiamento nesse tipo de instrumento, tanto o cliente quanto o vendedor já estão expostos.
Exemplo em compra de lote
Por exemplo, se o cliente comprou um lote com obras básicas entregues no prazo, o IPTU já lhe compete. Apesar disso, enquanto o lote não é quitado, o cliente não recebe, por óbvio, o termo de quitação do imóvel e igualmente ainda não lhe é permitido escriturar a propriedade e avançar com a transferência de titularidade, mas pode entrar como compromissário comprador na Prefeitura.
Se o cliente esquece de lidar com o IPTU, ou a construtora não comunica a prefeitura para que conste como compromissário e o vendedor não cuidar de conferir, pode esperar que uma execução fiscal será ajuizada em nome do comprador. Agora multiplique isso pela quantidade de unidades que um empreendimento possui.
E não, mesmo que o vendedor apresente o contrato de compra e venda em processo judicial, surgirá uma decisão com um sonoro “os contratos particulares não são oponíveis ao Fisco”. E a saga se inicia: notificar o cliente, e enquanto isso o prazo de pagamento na execução fiscal se esgota, bloqueio em contas do vendedor. Enfim, há uma infinitude de caminhos e problemas vinculados apenas nesse exemplo, que só sobre isso daria um artigo próprio.
Ainda no exemplo acima, o cliente também está exposto. Não é nada incomum que incorporadoras e loteadoras utilizem do próprio imóvel já comercializado para que seja objeto de penhora na execução fiscal em questão e, portanto, ganhe mais tempo ou torne a mira ao patrimônio do cliente para tentar forçá-lo a lidar com a obrigação devida, quando souber que seu imóvel está sendo penhorado por dívidas de IPTU.
Garantia de penhoras
E por falar em penhora, mesmo que o cliente cumpra todas as obrigações em relação ao seu imóvel mas deixe de prosseguir com a regularização da titularidade após a quitação, é como deixar um ativo na carteira do vendedor e que, portanto, pode ser usado para quitação de dívidas ou funcionar de garantia através de penhoras, tornar indisponível na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, entre outras constrições, apenas e unicamente porque formalmente o imóvel segue sendo patrimônio do incorporadora ou loteadora.
Por óbvio, existem caminhos jurídicos para proteção dos interesses do cliente e do vendedor nas situações extremas elencadas. Mas o ponto de alerta é a ineficiência dessa prática e, principalmente, os potenciais custos gerados reciprocamente pela não adequação.
A regularização não apenas beneficia as partes diretamente envolvidas, mas também fortalece o mercado imobiliário como um todo, proporcionando maior segurança jurídica e transparência nas transações — e de preferência, com a menor intervenção de advogados de contencioso possível.
Embora pareça uma solução rápida e descomplicada, o “contrato de gaveta” é como uma chave que não abre portas, mas problemas. A formalização das transações imobiliárias por meio de escrituras públicas e registros adequados é essencial para garantir segurança jurídica, evitar litígios e assegurar os direitos de empreendedores e adquirentes.
A conscientização sobre os perigos associados a práticas informais e a busca por orientação jurídica especializada são passos fundamentais para mitigar os riscos inerentes dessas transações e fortalecer o setor imobiliário.
[1] INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Os impactos da regularização fundiária urbana sobre a desigualdade de renda brasileira. Nota Técnica n. 6. Brasília: IPEA, 2021. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11215/1/n_06_Os_Impactos_da_Regularizacao.pdf. Acesso em: 22/01/2025
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