As hipóteses de responsabilização dos administradores da sociedade limitada, segundo o Código Civil
24 de janeiro de 2025, 15h16
Os administradores, conforme definição em contrato, possuem poderes para gerir a sociedade e tomar as decisões necessárias para a realização do objeto social (TOMAZETTE, 2014, p. 373). E mais, caso o contrato social silencie acerca dos poderes e atribuições dos administradores, entende-se que “podem praticar todos e quaisquer atos pertinentes à gestão da sociedade, salvo oneração ou alienação de bens imóveis” (CRUZ, 2021, p. 413).
É natural que toda decisão negocial esteja inerentemente passível ao risco do insucesso, como a formalização de contratos empresariais, que podem ou não, a depender de inúmeras variáveis, surtir os efeitos esperados. As decisões do administrador, portanto, podem, mesmo que sem intencionalidade, acabar causando danos à terceiros e à própria sociedade, momento em que pode emergir sua responsabilidade.
No presente texto, buscar-se-á delimitar os casos de responsabilidades do administrador nos termos do Código Civil, excluídas as também existentes hipóteses que envolvem matéria trabalhista e tributária.
No Código Civil, a seção que trata da administração, inserida no capítulo das sociedades limitadas, não prevê especificamente regras de responsabilidade do administrador, remetendo-se, salvo disposição contrária em contrato, às normas da sociedade simples. Neste tocante, dignos de menção o artigo 1.011, que dispõe que o administrador “deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios” (BRASIL, 2002) e o artigo 1.016, segundo o qual, os “administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções” (BRASIL, 2002).
Há no artigo 1.011 uma conduta legalmente esperada do administrador no exercício de suas funções, e no artigo 1.016 a responsabilização por prejuízos causados em razão de sua atuação.
Deveres de diligência e lealdade
Na visão de Fabio Ulhoa Coelho, os mesmos deveres de diligência e lealdade prescritos aos administradores da sociedade anônima, embora estejam prescritos na Lei das S/A (artigos 153 e 155) podem ser aplicados a qualquer pessoa incumbida de administrar bens alheios, inclusive o administrador da limitada (COELHO, 2016, p. 426). Por dever de diligência, o autor compreende como o administrador com competência profissional, que independente de formação, mantem-se informado sobre preceitos da administração empresarial para bem conduzir o negócio; enquanto que, para cumprir o dever de lealdade, o administrador não pode valer-se de informações a que teve acesso, em razão de sua posição, para beneficiar a si ou a terceiro, em detrimento da sociedade. Se restarem descumpridos esses deveres, e em razão disso, a sociedade sofrer prejuízo, o mau administrador deve ser responsabilizado (COELHO, 2016, p. 427).
Para Gladston Mamede (2020, p. 91), é dever do administrador proceder com suas funções com probidade, de forma proativa, com cuidado e diligência, e o descumprimento, seja doloso, culposo ou em abuso de direito, constitui ato ilícito, sujeito a reparação nos termos do artigo 186, 187 e 927 do CC.
De pronto, é necessário traçar uma linha divisória para que não se busque imputar toda e qualquer responsabilidade por eventual fracasso ou insucesso da sociedade ao administrador. Via de regra, em homenagem a princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, a responsabilidade por seus atos será da própria sociedade.
A responsabilização do administrador se dará ou por conduta inadequada ou em razão de culpa no exercício de suas funções, de modo que:
Praticando atos que não extrapolem tais limites, os administradores praticam atos regulares de gestão, os quais são imputados à sociedade e não a eles, uma vez que são meros órgãos que fazem presente a vontade da sociedade. Tais atos são de responsabilidade exclusiva da própria sociedade, não havendo que se cogitar de responsabilização do patrimônio do administrador. (TOMAZETTE, 2014, p. 374)
Configurada a prática de conduta culposa de má-gestão nasce a responsabilidade dos administradores perante a sociedade e perante terceiros. A própria sociedade possui legitimidade e interesse para ajuizar, contra o administrador, ação chamada “ação social uti universi”, que objetiva a reparação de prejuízos sofridos em razão de ato irregular praticado por seu administrador (GAINO, 2012, p. 134).
Já eventuais terceiros prejudicados podem demandar contra o administrador, optando por incluir, ou não, a sociedade no polo passivo da lide, em litisconsórcio. Isto porque, o terceiro de boa-fé “tem direito à reparação dos prejuízos sofridos, sendo-lhe irrelevante considerar se a causa eficiente desses prejuízos foi o ato culposo do administrador” (GAINO, 2012, p. 135). Eventualmente, caberá à sociedade, em ação regressiva, demandar contra o administrador para reparar eventuais prejuízos ao terceiro.
Responsabilidade pessoal do administrador
Por se tratar de caso de responsabilidade pessoal do administrador, seja em face da sociedade ou de terceiros, não há que se falar em subsidiariedade em relação à sociedade e tampouco em limitação, devendo sua responsabilidade alcançar todo o eventual prejuízo causado. Ademais, em existindo dois ou mais administradores, estar-se-ia diante de responsabilidade solidária entre eles, com exceção de situação em que o ato causador do prejuízo tenha sido praticado exclusivamente por um administrador, sem a participação, concordância e até conhecimento dos demais.
Porém, para melhor investigar a responsabilidade do administrador em suas relações com terceiros presumidamente de boa-fé, faz-se necessário bem compreender duas questões. A primeira é a extensão dos poderes e atribuições do administrador, e a segunda diz respeito a buscar delimitar ou ao menos exemplificar de maneira mais clara que a disposta no artigo 1.016 quais atos praticados de forma dolosa ou culposa são aptos a ensejar responsabilização do administrador.
Com relação à fixação de poderes e atribuições do administrador, caso silencie o contrato social, compreende-se que todos os administradores podem praticar todo e qualquer ato pertinente à gestão da sociedade [1]. É o que se conhece por poder geral de administração. De outro lado, em existindo previsão de poderes e atribuições específicos, a análise deve recair sobre quais os efeitos em caso de descumprimento ou extrapolação por parte do administrador.
A responsabilidade civil do administrador que age desrespeitando ou extrapolando os poderes previstos no contrato social é inequívoca e já foi tratada acima. Todavia, importa compreender se, nessas situações, responderá também à sociedade por danos causados a terceiros ou contratos firmados por administrador que não tinha poderes para tanto.
Mudança no Código Civil de 2002
Marlon Tomazette explica que antes do advento do Código Civil de 2002, meras restrições contratuais aos poderes de gerência não eram oponíveis a terceiros de boa-fé, sob o argumento de que não seria possível exigir que terceiros verificassem os atos constitutivos da sociedade sempre que com ela fossem contratar. Em razão da modernidade e massificação das relações, prevalecia a teoria da aparência, pela qual, se o ato parece regular, é assim que deve ser tratado. (TOMAZETTE, 2014, p. 374).
Com o advento do Código Civil de 2002, a matéria veio a ser tratada pelo parágrafo único do artigo 1.015, que dispunha somente seria admitida a oposição do excesso de mandato a terceiros nos casos em que a limitação de poderes estivesse inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade, que a limitação era de conhecimento do terceiro, ou que tratava-se de evidente operação estranha aos negócios da atividade, esta última conhecida como teoria dos atos ultra vires, herdada do direito inglês.
Dispondo o parágrafo único do artigo 1.015 do CC que somente poderia ser oposto o excesso de mandato contra terceiros em três específicas ocasiões, implica reconhecer que em todos os demais atos, mesmo que praticados com excesso, não caberia a oposição a terceiros.
Entretanto, a Lei nº 14.195 de 26 de agosto de 2021, revogou a integralidade do parágrafo único do artigo 1.015 do CC, de modo que, atualmente não há mais regra legal que determine a não vinculação da sociedade aos negócios jurídicos celebrados por seus administradores com excesso de poderes. Prevalece, assim, a teoria da aparência e, em regra, a responsabilização da sociedade por atos praticados com excesso por seus administradores, garantido, obviamente, seu direito regressivo.
Responsabilização do administrador
A outra questão posta acima era concernente à apurada compreensão dos atos que, praticados pelo administrador, poderiam ensejar sua responsabilização. Se de um lado, o texto do artigo 1.016 é vago ao dispor apenas que o administrador responderá perante a sociedade e perante terceiros por culpa no exercício de suas funções, por outro, considerando a dinamicidade e a complexidade das relações comerciais, parece ser impossível prever de forma taxativa os atos que poderiam ensejar a responsabilização.
Óbvio é que não há responsabilização sem dano, sendo certo que, por regra geral de responsabilidade civil, quaisquer que sejam os atos praticados pelo administrador que tenham causado danos a terceiros ou à própria sociedade, são passíveis de responsabilização pessoal, até a extensão dos mencionados danos.
Itamar Gaino (2012, p. 137) separa a responsabilidade perante terceiros entre obrigações contratuais e extracontratuais. As contratuais compreendem todo o ato do administrador que tenha sido tomado em excesso de poderes ou em descumprimento às previsões contidas no ato constitutivo, como por exemplo, fiança prestada, alienação de bens, celebração de contratos pela sociedade representada por administrador que não tinha poderes para tanto. Já as obrigações extracontratuais ou decorrentes de atos ilícitos, quando suas atitudes não envolvem descumprimento de previsões contratuais, como por exemplo quando o administrador ordena que o trabalhador faça uso de máquinas ou insumos perigosos sem a utilização de equipamentos de segurança.
Em apertada síntese, responderão pessoal e solidariamente os administradores da sociedade limitada, até o limite dos danos causados a sociedade e a terceiros, por descumprimento de deveres de diligência e lealdade no exercício de suas funções, por descumprimento às previsões contidas no contrato social, incluídos atos praticados com excesso de poderes, ou ainda por prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
Referências
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. Volume 2. 20ª edição rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
CRUZ, André Santa. Direito Empresarial volume único. 11ª edição ver., atual. e ampl. São Paulo: Jus podivm, 2021.
GAINO, Itamar. Responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. – 3. ed., – São Paulo : Saraiva, 2012.
MAMEDE, Gladston. Direito societário : sociedades simples e empresárias. 12 ed., São Paulo: Atlas, 2020.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. vol. 1, 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
[1] Vide art. 1.015 do CC: No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
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