Reforma tributária e aquisições públicas: impactos e desafios na transição fiscal
23 de janeiro de 2025, 13h12
A regulamentação da reforma tributária, instituída pela Lei Complementar nº 214, de 2015, introduz diversas mudanças com impacto para toda a sociedade. Os aspectos mais relevantes dentro do contexto das aquisições públicas exigem uma análise ampla e integrada às mudanças e evoluções em outras áreas, inclusive fora do campo jurídico.
No caso do direito tributário, a relação desta última reforma com as aquisições públicas é direta, considerando a obrigatoriedade de verificação da habilitação fiscal nas licitações, a influência dos tributos na formação das propostas comerciais e a possibilidade de alterações contratuais decorrentes de modificações no sistema tributário. Assim, torna-se essencial examinar a nova regulamentação e antecipar seus impactos no âmbito das aquisições públicas.
Entre os diversos pontos que podem afetar direta ou indiretamente esse campo, destacam-se três aspectos principais: a mudança na tributação e o período de transição; a tributação variável nas aquisições públicas; e a questão do reequilíbrio econômico-financeiro.
No que se refere à mudança na tributação e ao período de transição, disciplinados nos artigos 372 a 374 da Lei Complementar nº 214/2025, há a substituição dos impostos ICMS, ISS e das contribuições PIS e Cofins pelos tributos IBS e CBS. Essa alteração busca a unificação do sistema tributário e a mitigação de um dos grandes desafios do modelo atual: a guerra fiscal entre estados e municípios.
Essa transição será realizada de forma gradual, no período de 2026 a 2033, com ajustes progressivos nas alíquotas, visando reduzir impactos imediatos.
Alíquotas progressivas
Durante a transição prevista, as alíquotas serão ajustadas de forma progressiva para evitar impactos imediatos. Assim, a cada ano, com a definição das novas alíquotas aplicáveis, será responsabilidade das empresas licitantes e dos órgãos contratantes revisar os modelos de contratação e as propostas previamente estabelecidas, sobretudo nos casos em que os tributos estejam formalmente integrados às bases de cálculo, como ocorre em licitações de engenharia e na contratação de serviços terceirizados. Desse modo, qualquer alteração no sistema tributário terá reflexos imediatos nas contratações públicas.
Quanto à tributação variável, prevista no artigo 473, é relevante observar que, anteriormente, fornecedores contratados por determinados entes federativos eram obrigados a pagar ICMS, ISS, PIS ou Cofins para outros entes. No entanto, a nova regra é que “o produto da arrecadação do IBS e da CBS sobre as aquisições de bens e serviços pela administração pública direta, por autarquias e por fundações públicas será integralmente destinado ao ente federativo contratante”.
Isso significa que, se a aquisição for realizada pela União, os tributos estaduais e municipais (IBS) serão zerados, e o CBS absorverá toda a tributação correspondente. Da mesma forma, em aquisições realizadas por estados, o CBS e o IBS municipal serão zerados, restando apenas a incidência do IBS estadual. Nas compras realizadas por municípios, o CBS e o IBS estadual serão zerados, permanecendo apenas a incidência do IBS municipal, que acumulará os valores correspondentes aos demais impostos.
A legislação também prevê a possibilidade de pagamento direto nesse tipo de contratação, o que ainda carece de maior clareza e regulamentação por parte do governo federal e da Receita Federal. Será necessário observar como essa medida será implementada e quais serão seus impactos na escrituração contábil das fornecedoras que atuam junto às entidades federativas.
Reequilíbrio econômico
Quanto ao reequilíbrio econômico-financeiro, já há um tratamento específico na Lei nº 14.033/2021. Contudo, a regulamentação da reforma tributária introduziu novos fundamentos e regras aplicáveis aos pedidos de reequilíbrio baseados em alterações nos impostos IBS e CBS. Inicialmente, assegura-se que o reequilíbrio contratual é obrigatório sempre que houver comprovação de alteração na carga tributária regulamentada naquela lei. Esse pedido pode ser formulado tanto pelo ente federativo quanto pelo licitante contratado.
Ademais, é possível que o reequilíbrio seja realizado de ofício e não apenas mediante a provocação do fornecedor; isso pode ser particularmente interessante para a organização orçamentária do órgão/entidade, ao prever tais alterações contratuais antecipadamente.
A legislação, no §1º do artigo 376, estabelece prazos específicos para análise desses pedidos, que devem ser avaliados em até 90 dias, com possibilidade de prorrogação por mais 90 dias em casos devidamente justificados por excepcionalidades (na Lei nº 14.133/21 essa informação fica a cargo da cláusula contratual). Essa extensão de prazo, contudo, representa um ponto negativo, pois pode gerar dificuldades financeiras ao contratado durante o período necessário para suportar os efeitos da alteração tributária.
O prazo de 90 dias para análise e eventual prorrogação das solicitações de reequilíbrio econômico-financeiro é extenso, especialmente considerando a necessidade de o contratado suportar, nesse período, os efeitos de uma alteração tributária. Isso evidencia a importância de que os fornecedores ao governo disponham de um fluxo de caixa robusto, pois, em determinados casos, a ausência dessa estrutura pode inviabilizar a continuidade de suas operações frente às mudanças na legislação tributária.
Outras questões e desafios poderão surgir com a aplicação da legislação. Por exemplo, qual deve ser o marco tributário utilizado para determinar a tributação em propostas de preços: o da data de publicação do edital, da data de envio das propostas ou da data de celebração do contrato?
Essas dúvidas ganham relevância considerando que, em alguns casos, o edital pode ser publicado em um ano, as propostas submetidas em outro e, devido a eventuais discussões judiciais ou suspensões, o contrato pode ser firmado apenas no terceiro ano, tendo sido apreciadas no período de transição (2026 e 2033), pelo menos, três alíquotas diferentes.
Tais pontos apenas refletem a importância de um planejamento tanto por parte da administração quanto por parte dos fornecedores para uma melhor adaptação à nova realidade tributária brasileira.
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