Opinião

Inclusão universitária e o dever constitucional negligenciado

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  • é autista doutorando (bolsista Capes de Excelência Acadêmica) e mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) presidente da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil) único pesquisador brasileiro membro do Stanford Neurodiversity Project onde atua nos Comitês de Inclusão no Ensino Superior e Inclusão no Mercado de Trabalho e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Paideia da Faculdade de Educação da Unicamp e do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no âmbito Judicial do Conselho Nacional de Justiça.

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23 de janeiro de 2025, 17h12

A Nota Técnica nº 04/2014  emitida pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) e pela Diretoria de Políticas de Educação Especial (DPEE) do Ministério da Educação (MEC), estabelece parâmetros importantes para a inclusão educacional de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação na educação básica. Fundamentada em marcos legais como a Constituição Federal de 1988 e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), a nota reforça o direito universal à educação e garante o Atendimento Educacional Especializado (AEE) sem a exigência de laudos médicos, eliminando barreiras burocráticas que limitam o acesso de milhares de estudantes ao sistema educacional.

A Constituição Federal, em seu artigo 205, afirma que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Já o artigo 208, inciso III, assegura o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. No entanto, ao limitar-se à educação básica, a nota técnica deixa de contemplar as mesmas garantias no ensino superior, criando uma lacuna que perpetua desigualdades e contraria esses princípios constitucionais.

As sombras do privilégio e a negligência estrutural

No ensino superior, o privilégio mantém seu domínio, e a inclusão se torna exceção. Barreiras atitudinais e estruturais, como a falta de acessibilidade nos espaços e a escassez de suporte pedagógico, reforçam o ciclo de exclusão. A exigência de laudos médicos, que deveriam ser complementares, é tratada como passaporte obrigatório para o acesso a direitos básicos.

Essa prática viola dispositivos como o artigo 27 da Lei Brasileira de Inclusão, que garante “sistemas educacionais inclusivos em todos os níveis e modalidades”. Além disso, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, ratificada no Brasil com status de emenda constitucional, estipula no artigo 24 a obrigatoriedade de ajustes razoáveis para que as pessoas com deficiência possam acessar e permanecer em todos os níveis educacionais.

Compromissos internacionais: uma corda bamba moral

O Brasil, que ratificou convenções internacionais com pompa, tem na prática um desempenho claudicante. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU exige ajustes razoáveis em todos os níveis educacionais, incluindo o ensino superior. Contudo, a realidade brasileira é marcada por omissões que comprometem tanto a credibilidade internacional quanto o pacto moral com sua própria população.

Spacca

Enquanto outros países transformam convenções em políticas públicas eficientes, o Brasil ainda trata a educação inclusiva como um favor e não como um direito. Essa postura fragiliza o país não apenas no cenário externo, mas também no interno, onde a desigualdade se agrava.

Provocações necessárias: por que não no ensino superior?

A inclusão educacional no ensino superior exige mais do que ajustes pontuais; demanda uma revolução na forma como entendemos a diversidade. Tecnologias assistivas, suporte pedagógico especializado e formação docente são ferramentas indispensáveis, mas que sozinhas não resolvem o problema.

A pergunta que fica é: por que a Nota Técnica nº 04/2014 não pode ser estendida ao ensino superior? A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), em seu artigo 59, estabelece que “os sistemas de ensino devem assegurar aos educandos com deficiência […] currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades”. Portanto, há fundamento legal e ético para ampliar as diretrizes já existentes na educação básica.

A diversidade não é uma pauta secundária; é o alicerce de uma educação que se pretenda transformadora e democrática. Não se trata apenas de corrigir injustiças, mas de evitar que elas se perpetuem. Incluir não é um desafio técnico; é uma decisão política e, acima de tudo, humana.

Autores

  • é autista, doutorando (bolsista Capes de Excelência Acadêmica) e mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), presidente da Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas (Autistas Brasil), único pesquisador brasileiro membro do Stanford Neurodiversity Project, onde atua nos Comitês de Inclusão no Ensino Superior e Inclusão no Mercado de Trabalho e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Paideia da Faculdade de Educação da Unicamp e do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência no âmbito Judicial do Conselho Nacional de Justiça.

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