A proibição de mototáxi por aplicativo ofende a Constituição? Um olhar sobre os limites da regulação municipal
23 de janeiro de 2025, 19h14
O Decreto Municipal nº 62.144, de 6 de janeiro de 2023, suspendeu temporariamente a utilização de motocicletas para transporte individual remunerado de passageiros por aplicativos (mototáxi) no município de São Paulo. Essa medida foi adotada em consonância com a meta 39 do Programa de Metas da Prefeitura, que visa reduzir o índice de mortes no trânsito para 4,5 por 100 mil habitantes. Assim, o objetivo principal da norma é a proteção da saúde pública e a segurança dos cidadãos.
Embora a vedação tenha caráter temporário e prazo indeterminado, o texto do decreto sugere que o município possui competência para proibir, de forma definitiva, a prestação desse serviço.
Para as empresas de transporte por aplicativo, como a 99 Táxi, a medida aparenta violar o direito à livre exploração de atividade econômica, afrontando os princípios constitucionais da livre iniciativa (artigo 1º, IV, e artigo 170 da CF/1988) e da livre concorrência (artigo 170, IV, da CF/1988).
Ademais, o decreto levanta questões sobre os limites da atuação municipal na regulamentação do transporte remunerado de passageiros por motocicleta via aplicativo. É da competência da União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo transportes (artigo 21, XX, da CF/1988), e legislar privativamente sobre política nacional de transportes e trânsito (artigo 22, IX e XI, da CF/1988). A Lei Federal nº 12.009/2009, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro, regula aspectos importantes dos serviços de mototáxi. Diante desse quadro, surge a dúvida: pode uma norma municipal impedir a atividade de mototáxi por aplicativo?
Impactos específicos e o contexto urbano
O Supremo Tribunal Federal enfrentou questão semelhante sobre motoristas privados cadastrados em plataformas de transporte compartilhado, em um mercado tradicionalmente ocupado por taxistas. No Tema 967, de repercussão geral, leading case RE 1.054.110, relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, o STF firmou a tese de que “1. A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência; e 2. No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal (CF/1988, art. 22, XI)”.
Portanto, à primeira vista, as empresas de aplicativo possuem fundamentos jurídicos para contestar o decreto municipal. No entanto, a decisão do STF, no caso mencionado, se baseou predominantemente em uma discussão econômica, envolvendo desequilíbrio de mercado, reserva de mercado, inovação tecnológica e livre iniciativa.
Essa perspectiva está clara na ementa do Tema 967 (RE 1.054.110): “a possibilidade de intervenção do Estado na ordem econômica para preservar o mercado concorrencial e proteger o consumidor não pode contrariar ou esvaziar a livre iniciativa, a ponto de afetar seus elementos essenciais. Em um regime constitucional fundado na livre iniciativa, o legislador ordinário não tem ampla discricionariedade para suprimir espaços relevantes da iniciativa privada”.
No entanto, o STF não abordou, nesse tema, um contexto que envolvesse riscos elevados à vida, à segurança e à saúde dos cidadãos, ao menos não de maneira direta. Assim, a aplicação irrestrita dessa tese à questão dos aplicativos de transporte, no que diz respeito aos mototaxistas, não é apropriada sem considerar os impactos específicos e o contexto urbano. Essas questões devem ser analisadas localmente, permitindo uma margem de autonomia normativa para os municípios.
Não é razoável exigir que megalópoles com alto índice de violência e acidentes de trânsito aceitem, sem restrições, a oferta remunerada de transporte de passageiros por motocicletas com a utilização de aplicativos. O cenário exige políticas públicas focadas na proteção da saúde e da segurança. Em nome da livre iniciativa e concorrência não se pode adotar medidas irracionais com respeito aos interesses da comunidade.
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