Opinião

Ponderações sobre o relatório 'Recomposição do Reequilíbrio Econômico-Financeiro de Contratos Administrativos'

Autores

  • é mestre em Economia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e coordenador técnico na área de Estudos sob demanda da Tendências Consultoria.

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  • é economista e atua em projetos de defesa da concorrência reequilíbrio econômico-financeiro de contratos e como assistente técnico em perícias envolvendo concessões Tendências Consultoria.

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  • é mestre em Direito Processual Civil pela FDUSP especialista em Direito Processual Civil e em Direito Público e advogado.

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22 de janeiro de 2025, 21h14

No último dia 27 de novembro, a página do Tribunal de Justiça de São Paulo publicou uma notícia que pode ter passado despercebida, mas é de grande relevância para quem trabalha no dia a dia do contencioso de Direito Público e para o mercado de infraestrutura: a divulgação do relatório “Recomposição do Equilíbrio Econômico-Financeiro de Contratos Administrativos”, feito por uma comissão de peritos judiciais nomeada pela Portaria nº 02/22, do Centro de Apoio aos Juízes da Fazenda Pública (Cajufa).

Segundo o prefácio, a finalidade do trabalho foi estabelecer “diretrizes gerais para a realização de perícias judiciais em casos de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos” e criar um “procedimento estruturado para as perícias que abordam o tema, bem como trazer à luz questões importantes a observar no curso dos processos, para se chegar à melhor solução, atentando-se, ainda, à melhor doutrina, jurisprudência e expertise técnica”.

Sem dúvida, a ideia de aprimorar a prestação jurisdicional, promovendo estudos, debates sobre temas jurídicos com que militam cotidianamente e, na medida do possível, uniformizar os entendimentos e procedimentos representa um alento para os jurisdicionados e para os advogados.

Nesse sentido, é muito bem-vinda e deve mesmo ser elogiada a iniciativa do Cajufa de criar uma comissão multidisciplinar, formada por peritos da mais larga experiência em processos que veiculam temas de direito público, voltada a tratar do importantíssimo assunto que são os chamados “pleitos de reequilíbrio” de processos administrativos.

Reequilíbrio econômico-financeiro

Justamente pela importância do trabalho apresentado e cientes da sua repercussão nas ações que tratarem do direito ao reequilíbrio econômico-financeiro, tomamos a liberdade de fazer breves ponderações, que esperamos que sejam recebidas menos como crítica e mais como colaboração ao debate. O propósito aqui é colaborar para que o estudo contido no relatório da comissão seja o mais proveitoso possível, quiçá antecipando discussões que poderão surgir nos processos.

O primeiro ponto de atenção está no risco de a proposta levar a uma homogeneização exagerada, que não considere as especificidades de cada processo e dos contratos administrativos envolvidos. É preciso, então, que o relatório não seja utilizado da mesma forma como são usados os trabalhos envolvendo valores unitários de desapropriação, por exemplo, voltados a uniformizar indenizações de terrenos expropriados no município a partir da região ou microrregião em que estão localizados. Nos processos expropriatórios, os peritos usualmente analisam as características das benfeitorias de cada imóvel.

Diversas são as hipóteses de ações em que são discutidos eventos que supostamente causaram impacto na equação econômico-financeira dos contratos administrativos, situações em que sempre será imprescindível a análise casuística, levando em conta a natureza do contrato, as previsões legais e editalícias, a proposta vencedora e a matriz de risco aceita pelo licitante vencedor. A principal preocupação está no elenco de documentos indispensáveis e nos modelos de decisão que são sugeridos pelo trabalho da comissão.

Spacca

O segundo ponto de reflexão diz respeito à natureza da prova pericial a ser realizada. O relatório foi produzido por experientes peritos judiciais, engenheiros e contadores que atuam há muito nas Varas da Fazenda Pública da Capital. Entretanto, há contratos administrativos cuja natureza e complexidade demanda a atuação de outros profissionais ou, antes disso, de peritos com formação mais específica, exigência que não foi mencionada no trabalho da comissão. Por exemplo, nos contratos de concessão, cujo prazo de duração é naturalmente mais alongado, é relevante contar com a experiência de profissional especializado em modelagens desse tipo, sob pena de não se considerar algum elemento essencial da equação do contrato.

Impactos à rentabilidade do projeto

Do ponto de vista das premissas adotadas pelo trabalho, chamou atenção o entendimento segundo o qual apenas alterações significativas justificariam o reequilíbrio. Isso porque o conceito de desequilíbrio econômico-financeiro independe da magnitude dos impactos; basta que ocorram eventos alheios à matriz de riscos que causem impactos à rentabilidade do projeto (para mais ou para menos), de nada importando a sua dimensão.

Além disso, nos grandes projetos de infraestrutura, será difícil sustentar que existam valores pouco significativos. Por exemplo, no caso de uma concessão rodoviária com investimentos de R$ 1 bilhão, um impacto de R$ 10 milhões, ainda que represente apenas 1% do total, pode ocasionar desequilíbrio na equação econômico-financeira do contrato, a depender da matriz de riscos assumida.

Também é questionável a associação entre a lucratividade e a necessidade de reequilíbrio. Um determinado projeto pode enfrentar um evento que justifique o reequilíbrio mesmo em um período lucrativo, porque o resultado financeiro é consequência de múltiplos fatores, incluindo aspectos associados à capacidade de gerenciamento e obtenção de eficiências, os quais são parte do risco assumido pelo privado. Ou seja, a lucratividade em um determinado período reflete aspectos que são risco do privado, de maneira que utilizá-la como parâmetro para a caracterização do desequilíbrio é uma violação a esse conceito (se fosse assim, prejuízos financeiros também seriam passíveis de serem reclamados pelo privado como fator de desequilíbrio, o que não é possível).

Metodologia para cálculo de valores

A metodologia proposta para o cálculo dos valores também merece atenção. O documento privilegia excessivamente registros físicos e contábeis, ignorando situações mais complexas. Um caso recente foi a queda no tráfego durante a pandemia de covid-19. Para calcular o impacto e o correspondente desequilíbrio, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) emitiu a Resolução nº 5954/2021, estabelecendo o uso de modelos econométricos sofisticados e projetando cenários hipotéticos de tráfego sem a pandemia — algo impossível de mensurar apenas com demonstrações financeiras.

A questão do deságio das propostas vencedoras sobre os preços de itens também merece ponderação. O relatório pressupõe que o desconto oferecido na licitação se aplica uniformemente a todos os itens do contrato. Na realidade, as empresas elaboram suas propostas considerando diversos fatores operacionais e financeiros, o que torna impossível uma correlação direta entre o deságio geral e itens específicos.

Por fim, é fundamental respeitar os limites entre a análise econômica e a interpretação jurídica. O documento sugere considerar questões de eficiência gerencial no cálculo do reequilíbrio, bem como compensar desequilíbrios com variações em outros custos. Ambas as sugestões parecem não levar em conta o fundamento conceitual do desequilíbrio, ao estabelecerem uma conexão com aspectos de gestão que estão ligados ao risco do parceiro privado e não podem ser objeto de um pleito de reequilíbrio. Em razão disso, possíveis variações em outros custos não têm qualquer relevância para a caracterização de um evento como fator de desequilíbrio.

Em suma, embora elogiáveis a iniciativa e o trabalho realizado pela comissão de peritos nomeada pelo Cajufa, esperamos que as ponderações aqui apresentadas possam de alguma forma colaborar com o debate sobre esse tema tão relevante que são as ações envolvendo pedidos de reequilíbrio de contratos administrativos.

Autores

  • É economista, consultor da Tendências Consultoria, graduado pela Fecap, mestre em Economia Aplicada pela ESALQ/USP e MBA em Gestão Financeira e Econômica de Tributos pela FGV-SP.

  • é consultor da Tendências Consultoria, mestre em Economia pela FEA/USP, graduado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP e em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em Administração de Empresas pela FGV-SP.

  • é advogado, sócio no escritório Mendonça Sica Advogados Associados, mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e especialista em Direito Público pela Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP).

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