O direito à renovatória nas locações comerciais
22 de janeiro de 2025, 15h14
Muito se discute sobre os princípios da autonomia da vontade e o da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda), especialmente em relações comerciais entre empresas.
Entretanto, quando se trata de contratos de locação comercial, a legislação brasileira traz importantes limites a essa autonomia, em especial para garantir a continuidade das atividades empresariais. Nesse contexto, destaca-se o direito à renovatória prevista na Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato), que protege os interesses do locatário.
A Lei do Inquilinato, em seu artigo 51, estabelece que a locação poderá ser renovada caso sejam cumulativamente atendidas as seguintes condições:
- Forma do Contrato: o contrato deve ter sido formalizado por escrito e conter prazo determinado.
- Prazo: o contrato em vigor ou a soma de contratos anteriores deve totalizar, no mínimo, cinco anos de duração ininterrupta.
- Ramo de Exploração: o locatário deve estar utilizando o imóvel para o mesmo ramo de atividade empresarial há pelo menos três anos consecutivos.
Cumpridos esses requisitos, o locatário tem direito à renovação do contrato pelo mesmo prazo do contrato original. Por exemplo, se o contrato inicial tinha duração de cinco anos, o novo contrato também terá vigência de cinco anos.
Direito à renovação
Não surpreende, portanto, que a proteção conferida pela ação renovatória tenha natureza de ordem pública. Isso significa que o direito à renovação prevalece sobre a autonomia contratual das partes, impedindo que qualquer cláusula contratual afaste tal prerrogativa. O artigo 45 da referida lei é categórico ao reforçar essa premissa [1].
Dessa forma, qualquer tentativa de limitar ou excluir o direito do locatário à renovação contratual será considerada nula. Isso solidifica a racionalidade do legislador de proteger a estabilidade das relações comerciais e a continuidade das atividades empresariais.
A doutrina destaca a importância do caráter cogente das normas sobre a ação renovatória. Luiz Antonio Scavone Junior e Tatiana Bonatti Peres enfatizam que a Lei do Inquilinato veda expressamente a exclusão dos direitos do locatário, criando um obstáculo à interpretação contratual contrária aos objetivos da lei [2].
Já Sílvio de Salvo Venosa ressalta que o direito à renovação busca evitar o enriquecimento sem causa por parte do locador, garantindo que este não se beneficie do ponto comercial desenvolvido pelo locatário. Venosa também aponta que a proteção do locatário está alinhada à função social do contrato, promovendo o bem comum e o desenvolvimento econômico [3].
Caráter da Lei do Inquilinato
Os tribunais brasileiros têm reafirmado o caráter imperativo das normas da Lei do Inquilinato. O tribunal paulista destaca a nulidade de cláusulas que visem afastar o direito à renovação, conforme determina o artigo 45:
“Apelação. Ação renovatória. Locação de imóvel não residencial – Contrato anteriormente renovado por acordo homologado judicialmente – Ausência de renúncia expressa ao direito de renovar – Renúncia que, ademais, seria nula por ser o direito de renovação norma cogente – Inteligência do art. 45 da Lei nº 8.245/91 – Contrato de locação não renovado – Sentença de improcedência mantida, por outro fundamento. Recurso desprovido.” (TJ-SP 0004809-86.2014.8.26.0246 Ilha Solteira, relator: Maria Cristina de Almeida Bacarim, data de julgamento: 23/8/2017, 29ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 28/8/2017)
Em outro caso, o TJ-PR reformou sentença para reconhecer a nulidade de uma cláusula que permitia ao locador a retomada unilateral do imóvel, reforçando que tal previsão contraria a função social do contrato e os objetivos da legislação locatícia:
“EMENTA – DIREITO CIVIL e PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE DESPEJO. LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL POR PRAZO DETERMINADO. DENÚNCIA VAZIA POR PARTE DO LOCADOR. PREVISÃO CONTRATUAL NULA DE PLENO DIREITO. OFENSA À TELEOLOGIA DA LEI DE LOCAÇÕES (ARTS. 4º E 45 DA LEI Nº 8.245/1991) E À FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. SENTENÇA REFORMADA. (…) 2. “A cláusula que permite ao locador a retomada unilateral do imóvel antes do término do contrato, sem dúvida se afasta dos objetivos primordiais da lei, dentre eles aquele que prevê que durante o prazo estipulado para a duração do contrato não poderá o locador reaver o imóvel alugado (art. 4.º), e deve, portanto, ter a sua nulidade declarada”. (TJ-PR 00057872420228160129 Paranaguá, relator: Francisco Carlos Jorge, data de julgamento: 14/10/2024, 17ª Câmara Cível, data de publicação: 16/10/2024)
A ação renovatória no contexto da Lei do Inquilinato reflete a busca por estabilidade e segurança jurídica. Ao limitar a autonomia contratual para proteger o locatário, a legislação promove o desenvolvimento econômico e social, garantindo a continuidade das atividades empresariais. Para os dirigentes empresariais, compreender esses mecanismos é essencial para assegurar os direitos e planejar estratégias de ocupação comercial em longo prazo.
[1] Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto
[2] JUNIOR, Luiz Antonio Scavone; PERES, Tatiana Bonatti. Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: visão atual na doutrina e jurisprudência. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 300.
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática, 14ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 245
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