De voto vencido no Carf a vencedor no STJ: a tributação das employee stock options
22 de janeiro de 2025, 8h00
Nossa coluna inaugural de 2025 reelege temática há muito – e por muitos – explorada nesta Direto do Carf: a tributação dos planos de stock options (planos de opção de compra de ações) – no último quinquênio, o assunto foi debatido aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
E, não só neste espaço lhe foi dada atenção: no âmbito dos três Poderes, as stock options estiveram na pauta do dia (aqui) e, no ano passado, pelo Superior Tribunal de Justiça, firmadas teses no tema de nº 1.226 que, ao fim e ao cabo, afirmam que o “regime do Stock Option Plan (artigo 168, § 3º, da Lei nº 6.404/1976) [seria] revestido de natureza mercantil”, “ao menos quando respeitadas suas características gerais” [1].
Se o que se esperava é que melhores luzes fossem lançadas sobre o espinhoso tema, a expectativa não veio a se concretizar. Findo o julgamento pelo STJ, parece-nos “pior a emenda que o soneto”. Passamos a explicar o porquê.
Stock Options (SO) ≠ Employee Stock Options (ESO)
No sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal disponibilizado para consulta o “Vocabulário Jurídico (Tesauro)”, descrito como “uma ferramenta de controle terminológico que tem por objetivo a padronização da informação” (aqui). A busca da expressão “plano de compras de opção de ações” apresenta os seguintes resultados: employee stock options plans (ESO) e stock options (SO), como se sinônimas fossem. Existem, entretanto, substanciais notas de dessemelhança.
(1) Stock Options (SO)
Em apertada síntese, as SO são títulos negociados no mercado de capitais, disponíveis ao público em geral, e que refletem um contrato segundo o qual o que se vende (ofertado pelo lançador) é um direito – o direito de adquirir a ação de uma empresa a um valor pré-estabelecido (preço de exercício), após um período também pré-estabelecido (carência/vesting).
Os interessados pagam um prêmio para adquirir a SO e apostam que, após o período de carência [2], a ação valerá mais que o valor previamente estipulado. Se a premissa se confirmar, o titular da SO exercerá seu direito e comprará a ação pelo preço previamente estipulado (preço de exercício) e auferirá evidente ganho. Por outro lado, pode acontecer que o preço de exercício esteja, após o período de carência, igual ou maior que o valor de mercado, situação em que o adquirente não terá interesse em exercer seu direito e perderá o valor pago pela SO para o lançador.
Nota-se que há na espécie a existência de dois momentos de interesse:
➔ primeiro momento: relativo ao derivativo, no qual se paga o prêmio pela SO
➔ segundo momento: relativo à aquisição da ação por preço inferior ao de mercado, caso a premissa estabelecida – qual seja, preço de exercício menor que o de mercado – se confirme.
No caso descrito, por haver evidente risco, uma vez que a operação é condicionada à evento futuro, incerto e independente da vontade das partes, além de vislumbrada a onerosidade e a voluntariedade, conferida à SO natureza mercantil.
Daí por diante, caso haja o exercício do direito e compra das ações, o novo detentor das ações pode vendê-las ou mantê-las em carteira, sujeitando-se a outro risco – o da oscilação do valor da ação – que em nada se confunde com o primeiro risco suportado, relativo ao pagamento do prêmio pela SO.
(2) Employee Stock Options (ESO)
Diferentemente das SO que, como visto, são comercializadas em bolsa de valores ou mercado de balcão, disponíveis ao público em geral; as ESO são destinadas exclusivamente aos administradores, empregados ou prestadores de serviços das empresas. Normalmente, os beneficiários da ESO são colaboradores que ocupam o mais alto nível da estrutura da empresa, justamente na tentativa de reter tais talentos e incentivá-los atuar de modo alinhado à auferição de resultados positivos à corporação. Se, assim como nas SO, estivesse presente a tríade voluntariedade, risco e onerosidade, inconteste seria a natureza mercantil das ESO; contudo, a realidade, em regra, não se descortina dessa forma.
Tão logo finalizado o julgamento do Tema nº 1.226, a imprensa de grande circulação nacional o repercutiu com a seguinte manchete: “Decisão do STJ deve impulsionar uso de stock option para remuneração de executivos” (aqui). Confessa-se o que há muito é sabido: o instrumento, em inúmeros casos, é deturpado para constituir verdadeira ferramenta de política de remuneração utilizada pelas companhias.
Até mesmo o conservador economista Alan Greenspan, há mais de duas décadas (aqui), entendia a esta modalidade de stock option como uma
[…] concessão unilateral de valor por parte dos acionistas para um empregado. É uma transferência feita pela companhia de parte da capitalização de mercado detida pelos acionistas. A concessão é feita para adquirir os serviços do empregado e presumivelmente tem valor equivalente ao dinheiro ou outra forma de compensação que teria sido necessária para obter esses serviços […]
Também dos idos dos anos 2000 estava a União Europeia preocupada em compreender a natureza das SOP e seus reflexos tributários. No relatório final (aqui), concluíram os expertos que “[a]pesar da natureza de alguma forma indefinida dos planos de opções de ações para empregados, eles são considerados, na maioria dos sistemas fiscais, como rendimentos do trabalho.”
No âmbito do contencioso administrativo fiscal, em que os julgadores são reconhecidos pela elevada capacidade técnica e minudente análise probatória, colhem-se as seguintes situações que corroboram os achados da doutrina: diferentemente das SO que ostentam natureza mercantil, as ESO representam, em regra, forma travestida de pagamento de remuneração. Isso porque, não raramente:
– as ESO são oferecidas gratuitamente, retirando a imprescindível nota da onerosidade para caracterização do caráter mercantil;
– os preços de exercício são fixados em valores baixos ou irrisórios [3], tornando certo o ganho para o colaborador, eliminando a assunção de qualquer tipo de risco, típico de uma operação de natureza mercantil;
– os período de carência da ESO é computado em anos, impondo a permanência do colaborador neste ínterim, o que demonstra a relação direta com o contrato de trabalho;
– os planos são revistos quando, durante a carência, verificado que o preço de exercício tornou-se pouco atrativo, reduzindo-o e adequando-o para que se torne vantajoso ao colaborador, eliminando o risco que deveria existir na operação; e,
– o plano prevê que, na hipótese de demissão por justa causa, o colaborador perde todas as opções que lhes tenham sido concedidas e, mesmo aquelas em que passível o exercício, retornam as ações à empresa, corroborando a ligação umbilical entre a opção de compra de ações com o contrato de trabalho.
A jurisprudência majoritária do Carf, ao desempenhar minudente escrutínio das cláusulas dos planos de ESO, vinha concluindo que ausentes os elementos essenciais de voluntariedade, onerosidade e risco, que confeririam às SO o caráter mercantil, teria a verba natureza remuneratória. Pelas particularidades inerentes ao modo em que ofertada aquisição de ações na vigência de um contrato de trabalho, no âmbito do contencioso administrativo fiscal, em regra, tido que as ESO exibem natureza remuneratória.
O Tema de nº 1.226 do STJ
O trabalho perpetrado no âmbito do Carf não foi negligenciado pela Corte que zela pela uniformidade da interpretação da legislação federal brasileira. Após transcrições doutrinárias, nas razões de decidir do relator ministro Sérgio Kukina colacionados precedentes no sentido de terem a stock options natureza mercantil. Foi eleito para menção o acórdão nº 2402-010.654 que, por sua vez, faz remissão a outro julgado do Carf: o acórdão nº 2402-007.208, cujas razões foram replicadas no precedente vinculante proferido pelo STJ.
Dois fatos chamam atenção: o primeiro é que o entendimento esposado no acórdão de nº 2402-007.208, encampado pelo STJ não se sagrou vencedor, embora assim possa parecer. Naquela assentada foi mantida a autuação ao argumento de que,
“o caso concreto não trata de simples relação mercantil, como a empresa afirma, pois não há qualquer risco ao outorgado, já que, passado o investing period, o beneficiário tem a possibilidade de somente exercer a opção se o valor de mercado da ação for superior ao preço de outorga por ele contratado, tendo o direito contratual, no presente caso, de aguardar o momento que julgar mais adequado ao exercício de tal opção, de forma que não há qualquer risco de perda (…).
(…)
Tal plano, no presente caso, foi além, pois os trabalhadores elegíveis ficavam sujeitos ao cumprimento de metas, o que seguramente reforça a natureza contraprestacional do benefício concedido, conforme expõe os termos de outorga juntados aos autos (…).”
Em resumo, no precedente extraído do Carf, citado pelo STJ, reconhecida a natureza remuneratória do plano, seja pela carência de risco, seja pelo fato de os colaboradores elegíveis estarem obrigados ao cumprimento de metas.
O segundo aspecto digno de nota repousa no fato de a autuação analisada no acórdão nº 2402-007.208 dizer respeito à exigência de contribuições sociais previdenciárias, e não IRPF, este sim objeto do Tema nº 1.226.
Ao afetar a querela como representativo da controvérsia repetitiva, teve o Min. Relator o zelo de bem delimitar o objeto sob apreciação, nos seguintes termos:
Observo ainda que, em atenção ao pedido formulado na ação originária, atese a ser firmada pelo STJ deve restringir-se ao imposto de renda de pessoa física, não havendo suporte fático-jurídico na espécie para se debater a incidência da contribuição previdenciária sobre tais valores [4].
Se não há suporte fático-jurídico para debater a incidência de contribuições previdenciárias, por qual motivo utilizar como razões de decidir entendimento incrustrado em voto vencido versando justamente sobre tributo diverso ao afetado como representativo de controvérsia repetitiva?
Ademais, em que pese ser a temática eminentemente fática, dito en passant, que
[n]o âmbito do SOP, (…) ao menos quando respeitadas suas características gerais, não existe transferência gratuita das ações; o interessado paga por elas o preço estipulado no plano.
Indaga-se: não seria relevante o quanto é pago? Nas hipóteses em que o preço de exercício é irrisório – um centavo de real, como em processo já analisado pelo Carf – ou nos casos em que a própria empresa empresta dinheiro ao colaborador para a aquisição das ações, haveria onerosidade?
Por derradeiro, parece ter o STJ tomada como una operação que ocorre em dois momentos díspares. Isso porque, a flutuação das ações após o exercício é fato irrelevante para a aferição do risco envolvido na operação. O que há de ser analisado são as condições em que ultimada a outorga e, no caso das ESO, o que ocorre, em regra, é a possibilidade (e não o risco!) de ganhos maiores ou menores. Ou, na pior das hipóteses, de ausência de ganho – o que, obviamente, não configura perda –, afastando-se a assunção de qualquer tipo de risco, nota essencial para operações de natureza mercantil.
O que está em jogo…
Com as teses firmadas no Tema de nº 1.226 no STJ, há de ser observado de perto seus desdobramentos.
No Carf, duas são as principais preocupações: o primeiro temor é a inadvertida aplicação de tese jurídica firmada em precedente de natureza vinculante dissociada da realidade fática do caderno processual. Espera-se que as conselheiras e conselheiros não se desincumbam do ônus de analisar minunciosamente as cláusulas planos de ESO. Rótulos não bastam para a definição da natureza jurídica de uma verba, e sim as notas que a compõem. Há decisões, proferidas tanto em âmbito administrativo [5], quanto judicial [6], afastando, no caso concreto, a aplicação da tese firmada no Tema de nº 1.226, por identificar elementos que retirariam o caráter mercantil das stock options.
O segundo receio é a eventual concretização de equivocada tentativa de estender o que decidido no Tema de nº 1.226, que versa sobre a exigência de IRPF, para os casos envolvendo contribuições sociais previdenciárias, com arrimo em enviesada leitura do disposto na alínea “b” do inciso II do parágrafo único do artigo 98 do RICarf. Há de se ter cuidado em assim proceder, pois o próprio STJ reconhece escapar ao tema de nº 1.226 discussões envolvendo a incidência de contribuições previdenciárias. Como bem pontuado em coluna também nesta Direto do Carf publicada (aqui),
a tese fixada pelo STJ encerra a controvérsia sobre a natureza jurídica dos incentivos para fins de imposto de renda, dispondo que o simples exercício da opção de compra de ações não é fato gerador de imposto de renda, já que não há acréscimo patrimonial na transferência onerosa do bem ao patrimônio do contribuinte.
Para as contribuições previdenciárias, porém, não há reprodução obrigatória, devido à própria limitação da tese fixada.
No STF, caso venha ser provocado e seja reconhecida a índole constitucional da controvérsia, alguns nós terão de ser desatados. A atenção à cambiante realidade e aos mirabolantes negócios jurídicos concretizados apenas no papel pode ser um bom começo para que desafios que vêm sendo impostos ao Direito comecem a ser superados. Ainda que sejam ambas stock options, o fato de uma delas estar atrelada ao contrato de trabalho é algo que não se pode negligenciar, sob pena de “confundirmos alho com bugalhos.”
Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.
[1] Tal ressalva é extraída do voto do relator, min. Sérgio Kukina. As “características inerentes ao instituto” estão sistematizadas no voto-vogal do min. Afrânio Vilela, onde destacado a tríade onerosidade-voluntariedade-risco.
[2] O exercício deve acontecer ao término do período de carência – geralmente, fixado entre 30 e 90 dias –; entretanto, não há um prazo para aguardar o melhor momento para aquisição das ações.
[3] Em autuação analisada, concluiu-se que “[a]s ações Gold foram ofertadas a um preço meramente simbólico de 0,01 (um centavo) e as ações Silver com um deságio considerável de 20% (vinte por cento). Na data do exercício da opção de compra a diferença positiva para todos os empregados foi de cerca de R$ 59.900.000,00.” (CARF. Acórdão nº 2201-005.918, sessão de 15 de jan. de 2020).
[4] STJ. ProAfR no REsp nº 2.074.564/SP, DJe de 15/12/2023.
[5] CARF. Acórdão nº 2401-012.044, sessão de 02 de out. de 2024.
[6] TRF-3. Apelação / Remessa Necessária nº 5011549-61.2022.4.03.6100, julgamento iniciado em 26 de nov. de 2024. Julgamento suspenso, nos termos do art. 942 do CPC, com dois votos favoráveis para que dado “parcial provimento à remessa necessária e à apelação da União Federal, mantendo a incidência dos tributos em discussão, apenas afastando a exigibilidade da multa relacionada à não retenção do imposto de renda.”
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