Acesso a dados bancários pelo Fisco: desafios da falta de regulamentação estadual e o uso indevido de dados
22 de janeiro de 2025, 7h13
A revolução digital transformou profundamente a fiscalização tributária no Brasil. Com o advento dos meios de pagamento eletrônicos e a digitalização das operações financeiras, os Fiscos estaduais passaram a acessar um volume sem precedentes de informações. Contudo, essa evolução trouxe à tona um problema crucial: a utilização de dados obtidos sem a devida observância do processo legal e a falta de regulamentação específica nos estados.
O marco legal federal e as garantias constitucionais
O Supremo Tribunal Federal estabeleceu um arcabouço jurídico robusto sobre o acesso a dados bancários pelo Fisco. Em 2016, nas ADIs 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, acorte definiu que tal acesso é possível, mas deve seguir um roteiro procedimental rigoroso. O voto condutor do ministro Dias Toffoli enfatizou a necessidade de instauração de procedimento administrativo fiscal regular, notificação prévia do contribuinte, oportunidade para esclarecimentos e requisição fundamentada de informações.
Esse entendimento foi reforçado no RE 601.314 (Tema 225), com repercussão geral, que destacou que o acesso aos dados bancários não viola o sigilo bancário desde que as etapas procedimentais sejam observadas.
Trocas de informações entre Fisco e administradoras: uma prática irregular
Apesar do arcabouço federal, práticas comuns como as trocas de informações entre Fisco e administradoras de cartões de crédito são manifestamente irregulares. Esses dados, frequentemente obtidos sem a instauração de um procedimento administrativo regular e sem a notificação prévia do contribuinte, violam as garantias constitucionais previstas pelo STF.
As malhas de cartões, que cruzam informações de transações financeiras para identificar possíveis inconsistências tributárias, são outro exemplo de violação do devido processo legal. Esses mecanismos utilizam dados obtidos diretamente das administradoras, muitas vezes sem uma requisição formal e fundamentada, o que compromete a validade jurídica das autuações fiscais.
A era digital e os riscos do vácuo regulador
O julgamento da ADI 7.276, em 2023, que analisou o Convênio ICMS 134/2016 do Confaz, ressaltou a necessidade de procedimentos regulares e do uso exclusivo dos dados para fins fiscais. Entretanto, a ausência de regulamentação estadual detalhada amplia os riscos de arbitrariedades.
Sem normas específicas, os estados atuam com base em interpretações amplas das diretrizes federais. Isso é comparável a ter regras gerais de trânsito sem um código local, criando insegurança jurídica tanto para o Fisco quanto para os contribuintes.
Consequências das violações e o uso indevido de dados
A utilização de dados obtidos sem a observância do devido processo legal tem consequências graves: nulidade de lançamentos tributários, pois os dados obtidos irregularmente contaminam os atos fiscais, comprometendo a validade de autuações e lançamentos tributários; dificuldade para o direito de defesa, já que, sem notificação prévia ou acesso ao procedimento administrativo, os contribuintes ficam impossibilitados de exercer plenamente seu direito de defesa; e violência aos direitos fundamentais, dado que o sigilo bancário é um direito constitucional, e sua violação por práticas irregulares representa afronta direta ao Estado democrático de direito.
O caminho para a regularização
É urgente que os estados regulamentem os procedimentos para acesso a dados bancários, com especial atenção à formalização do início da fiscalização, documentação das etapas do procedimento, notificação prévia do contribuinte, estabelecimento de prazos claros e definição de garantias contra abusos.
Além disso, a conscientização dos contribuintes sobre seus direitos e a busca por profissionais qualificados para orientá-los em casos de autuações fiscais baseadas em dados obtidos irregularmente são essenciais. A defesa intransigente das garantias constitucionais e o questionamento judicial de práticas abusivas são ferramentas poderosas para coibir arbitrariedades e garantir que a fiscalização tributária seja realizada dentro dos limites da lei.
Essas medidas não são apenas necessárias para dar efetividade à fiscalização, mas também para garantir que os lançamentos fiscais respeitem as garantias constitucionais. Enquanto esses procedimentos não forem estabelecidos, o uso de dados obtidos irregularmente deve ser considerado nulo e manifestamente inconstitucional.
A era digital da fiscalização tributária exige mais do que tecnologia: exige respeito ao Estado democrático de direito e à segurança jurídica, equilibrando a eficiência fiscalizatória com a proteção dos direitos fundamentais dos contribuintes.
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