Opinião

Perda de confiança e credibilidade são desafios para o governo Lula 3

Autor

  • é jornalista analista e consultor político mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV ex-diretor de documentação do Diap autor dos livros Por Dentro do Governo: como Funciona a Máquina Pública e RIG em Três Dimensões: Trabalho Parlamentar Defesa de Interesse perante os Poderes Públicos e Análise Política e de Conjuntura e sócio-diretor das empresas Consillium Soluções Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas.

    Ver todos os posts

21 de janeiro de 2025, 13h15

O governo do presidente Lula enfrenta um momento crucial de perda de confiança e credibilidade junto a setores significativos da sociedade e do mercado, provocado por erros na gestão e por manipulação dos setores de oposição, conforme demonstram as pesquisas de opinião disponíveis. Se essa situação não for rapidamente revertida, poderá comprometer a continuidade do projeto de poder nas próximas eleições. Essa desconfiança decorre da oposição irracional ao governo e de reações negativas a medidas do Poder Executivo, amplificadas por setores da extrema-direita, da classe média e até de sua própria base social. Muitas dessas reações são baseadas em interpretações equivocadas ou distorcidas de políticas adotadas para cumprir compromissos eleitorais, como a redução da tabela do imposto de renda, a transparência nos gastos públicos e o combate à sonegação.

A fragilidade na comunicação do governo, superdimensionada em razão da atuação da oposição nas redes sociais, é um dos principais problemas, pois permite a disseminação de desinformação, fake news e campanhas de ódio. Além disso, a administração também cometeu erros estratégicos ao não calcular devidamente os riscos de algumas decisões, como medidas que afrontaram expectativas do mercado, assustaram sua base social ou foram exploradas por adversários. Exemplos disso são o ajuste fiscal (já aprovado pelo Legislativo) combinado com a redução da tabela do imposto de renda (ainda não enviada ao Congresso), o monitoramento do Pix e a tributação de produtos importados como as blusinhas da Shopee.

No caso do ajuste fiscal, a simultaneidade do anúncio de cortes orçamentários e da isenção na tabela do imposto de renda gerou interpretações negativas no mercado, que enxergou a medida como contraditória e potencialmente prejudicial aos seus interesses. A ideia de ampliar imposto para cobrir a renúncia fiscal decorrente da isenção do imposto de renda de pessoa física, como a tributação de lucros e dividendos, também gerou resistências. Por outro lado, a instrução normativa da Receita Federal, que ampliava o monitoramento de operações financeiras para fintechs e bancos digitais, foi equivocadamente ou maldosamente interpretada como uma tentativa de taxar o Pix, provocando temor em eleitores do governo que operam na economia informal. Já a tributação de produtos importados em plataformas de comércio eletrônico, como a Shopee, foi marcada por inconsistências discursivas e políticas, prejudicando tanto a credibilidade governamental perante os consumidores que importavam esse produto sem tributo quanto a percepção de apoio ao varejo, à indústria têxtil e ao setor de vestuário brasileira.

Os quatro pilares

Esses episódios ilustram os desafios impostos ao governo em um ambiente de oposição intensa, alimentada por desinformações disseminadas via redes sociais. Caso não sejam tomadas medidas urgentes para regulamentar essas plataformas, combater fake news e melhorar a comunicação oficial, o risco de perda de apoio popular e institucional aumentará. Tal quadro comprometeria não apenas a governança, mas também a governabilidade do país, afetando os quatro pilares fundamentais do bom governo: estabilidade política, social, financeira e de gestão.

Spacca

A estabilidade política é diretamente ligada à legitimidade do governo, que depende do apoio do Poder Legislativo. Uma relação harmoniosa com o Congresso é essencial para aprovar políticas e evitar situações de impasse. O chefe do Executivo, no sistema brasileiro, tem três alternativas frente a um Congresso hostil: negociar, acatar ou ser derrotado. Já a estabilidade social está relacionada à satisfação popular e à prevenção de protestos que podem levar a desordem ou tumultos.

A estabilidade financeira, por sua vez, exige do governo a capacidade de honrar suas obrigações e equilibrar o orçamento, mediante ajustes fiscais que englobem a receita e a despesa, mas que sejam justos e proporcionais à capacidade econômica dos contribuintes, não penalizando excessivamente os usuários de serviços públicos e beneficiários dos programas governamentais nem os contribuintes. Por fim, a estabilidade de gestão requer equipes qualificadas, instituições bem estruturadas e coordenação eficaz para implementar políticas e executar as macrofunções do Estado [1].

Governar o Brasil neste cenário não é tarefa para amadores. Exige equilíbrio emocional, experiência e determinação. Somente com uma gestão eficiente, articulada e transparente será possível superar os desafios e consolidar a governança e a governabilidade necessárias para avançar o projeto de Estado e sociedade desejado. E para tanto é necessário, de um lado enfrentar resistências com coragem e comunicar decisões de forma clara e honesta, e, de outro, atuar para pacificar o país e melhorar o desempenho da economia, promovendo as políticas sociais com democracia e respeito à ciência, aos direitos humanos e ao meio ambiente. Mas nada disso será possível se não houver regulamentação das redes sociais, combate e punição à intolerância e às fake news.

 


[1] As quatro macrofunções do Estado, indispensáveis à garantia da ordem econômica e da ordem social, são: i) Função política, que consiste na definição de direitos e deveres e dos meios para a sua efetivação; ii) Função executiva, voltada para a implementação de políticas; iii) Função jurisdicional, direcionada à solução de litígios; e iv) Função fiscalizadora, ou seja, definidora do controle da ação estatal

Autores

  • é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV, sócio-diretor da empresa “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais”, ex-diretor de Documentação do Diap, membro da Câmara Técnica de Transformação do Estado, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República – o Conselhão.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!