PELA MORALIDADE E EFICIÊNCIA

Juíza proíbe festa com gasto de R$ 1 mi em cidade em estado de emergência

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21 de janeiro de 2025, 11h52

A discricionariedade do gestor público não é limitada apenas por parâmetros legais, mas também pelos princípios que regem o ordenamento jurídico, como os da moralidade e eficiência. Com essa ponderação, devido ao estado de emergência financeira decretado pelo município baiano de Quijingue, a Justiça determinou que a prefeitura suspenda a festa de São Sebastião e não realize qualquer pagamento relacionado a ela. O gasto estimado para o evento supera R$ 1 milhão, sendo a maior parte com cachês de artistas.

festa de rua

A festa geraria custo de mais de R$ 1 milhão para a prefeitura

De acordo com a juíza Dione Cerqueira Silva, da 2ª Vara dos Feitos Relativos a Relações de Consumo, Cível, Comercial, Família e Sucessões, Fazenda Pública da Comarca de Euclides da Cunha, o poder discricionário da Administrativa Pública de alocar recursos para as diversas necessidades e demandas da população serve para que o gestor possa identificar a conveniência e a oportunidade dos gastos.

Contudo, a magistrada ponderou que, conforme a doutrina administrativista mais moderna, os atos administrativos devem se enquadrar à juridicidade, que abrange as leis, os princípios norteadores da Administração Pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal e os direitos fundamentais dos munícipes resguardados no texto constitucional.

“Se é verdade que o lazer é direito de todos e que deve ser assegurado e fomentado, principalmente em datas quando tradicionalmente a comunidade se reúne para comemorações, impõe-se também observar que os gastos devem guardar correlação com a realidade financeira e orçamentária da cidade, sob pena de se relegar todos os outros direitos à inefetividade completa”, anotou a julgadora.

A decisão da juíza foi tomada na última sexta-feira (17/1) ao apreciar pedido de tutela de urgência em ação civil pública proposta na véspera pelo Ministério Público da Bahia contra o Município de Quijingue e o prefeito José Romero Rocha Matos Filho, o Romerinho (Avante). Os promotores Sabrina Bruna de Oliveira Rigaud e Geraldo Zimar de Sá Júnior assinaram a inicial.

“Todo esse cenário reforça a necessidade de priorizar recursos públicos para a resolução de questões emergenciais e de caráter estrutural, resguardando os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, eficiência e supremacia do interesse público”, justificaram os promotores. Segundo eles, a contratação de artistas de renome nacional implica arcar com cachês elevados, que poderiam ser redirecionados à recuperação financeira do município e à manutenção dos serviços públicos essenciais.

Requisitos da tutela

Dione Silva detectou a presença dos requisitos legais para a concessão da tutela de urgência, nos termos do artigo 300 e seguintes do Código de Processo Civil. Um deles é a probabilidade do direito, que ficou demonstrada com os documentos juntados na inicial, entre os quais o Decreto nº 21, de 6 de janeiro de 2025, no qual o prefeito Romerinho declarou “situação de emergência” de Quijingue pelo prazo de 60 dias.

O gestor recém-eleito indicou no decreto expressiva perda de capacidade de manter a continuidade da prestação de serviços públicos, inclusive essenciais, fundando-se em “aprofundado endividamento”. Devido a esse quadro financeiro, o Sindicato dos Funcionários Públicos de Quijingue relatou ao MP que quase 80% dos servidores não receberam as suas remunerações de dezembro de 2024.

Essa situação econômica referenda o teor do Decreto de nº 571, publicado em 7 outubro de 2024, no qual o então prefeito Nininho Góis (PL) reconheceu que a estiagem prolongada afetou negativamente a economia do município, predominantemente baseada no setor agropecuário. Nesse decreto, também apresentado pelos promotores, o antecessor de Romerinho anunciou que a escassez de recursos financeiros dificultaria as ações da Administração em prestar socorro às famílias afetadas.

Outro requisito da tutela de urgência, o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo foi considerado “evidente”, exigindo a atuação imediata do Poder Judiciário, conforme frisou a juíza. “Caso não sejam suspensas as apresentações, uma vez realizadas as performances e remunerados os artistas, o direito de toda uma população perece sem possibilidade de restabelecimento ao status quo ante (estado anterior).”

A magistrada expôs em sua decisão que a situação de emergência é declarada quando a cidade vivencia uma realidade anormal, que excede a sua capacidade de resposta e a faz necessitar de auxílio direto e imediato de outros entes, para recuperar a infraestrutura dos espaços públicos e assegurar à população os seus afazeres cotidianos. Por essa razão, a julgadora determinou ao município a suspensão da festa de São Sebastião, programada para os dias 21 e 22 de janeiro, sob pena de multa fixa no valor de R$ 100 mil ao prefeito.

A proibição da realização da festa engloba a vedação de pagamentos ou repasses, sejam de verbas próprias indicadas no orçamento ou derivadas de transferências de outros entes políticos. São Sebastião é padroeiro do povoado de Algodões, que foi elevado à categoria de distrito de Quijingue. O município fica no sertão, a 322 quilômetros da capital Salvador. Ele tem 25.272 habitantes, segundo o censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Processo 8000120-75.2025.8.05.0078

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