Opinião

Pretensão punitiva do Estado diante de suspensão e extinção do crédito tributário

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  • é mestre em Ciências Jurídicas pela Unicesumar professor de Direito Penal da mesma instituição e advogado.

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20 de janeiro de 2025, 6h02

O lançamento tributário é um procedimento essencial, pois formaliza a obrigação tributária, permitindo que o Estado cobre tributos de maneira legal e organizada, observando o conceito, as características e os tipos do lançamento tributário descritos na legislação vigente (artigo 142 do Código Tributário Nacional). O lançamento tributário é o ato administrativo [1] que formaliza a exigência do tributo, constituindo o crédito tributário.

O lançamento é um ato jurídico administrativo vinculado e obrigatório, de individuação e concreção da norma tributária ao caso concreto (ato aplicativo), desencadeando efeitos confirmatórios-extintivos (no caso de homologação do pagamento) ou conferindo exigibilidade ao direito de crédito que lhe é preexistente para fixar-lhe os termos e possibilitar a formação do título executivo [2], tem-se demonstrado um instituto típico do Direito Tributário, sendo que suas normas só podem ser introduzidas por lei complementar, conforme dispõe o artigo 146, III, “b”, da Constituição Federal [3].

Importante ressaltar que tais normas somente podem esclarecer o que está contido na Constituição, sem inovar, apenas declarar. No âmbito do Código Tributário Nacional, concebe-se três tipos de lançamento: a) de ofício (artigo 149 – CTN) [4], b) por declaração (artigo 147 e 148 do CTN) [5], c) por homologação (150, CTN) [6].

O lançamento tributário representa a formação definitiva do crédito tributário, e uma vez constituído, existem hipóteses envolvendo representação penal para fins fiscais, em que a pretensão punitiva do Estado depende da interpretação do Fisco acerca dos fatos e da legislação referente à obrigação fiscal, iniciando, nesse caso, o procedimento a ser apurado pelos agentes de polícia e pelo Ministério Público.

Especificamente no âmbito jurídico tributário, protege-se o bem jurídico da integridade do erário, da arrecadação ou da ordem tributária, esta última entendida como o interesse do Estado na arrecadação dos tributos. No campo penal, a Lei nº 8.137/90 definiu os crimes contra a ordem tributária.

Para admitir a possível configuração de crime, a lavratura do auto de infração deve evidenciar o dolo e a fraude praticada pelo contribuinte, com a devida aplicação da multa qualificada ou agravada pelo dolo, do contrário, não sendo considerado, em “tese”, pelo agente fiscal o ilícito tributário mediante dolo ou fraude, não há qualquer parâmetro legal para embasar a representação fiscal para fins penais [7].

No entanto, a afirmação pelo fisco da existência dolo ou fraude, não é, por si só, elemento hábil a respaldar a existência de ilícito penal [8]. Explica-se: as conclusões exaradas em sede tributária pelo agente fiscal permitem delimitar aquilo que sequer é capaz de configurar um ilícito tributário, no entanto, a sua caracterização não conduz à automática existência de um ilícito penal. Daí por que, a eventual afirmação da existência de dolo ou fraude em sede administrativa não presume ou comprova ocorrência de ilícito penal fiscal [9].

Frente a esse contexto, em relação aos tipos do artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, estamos diante de um crime material, e ao levar o contribuinte a responder a um processo penal, a pretensão do Estado repousa na sua função arrecadatória, sendo que, por vezes, esse ato pode ser considerado uma forma de tirania fiscal, uma vez que o pagamento do tributo extingue o crédito tributário e, consequentemente, a pretensão punitiva do Estado, de maneira que, utilizando desses meios punitivos, o objetivo final estatal é sempre a arrecadação.

Suspensão e extinção do crédito

Fixadas essas premissas quanto às hipóteses envolvendo inquérito policial de apuração ou ações penais em andamento, passamos à análise das questões de suspensão e extinção do crédito tributário, e por consequência, ao exame da pretensão punitiva do Estado.

Spacca

No âmbito administrativo, existe o PER/DCOMP – Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação, instituído pela Instrução Normativa nº 1.717/2017 [10]. Por meio desse sistema, o contribuinte pode preencher e validar eletronicamente solicitações de restituição de tributos pagos indevidamente, em excesso, ou que foram acrescidos ao produto, para serem reembolsados pela Receita Federal do Brasil.

Ao efetuar o pedido – PER/DCOMP, o contribuinte comunica à Receita Federal a existência de crédito a ser compensado, ressarcido ou restituído, e após a análise do direito ao crédito, o Fisco efetua as providências necessárias em relação ao contribuinte.

Nesse campo, oportuno destacar que o Código Tributário Nacional autoriza, em seu artigo 170 [11], a compensação por ato praticado pela administração pública (artigo 37, CF/88), configurando uma forma de pagamento do crédito tributário.

A Lei nº 9.430/96 estabelece no artigo 74 as diretrizes para a restituição, ressarcimento ou reembolso e declaração de compensação, regulamentada pela IN/SRF nº 1.717/2017 e posteriormente pela IN/SRF nº 2.055/2021, enquanto a Lei nº 8.383/91, em seu artigo 66, autoriza a compensação em relação às contribuições previdenciárias e de terceiros.

Portanto, o PER/DCOMP constitui um processo administrativo, e sendo assim, até que seja feita a conclusão do pedido efetuado pelo contribuinte, a cobrança do crédito tributário deve ser suspensa, nos moldes do artigo 151, III [12], do Código Tributário Nacional.

Estando suspenso o crédito tributário e havendo inquérito policial ou ação penal em andamento, estes também devem ser imediatamente suspensos. Isso ocorre porque, se o Fisco concluir favoravelmente ao contribuinte e, consequentemente, extinguir a cobrança do crédito tributário por via de compensação administrativa, a pretensão punitiva do Estado também será extinta pois, de acordo com o artigo 156 do CTN [13], a compensação extingue o crédito tributário [14] e o pagamento é causa de extinção da punibilidade do crime fiscal (artigo 9º, §2º, da Lei 10.684/2003).

Também dentro da legislação, destaca-se a possibilidade de haver a suspensão da cobrança do crédito tributário, mediante a utilização de fiança bancária ou seguro garantia [15]. Nesse particular, entendemos que ocorre a suspensão da ação de cobrança do crédito tributário, porém, com o uso da fiança bancária ou seguro garantia tem-se configurada a extinção da pretensão punitiva na seara penal.

A fiança bancária ou carta de fiança, é um tipo de contrato de fiança no qual a instituição financeira, no papel de fiadora, se compromete a garantir o cumprimento do avençado entre o afiançado e seu credor [16]. O seguro garantia se trata de um instrumento financeiro pelo qual uma seguradora emite uma apólice no valor do crédito tributário, assumindo, perante a Fazenda Pública, a responsabilidade de efetuar o pagamento, caso o contribuinte não venha a fazê-lo.

Como se verifica, o valor do crédito tributário a ser pago está devidamente assegurado pela instituição seguradora ou financeira, portanto, caso o contribuinte seja vencido na demanda em questão, o crédito tributário será devidamente pago.

O ponto aqui não reside na espera pela conversão do pagamento da apólice ou da carta de fiança, mas sim quando o crédito já está garantido, resultando na extinção da pretensão punitiva do Estado no âmbito penal. Sobre o tema, Tanegerino e Olive afirmam que “a fiança bancária deveria ensejar a extinção da punibilidade em face da certeza que geraria quanto ao adimplemento da obrigação tributária, insistindo que a caução, o seguro e a penhora, por garantirem a satisfação do crédito tributário, tornando certo o pagamento futuro, deveriam implicar a extinção da punibilidade” [17].

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o RHC nº 48.687/MG, manifestou posição diversa, pronunciando que o “oferecimento de garantia em embargos à execução fiscal, ainda que potencialmente capaz de saldar, ao final daquele feito, o débito fiscal questionado, não é causa extintiva de punibilidade penal prevista como tal em nosso ordenamento, sendo descabida, por razões óbvias, sua equiparação a quitação integral do débito a que se refere o art. 9º, § 2º, da Lei nº. 10.684/2013[18].

Na mesma toada, o depósito judicial integral garante plenamente o crédito tributário, suspendendo a cobrança fiscal [19], logo, sendo o contribuinte vencedor, levantará o valor depositado em juízo e, sendo vencido, será de responsabilidade da Fazenda Pública efetuar o levantamento do montante depositado, convertendo-o em renda. Oportuno realçar, nesse campo, que a suspensão acontecerá apenas se “ocorrer o depósito em sua totalidade e em dinheiro” [20].

Diante disso, com o depósito judicial integral do crédito tributário extingue-se a pretensão punitiva do Estado, pois a importância se destina à satisfação do resultado do processo judicial.

O Direito Penal Tributário gera intensos debates, notadamente quanto ao mau uso desse poderoso instrumento estatal para o atendimento de finalidades distintas da tutela de bens jurídicos. De todo modo, para atender a finalidade arrecadatória, o legislador brasileiro possibilita que o acusado por crime contra a ordem tributária formalize o pagamento dos valores devidos e extinga a punibilidade a qualquer tempo.

É nesse contexto que a compensação do crédito tributário, ao gerar a extinção do crédito tributário, possui relevante repercussão na seara penal, de modo que, uma vez reconhecida a compensação pelo fisco, a extinção da punibilidade estará, igualmente, caracterizada. Entre o pedido de compensação e a análise definitiva pelo fisco, mostra-se cabível a suspensão do procedimento persecutório penal, essa suspensão pode ser fundamentada no artigo 93 do Código de Processo Penal.

Finalmente, a fiança bancária, o seguro garantia e o depósito judicial integral do valor devido, por assegurarem o pagamento do tributo, devem repercutir imediatamente na esfera criminal, acarretando a extinção da punibilidade do agente.

 


[1] XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1977, p. 18-19

[2] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª. ed. Atual. Misabel Abreu Machardo Derzi. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999, p. 784

[3] Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (…) b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

[4] Realizado pela autoridade fiscal sem a participação do contribuinte, geralmente em casos de omissão, erro ou fraude por parte do sujeito passivo.

[5] O contribuinte fornece as informações necessárias à autoridade fiscal, que calcula e formaliza o crédito tributário com base nesses dados.

[6] O contribuinte apura e paga o tributo antecipadamente, e a autoridade fiscal posteriormente homologa esse pagamento. A homologação pode ser expressa ou tácita, ocorrendo esta última se não houver manifestação da autoridade dentro do prazo legal.

[7] De todo modo, ainda que a partir de uma visão equivocada, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que, em respeito à independência das instâncias: “as decisões civis ou administrativas, via de regra, não vinculam o exercício da jurisdição penal. Dessa forma, ainda que a Autoridade Fazendária tenha entendido pela inexistência do dolo específico de fraude ou simulação, essa decisão não impede a discussão na esfera penal sobre a existência do dolo para os fins penais.” (AgRg no REsp n. 1.368.252/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 10/4/2018, Dje de 25/4/2018)

[8] Segundo a doutrina, não é raro, na prática penal, a transposição de conceitos do direito tributário, “a resultar em acusações incapazes de expressar, ainda que minimamente, uma pretensão jurídico-penal legítima.” D´AVILA, Fabio Roberto; BACH, Marion. O ilícito-típico de sonegação: incompreensões sobre o ilícito penal em âmbito tributário. In: Direito e Liberdade: estudos em homenagem ao professor Doutor Nereu José Giacomolli (e-book). São Paulo: Almedina, 2022, p. 330-331.

[9] Embora admitindo a independência entre as instâncias para justificar que as conclusões do fisco não vinculam o Poder Judiciário, o Superior Tribunal de Justiça entende que “permanece a obrigação de o juízo penal fundamentar a contento a valoração da prova, explicando o porquê de, no mesmo conjunto de provas, alcançar conclusão diversa.” (AgRg no AREsp n. 2.454.137/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/8/2024, DJe de 13/8/2024).

[10] Revogada pela IN/SRF nº. 2.055/2021, que passou a reger as regras do PER/DCOMP. Art. 1º Esta Instrução Normativa regulamenta a restituição, a compensação, o ressarcimento e o reembolso, no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), no caso de: I – restituição e compensação de quantias recolhidas a título de tributo administrado pela RFB; II – restituição e compensação de outras receitas da União arrecadadas mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf) ou Guia da Previdência Social (GPS); III – ressarcimento e compensação de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra); e IV – reembolso de quotas de salário-família e de salário-maternidade.

[11] Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública. Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.

[12] Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (…) III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

[13] Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (…) II – a compensação

[14] Lei 9.430/96, art. 74, § 2: A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.

[15] Lei nº. 6.830/80. Art. 9º: Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá: (…) II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia;  

[16]https://www.genebraseguros.com.br/faq-items/o-que-e-carta-fianca/#:~:text=A%20carta%20de%20fian%C3%A7a%20%C3%A9,o%20afian%C3%A7ado%20e%20seu%20credor. Acesso em:10/01/2025.

[17] TANGERINO, Davi; OLIVE, Henrique. Crédito tributário e crime: efeitos penais da extinção e da suspensão da exigibilidade. São Paulo: InHouse, 2018, p. 65-66

[18] Sexta Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 19/12/2014. Em sentido similar, a Corte entendeu que “a fiança bancária apenas assegura o juízo da execução para que a parte possa avançar na discussão sobre o débito fiscal exigível. Não equivale a pagamento (hipótese de extinção da obrigação tributária) e não está prevista na lei penal como causa extintiva de punibilidade da sonegação fiscal. Assim, não é obstáculo às investigações nem causa de sua suspensão” AgRg no REsp n. 1.618.392/RJ, relator ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/5/2020, DJe de 4/6/2020.

[19] Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (…)  II – o depósito do seu montante integral;

[20]  Súmula 112, STJ. Igualmente, na doutrina, afirma-se que “uma vez efetuado o depósito, sua destinação está necessariamente vinculada ao resultado do processo. Se extinto o processo sem resolução do mérito, por qualquer fundamento, o depósito há de ser levantado pelo próprio contribuinte, uma vez que a decisão judicial não provocou nenhuma modificação na relação tributária de direito material. Por outro lado, se o processo foi extinto com resolução de mérito, há duas possibilidades: julgado procedente o pedido, o contribuinte tem direito ao levantamento da quantia depositada; se ocorrer a improcedência, o depósito deverá ser convertido em renda da Fazenda Pública” cf. HELENA COSTA, Regina. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 12 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 276-277.

Autores

  • é especialista em Direito Constitucional e Tributário, Empresarial e Recuperação de Empresas, Penal e Econômico, Contábil e Financeiro, Perícia, Avaliação e Arbitragem, Contabilidade Tributária, Contabilidade Forense e Investigação de Fraudes, contador, perito contábil judicial no TJ-PR, TJ-RS e JF-PR e parecerista.

  • é doutorando em Ciências Criminais (PUC-RS) e advogado criminalista.

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