Implicações da regulamentação do mercado de carbono na governança corporativa de empresas
20 de janeiro de 2025, 13h14
A referida legislação tem por objetivo a redução dos gases de efeito estufa (GEE), à medida em que possibilita a compensação das emissões de poluentes por meio da negociação de ativos financeiros valiosos relacionados à emissão, redução ou, ainda, remoção de gases de efeito estufa. A norma atende às diretrizes da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009) e aos compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), fomentando um novo leque de oportunidades para investimentos internacionais no país. Permite, ainda, que o Brasil se torne um destino atraente para investidores que buscam oportunidades em mercados sustentáveis, incentivando fluxos de capital para tecnologias verdes e projetos de mitigação climática.
O crédito de carbono representa o equivalente a uma tonelada de dióxido de carbono (CO₂) que deixou de ser emitido para a atmosfera. O mercado de crédito de carbono, portanto, aplica-se às atividades, às fontes e às instalações localizadas no território nacional que emitam ou possam emitir gases de efeito estufa, estabelecendo metas de GEE. De acordo com a nova legislação, o governo federal irá emitir autorizações denominadas Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs), descritas como “ativos fungíveis, transacionáveis, representativos da efetiva redução de emissões ou remoção de GEE de 1 tCO2 (uma tonelada de dióxido de carbono)”.
Esses ativos serão concedidos pelo órgão gestor do SBCE, podendo ser entregues de forma gratuita ou mediante pagamento, às instalações ou fontes reguladas. Assim, os operadores que excederem os limites de emissão de GEE estabelecidos deverão ajustar-se comprando CBEs ou Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões.
Em linhas gerais, as empresas que não cumprirem com as metas de GEE poderão adquirir as CBEs de empresas que não tiverem atingido o limite máximo de emissão previsto em lei, viabilizando o desenvolvimento de um mecanismo de compra e venda das CBEs, e operando como um estímulo financeiro para que as indústrias adotem práticas mais limpas e eficientes. O SBCE, portanto, funcionará com base no modelo cap and trade, isto é, o governo estipula um teto de emissões permitidas, sem distinção de setores econômicos (exceto produção primária e agronegócio), distribuindo ou leiloando as CBES para as empresas, que podem utilizá-las para compensar suas emissões ou, ainda, negociá-las no mercado.
Esse sistema se distingue do mercado voluntário, em que a participação é opcional. Dessa forma, com a regulamentação, o Brasil implementa um sistema obrigatório e fiscalizado, permitindo a aplicação de penalidades às empresas que não cumprirem as normas estabelecidas.
De acordo com o coordenador-geral de Finanças Sustentáveis da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Pedro Bastos Neves, “nem sempre todas as empresas conseguem reduzir ou remover as emissões de gases de efeito estufa conforme o desejado por elas ou determinado pelo governo. É neste caso que surge o mercado de carbono. Trata-se de uma troca. Quem reduz mais que a meta ganha dinheiro e quem precisa compensar, paga”.
O SBCE será implementado conforme as seguintes fases:
Fase I: período de 12 meses, prorrogável por mais 12 meses, para a edição da regulamentação desta lei, contado de sua entrada em vigor;
Fase II: período de 1 ano para operacionalização, pelos operadores, dos instrumentos para relato de emissões;
Fase III: período de 2 anos, no qual os operadores estarão sujeitos somente ao dever de submissão de plano de monitoramento e de apresentação de relato de emissões e remoções de GEE ao órgão gestor do SBCE;
Fase IV: vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação, com distribuição não onerosa de CBEs e implementação do mercado de ativos do SBCE; e
Fase V: implementação plena do SBCE, ao fim da vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação.
A nova legislação introduziu, ainda, regras significativas para o mercado voluntário de carbono, incluindo a possibilidade de integração com o sistema regulado. Isso significa que os créditos de carbono gerados no mercado voluntário poderão ser transferidos para o SBCE, desde que cumpram determinados critérios.
Implicações na governança de empresas
A regulamentação do mercado de carbono no Brasil não apenas incentiva práticas ambientais sustentáveis, mas também implica na revisão de práticas de governança corporativa, à medida que as empresas deverão revisar e atualizar suas práticas de governança e responsabilidade corporativa para integrar a gestão de carbono em suas operações.
Isso pode incluir, dentre outras estratégias, a revisão de estatutos sociais e acordos parassociais a fim de refletir compromissos de sustentabilidade; adoção de tecnologias de baixo carbono; criação de comitês específicos para monitorar e gerenciar as emissões de carbono; introdução de políticas internas no tocante à redução de emissões, alinhadas com as metas regulatórias; aumento da transparência das operações empresariais por meio da emissão de relatórios detalhados, periódicos e precisos acerca das emissões de carbono e iniciativas de sustentabilidade, reforçando o aumento da confiança do mercado na empresa, melhorando sua reputação e potencialmente seu valor de mercado; realização de auditorias e revisões externas em relatórios de temáticas ambientais etc.
Nas companhias abertas, por exemplo, o Formulário de Referência, previsto no artigo 22, inciso II, da Resolução CVM nº 80/22, reúne todas as informações relevantes referentes à companhia, que possam representar eventuais riscos ao negócio, tais como dados financeiros, estrutura do capital, administração, fatores de risco, operações com partes relacionadas e, inclusive, informações ambientais.
Neste sentido, a divulgação transparente de informações viabiliza que os stakeholders tomem decisões informadas com relação à alocação de seus recursos, prevenindo fraudes e interpretações equivocadas quanto aos riscos envolvidos no investimento. Nesta perspectiva, a Lei nº 15.042/2024 reforça a necessidade de inclusão da gestão de carbono como um componente essencial no gerenciamento de riscos que as companhias devem apresentar em seus formulários de referência, fortalecendo o compromisso com a transparência e a responsabilidade ambiental.
No âmbito empresarial, a transparência, portanto, se consolida como um princípio fundamental das práticas de governança corporativa, conforme preconiza o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, à medida que disponibiliza “para as partes interessadas, informações verdadeiras, tempestivas, coerentes, claras e relevantes, sejam elas positivas ou negativas, e não apenas aquelas exigidas por leis ou regulamentos. A promoção da transparência favorece o desenvolvimento dos negócios e estimula um ambiente de confiança para o relacionamento de todas as partes interessadas”.
A responsabilidade ambiental, portanto, emerge como um componente crucial da governança corporativa moderna, tendo em vista que as empresas são cada vez mais cobradas a operar de maneira sustentável, minimizando seu impacto sobre o meio ambiente.
Dentro deste contexto, a regulamentação do mercado de carbono inaugurada pela Lei nº 15.042/2024, não consiste apenas em uma prerrogativa legal, mas sim de ética e responsabilidade corporativa, na medida em que exige que as empresas revisem e adequem suas práticas de governança. Aspectos como transparência, gestão de riscos, inovação e integração de mercados devem estar em sintonia não apenas para assegurar a conformidade com a legislação, mas também para capitalizar as oportunidades oferecidas por um mercado de carbono em expansão. A adoção dessas medidas não só atende às exigências crescentes da sociedade por sustentabilidade, mas também posiciona as empresas em uma posição vantajosa e de destaque em um mundo que valoriza, cada vez mais, o equilíbrio entre objetivos econômicos, sociais e ambientais na gestão dos negócios.
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