Estabilização processual e a possibilidade de alteração do polo passivo após o saneamento do processo
20 de janeiro de 2025, 9h13
Neste ensaio, pretendemos falar sobre estabilização processual, nos aspectos objetivo e subjetivo (pedido/causa de pedir e partes), abordando julgado de agosto de 2024, oriundo do Superior Tribunal de Justiça.
Vale partir de uma premissa: diante de uma demanda proposta, esta detém um objeto de análise, com a jurisdição pleiteada com um objetivo específico no plano material e, consequentemente, a definição pelo autor pelas partes do processo, indicando o outro lado, o passivo.
O autor, obviamente, é influenciante do tamanho da jurisdição iniciada, justamente por ser aquele realizou o pleito jurisdicional, via petição inicial e pela definição dos sujeitos do processo.
A petição inicial, por ser a referência do autor sobre a causa de pedir e o seu pedido, é a base propulsora dessa definição, somente sendo complementada por atitudes posteriores do réu, caso realize algumas condutas.
Se o pedido é o ponto limítrofe para a jurisdição, o pedido é início definidor dos limites do objeto do processo, tanto em suas questões processuais quanto em suas questões de mérito, com o desencadeamento de qual será a quantidade de resposta a ser dada pelo julgador em sua decisão, o que se denomina objeto litigioso do processo.
No entanto, é possível que haja uma alteração no objeto litigioso do processo durante o transcurso procedimental em algumas hipóteses: a ampliação ou redução pelo autor no aditamento da petição inicial antes da citação; a ampliação pelo réu com reconvenção ou pedido contraposto; redução ou divisão do objeto do processo pela decisão parcial.
O autor propõe o objeto do processo na petição inicial, porém não detém o total controle sobre o tamanho deste, uma vez que outros atores podem interferir neste ponto, seja o réu aumentando, seja o juízo decidindo e diminuindo o objeto do processo.
Ampliar ou reduzir o objeto litigioso
Na primeira hipótese, o autor pode tomar diversas medidas para ampliar ou reduzir o objeto litigioso do processo depois de protocolada a petição inicial, tais como: o aditamento da petição inicial e a possibilidade de ampliação do objeto litigioso do processo pelo autor; o aditamento da inicial e a possibilidade de redução do objeto litigioso do processo pelo autor; a possibilidade de alteração do pedido e modificação do objeto litigioso do processo.
O autor pode aditar a petição inicial, modificando-a posteriormente, com base no artigo 329 do CPC.
Na segunda hipótese, o réu pode ampliar o objeto litigioso do processo, dentro da contestação, com atitudes que farão com a demanda seja aumentada, tornando o processo complexo objetivamente.
As duas formas do réu aumentar o objeto litigioso do processo são: reconvenção; pedido contraposto.
Na terceira hipótese, se há um processo com objeto litigioso complexo, é possível, com base nos artigos 354, parágrafo único e 356 do CPC, a prolação de uma decisão parcial, seja sem resolução do mérito, seja com resolução do mérito.
Nessa hipótese, o juízo pode entender que há situações jurídicas que permitem a extinção do processo com resolução do mérito (artigo 354 e 487, II e III do CPC), e o julgamento antecipado do mérito (artigo 487, do CPC), eis que, neste último caso, o objeto litigioso está pronto para julgamento, nas situações descritas nos incisos do artigo 355 do CPC.
Desse modo, há a possibilidade de fracionamento decisório e a prolação de uma decisão sobre a jurisdição de somente parcela do processo, mesmo que seja pela extinção parcial ou pelo julgamento parcial do mérito. O restante do processo que não foi decidido parcialmente continua com o que sobrou do seu objeto, com uma clara redução do tamanho do que se discute em termos jurisdicionais.
Limite para alteração no objeto do processo
Mas, há um limite para alterações no objeto do processo? O momento de estabilidade do objeto do processo é justamente o saneamento e organização do processo, momento que é prazo máximo processual para aditamentos da petição inicial ou reconvenção no tocante ao pedido e para a definição do objeto litigioso do processo e seus limites[1].
Até este momento, as partes podem aumentar o objeto litigioso do processo. A partir da decisão proferida, não podem mais, justamente pela eficácia preclusiva. Ou até reduzir o objeto litigioso do processo, com a desistência de algum pedido constante na petição inicial — pelo autor — ou na reconvenção — pelo réu.
Se a decisão de saneamento e organização do processo foi proferida, nos moldes do artigo 357 do CPC, e não pleiteada a devida revisão, tampouco for impugnada via recurso, ocorrerá a estabilização da mesma, uma vez que vincula o seu conteúdo para as próximas fases.
É uma estabilidade dos limites do objeto litigioso do processo, sem poder ser reduzido, alterado ou aditado em momento posterior ao saneamento e organização do processo.
Este é o ponto sobre a estabilidade do objeto do processo, porém uma indagação correlacional pode ser realizada: depois da estabilidade do processo pelo saneamento e organização (artigo 357, do CPC), pode haver alteração dos polos da relação processual?
Problema em Mato Grosso do Sul
Esse foi problema enfrentado recentemente no julgamento REsp 2.128.955[2] pela 3ª Turma do STJ, quando em uma ação judicial em Mato Grosso do Sul tinha partes definidas no processo, e este já com prolação de saneamento e organização do processo. Contudo, o autor pleiteou a inclusão de duas empresas no polo passivo.
O argumento para um requerimento de inclusão tardia foi que as empresas, em momento posterior, alegaram ser as verdadeiras proprietárias e, assim, justificaria a inserção no polo passivo do processo.
O TJ-MS decidiu que a medida não seria possível pelo requerimento ter sido realizado em momento posterior ao saneamento e organização do processo, com a estabilização do processo indicando que o correto seria o prosseguimento daquela ação com o polo correto e uma nova ação contra as partes indicadas para o polo passivo tardiamente.
O argumento do TJ-MS se baseou na estabilidade do processo, como explicado o modus operandi de sua ocorrência. No entanto, o STJ entendeu de maneira diversa, com a discussão sobre o artigo 329, II do CPC e o entendimento de que a estabilidade do processo incide sobre o tamanho da jurisdição existente entre o autor e o réu, sobre o objeto do processo, definido pela relação entre causa de pedir e pedido.
O entendimento foi que o caso em questão — de alteração tardia do polo passivo — não impacta a estabilidade do processo por não tratar do objeto do processo em si, mas dos sujeitos processuais, os quais não seriam impactados pela estabilidade.
Nessa visão, a estabilidade está entre o que se discute como objeto entre as partes, com pré-definições, preclusões e impossibilidade de alteração, mas não alcançam a alteração das próprias partes e somente destas[3].
A questão discutida no referido julgado enfrentou um ponto de pouco destaque na prática, uma vez que a doutrina e o próprio ordenamento processual se preocupou (e se preocupa) somente em limitar a alteração do objeto do processo, sem vedação sobre a alteração dos sujeitos do processo e, de certa maneira, até os artigos 338 e 339[4], ambos do CPC, permitem a correção do polo passivo pelo autor, depois da contestação.
Dessa maneira, a estabilização do processo será somente para o objeto do processo, inclusive com a busca pela primazia[5] ao mérito como autorização para essa correção do polo, sem ofensa ao artigo 329 do CPC.
[1] “Da citação até o saneamento, a alteração é permitida, desde que haja consentimento do réu (bilateral). Após o saneamento, não é mais possível nenhuma alteração (preclusão) (inciso II).” TALAMINI, Eduardo. Comentário ao art. 329. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 516.
[2] “4. A alteração do polo passivo quando mantido o pedido e a causa de pedir não viola o art. 329 do CPC. Pelo contrário, além de homenagear os princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, essa possibilidade cumpre com o dever de utilizar a técnica processual não como um fim em si mesmo, mas como um instrumento para a célere composição do litígio.5. Determinar o ajuizamento de nova demanda apenas para que seja alterado o polo passivo traria mais prejuízos às partes, pois haveria um inefetivo adiamento do julgamento de mérito. (…).7. Há de ser oportunizada à parte autora a alteração do polo passivo mesmo após o saneamento do processo, desde que não haja alteração do pedido ou da causa de pedir.8. Dispensada a autorização do réu para alteração do polo passivo quando mantidos o pedido ou a casa de pedir, pois não se trata da hipótese prevista no art. 329 do Código de Processo Civil.9. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – REsp 2128955, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, DJe 15/08/2024).
[3] 6. As causas em que o pedido ou a causa de pedir são iguais deverão ser julgadas conjuntamente, pois são conexas. Portanto, não há razão para impedir o aditamento que altera apenas a composição subjetiva da lide. (…) STJ – REsp 2128955, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, DJe 15/08/2024).
[4] “A regra, que confere um direito processual de alteração do pato passivo da demanda, é muito boa e simplificadora. Trata-se de uma modalidade nova de intervenção de terceiro, que tem por consequência a sucessão processual, que não depende da concordância do réu: ao alegar a ilegitimidade, o réu deve saber que poderá ser substituído, a critério do autor.” DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de processo civil. Vol. 2. 10a. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 658.
[5] (Pelo contrário, além de homenagear os princípios da economia processual e da primazia do julgamento de mérito, essa possibilidade cumpre com o dever de utilizar a técnica processual não como um fim em si mesmo, mas como um instrumento para a célere composição do litígio (…) STJ – REsp 2128955, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, DJe 15/08/2024).
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