Opinião

E se a sustentação oral for proibida no Direito brasileiro?

Autores

  • é advogado doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com pesquisa pós-doutoral pela Universidad Complutense de Madrid na Espanha professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) pesquisador do Grupo de Pesquisa Processo Civil Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos (CNPq/UnB) e membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC).

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  • é doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) (com ênfase em Direito Processual Civil) pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito pesquisador do Grupo de Pesquisa CNPq/UnB Processo Civil Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC) integrante e orador da primeira equipe da UnB na 1ª Competição Brasileira de Processo (CBP) e advogado.

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  • é mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) com ênfase em Direito Processual Civil e Constitucional e membro do Grupo de Pesquisa de Processo Civil Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos (GEPC-UnB).

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20 de janeiro de 2025, 11h16

Imaginem o seguinte: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece que não haverá mais sustentação oral no Brasil. Isso seria facilmente aceito? Sinceramente, queremos acreditar que não. Diante da chapada inconstitucionalidade, essa medida seria revertida.

Mas, agora, pensem o seguinte: ao invés de estabelecer que a sustentação oral é proibida, o CNJ afirma que ela poderá ser realizada, mas numa sala específica, individual, e somente um assessor poderá entrar nessa sala, caso queira. Destacamos: o assessor não será obrigado a entrar e não haveria grandes incentivos para ele frequentar a sala todas as vezes. Ademais, caso entre, o advogado que está sustentando não terá como saber da sua presença.

Seria permitido? Também pensamos que não. Seria um completo desperdício de tempo e recursos. Caso fosse estabelecida tal possibilidade, haveria uma revolta de toda a comunidade jurídica.

Pois bem. Agora vamos a um exemplo concreto, da realidade, que o CNJ está inserindo na nossa prática jurídica, em substituição ao legislador

O CNJ estabeleceu, por meio da Resolução nº 591/2024 (artigo 9º [1]), a difusão da figura da sustentação oral gravada em detrimento da presencial ou ao vivo. Somente por escolha do relator é que essa sustentação poderá ser feita de outra forma. Então, o advogado terá que gravar a sustentação, enviar ao sistema e esperar que alguém abra para assistir, e ele sequer saberá se ela foi aberta (ao menos pelos modelos atualmente existentes).

Ora, não seria uma situação muito parecida com a última descrita logo acima neste texto?

E, ao final das contas, todas as situações aqui listadas não seriam praticamente uma abolição da sustentação oral no Direito Processual Civil brasileiro?

Spacca

Uma simples gravação

Com todas as venias possíveis, é como se tivessem invertido aquela clássica citação de Shakespeare em Romeu e Julieta sobre dar outro nome à rosa — Uma rosa com qualquer outro nome teria o mesmo cheiro. Ao invés da palavra rosa, podemos usar a palavra gravação. Uma gravação não deixa de ser uma gravação se a ela dermos outro nome. Por mais que a chamemos de sustentação oral, ela não será uma, nem de perto, visto que são coisas absolutamente diferentes.

Ademais, que não se diga que a sustentação oral digital (síncrona) seria a mesma coisa da “gravada” (assíncrona). Há um fato fundamental que na gravação não é garantido: o julgador, aquele que assina a decisão, estará vendo em outra tela, o que permite que o advogado, ao menos uma vez, tenha esse sagrado momento para buscar fazer com que o Judiciário escute as agruras decorrente da injustiça alegada por seu cliente.

Além disso, ao sustentar oralmente de forma síncrona, o advogado, sempre no seu mister de representar a parte em juízo,  observa, evidentemente, as reações dos julgadores – elas poderão até mesmo guiar quais fundamentos serão por ele apresentados ou, até mesmo, modificados naquele momento. É parte da relação humana que se espera daquele que julgará. Infelizmente, trata-se de mais um elemento que se perde com as “sustentações orais gravadas”, que supostamente serão assistidas posteriormente.

O próprio STF, pelo menos por um de seus ministros, reconhece(u), o que, aliás, todos já sabiam: que a sustentação oral gravada e disponibilizada no Plenário Virtual não é assistida pelo julgador. A respeito, basta conferir o vídeo de julgamento disponibilizado aqui.

Portanto, precisamos pensar se a Resolução 591/2024 realmente não se configura como uma abolição à sustentação oral no Brasil. Sustentação oral gravada, ou, melhor dizendo, uma simples gravação, não pode se confundir com  a verdadeira sustentação. Nós sabemos das dificuldades do Judiciário e do cuidado que o CNJ tem. Entretanto, apesar de boa intenção, nem sempre se acerta, e desta vez, ao que parece, a resolução em comento se afigura um erro que não deve ser mantido. O direito à jurisdição e os princípios da publicidade, da participação e da colaboração agradecem.

 


[1] Resolução CNJ 591 de 2024. Art. 9º Nas hipóteses de cabimento de sustentação oral, fica facultado aos advogados e demais habilitados nos autos encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 (quarenta e oito) horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual ou prazo inferior que venha a ser definido em ato da Presidência do Tribunal.

Autores

  • é doutor em Direito pela UFPR, professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado), pós-doutor pela Universidad Complutense de Madrid, membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto do Código de Processo Civil e da Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto Lei do Processo Estrutural, pesquisador do Grupo de Pesquisa Processo Civil, Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos - CNPq/UnB, integrante da Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto Lei do Processo Estrutural e advogado.

  • é doutorando, mestre e bacharel em Direito pela UnB, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito, pesquisador do Grupo de Pesquisa Processo Civil, Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos (CNPq/UnB) e advogado.

  • é mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), com ênfase em Direito Processual Civil e Constitucional, e membro do Grupo de Pesquisa de Processo Civil, Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos (GEPC-UnB).

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