Decisão do STF amplia segurança jurídica para alienações fiduciárias de imóveis
20 de janeiro de 2025, 7h17
Em julgamento recente (13 de dezembro de 2024), o Supremo Tribunal Federal, por decisão do ministro Gilmar Mendes (com 59 laudas), reconheceu a possibilidade de formalização de alienações fiduciárias de imóveis também por meio de instrumento particular com efeitos de escritura pública (para além da possibilidade de formalização por escritura pública).
A medida tem impacto significativo no mercado imobiliário e financeiro, ao reforçar a validade dessa importante modalidade de garantia, simplificando as operações e fomentando o acesso ao crédito.
A alienação fiduciária, regulamentada pela Lei nº 9.514/97, é amplamente utilizada em operações de crédito e consiste na transferência da propriedade do imóvel ao credor como garantia, mantendo o devedor na posse direta do bem. Com o pagamento integral da dívida, o devedor retoma a propriedade plena. Tudo isso a fim de assegurar a satisfação de um direito de crédito.
A decisão do STF, proferida nos autos do Mandado de Segurança 39.930 Distrito Federal, responde diretamente às restrições impostas pelos Provimentos Normativos 172 e 175 de 2024, editados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que limitaram o alcance do artigo 38 [1] da Lei nº 9.514/97.
Referidas normas passaram a exigir escritura pública para contratos de alienação fiduciária firmados por não integrantes do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), Sistema Financeiro de Habitação (SFH), Consórcios e Cooperativas de Créditos.
Na ocasião em que editadas, tais normas surpreenderam o mercado imobiliário, considerando que quase a totalidade dos estados da federação admitia que tais operações fossem firmadas por instrumento particular, em adequada interpretação ao artigo 38, da lei 9.514/97.
Ao julgar o mandado de segurança [2] apresentado por uma incorporadora, o ministro Gilmar Mendes enfatizou que as limitações estabelecidas pelo CNJ extrapolavam os limites da legislação, contrariando a finalidade normativa de fomentar a ampliação do crédito no mercado, com custos reduzidos e maior eficiência econômica.
Segundo o relator, em contrariedade às normas do CNJ, “não cabe ao oficial do Cartório de Registro de Imóveis, no exercício e nos limites de sua importante função, negar registro a contratos atípicos com pacto adjeto de alienação fiduciária firmados por particulares, quando a avença apresentar todos os requisitos previstos em lei para a sua validade”.
O ministro ainda enfatizou que:
- A alienação fiduciária de imóveis pode ser utilizada como garantia em contratos alheios ao mercado imobiliário ou às operações realizadas no âmbito do SFI e do SFH, conforme previsto no artigo 51 [3] da Lei nº 10.931/2004 e artigo 22 [4], § 1º, da Lei nº 9.514/97;
- A atuação dos Registros de Imóveis deve se pautar pelo princípio da legalidade, sem impor requisitos que ultrapassem os limites legais;
- As restrições normativas impostas pelo CNJ contrariam a legislação vigente, gera custos de transação excessivos e compromete o desenvolvimento econômico, o mercado de crédito e as operações de incorporação imobiliária.
Para além de outros trechos de grande relevância, a decisão destacou a responsabilidade do Poder Judiciário na interpretação de legislações voltadas a políticas públicas econômicas, ressaltando os riscos de interpretações que afetem negativamente o índice de recuperação de crédito no Brasil, o grau de investimento e a composição das taxas de juros.
Por fim, o STF determinou ao CNJ a comunicação imediata da decisão às Corregedorias dos Tribunais de Justiça “para garantir ao impetrante a possibilidade de formalização, por instrumento particular com efeitos de escritura pública, de alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis e de atos conexos, em todas as suas operações, nos termos autorizados pela Lei 9.514/97.”.
Muito embora a decisão tenha sido dada numa ação individual, pode servir de base para interpretações futuras sobre o tema.
Esse entendimento fixado pelo STF, em seu papel de guardião da Constituição, representa avanço significativo na desburocratização e na modernização do sistema de garantias imobiliárias no Brasil e reforça a importância do instrumento particular como título para a transmissão de propriedade com pacto de alienação fiduciária.
[1] Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública. (Redação dada pela Lei nº 11.076, de 2004).
[2] Mandado de Segurança nº 39.930 do Distrito Federal. Disponível em: downloadPeca.asp.
[3] Art. 51. Sem prejuízo das disposições do Código Civil, as obrigações em geral também poderão ser garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel.
[4] Art. 22. § 1o A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena: I – bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007); II – o direito de uso especial para fins de moradia (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007); III – o direito real de uso, desde que suscetível de alienação (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007); IV – a propriedade superficiária (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007); V – os direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidades delegadas, e a respectiva cessão e promessa de cessão (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023); VI – os bens que, não constituindo partes integrantes do imóvel, destinam-se, de modo duradouro, ao uso ou ao serviço deste (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023).
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