Seguro de RC-V: reflexões sobre a Resolução CNSP 478/2024
19 de janeiro de 2025, 15h14
A Resolução 478 do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), publicada em 27 de dezembro de 2024, tem por desiderato estabelecer as diretrizes regulamentares para dar concretude ao RC-V, o seguro de responsabilidade civil de veículo.
Incluído no inciso III, do artigo 13, da Lei 11.442/2007, em razão das alterações promovidas pela Lei 14.599/2023, todo o transportador rodoviário de cargas, devidamente registrado na Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), deve contratar o referido seguro com cobertura indenizatória para danos materiais e corporais causados pelo veículo transportador da carga a terceiros.
O seguro de responsabilidade civil de veículo, incluído pela Lei 14.599/2023, tem inspiração no seguro de RCF-V (responsabilidade civil facultativa de veículos) da classificação “grupo 5 Automóvel”. Nesse sentido, primeiro o transportador rodoviário deveria contratar o seguro do caminhão, que visa a proteger o patrimônio, para, então, agregar o RCF-V, cujo objetivo é proteger terceiros em face de eventual responsabilidade civil daquele.
A tríade de seguros obrigatórios do transporte rodoviário de cargas
Com a nova lei, portanto, tem-se posto um novo seguro autônomo. Nesse sentido, o seguro de Seguro de RC-V passou a integrar a tríade dos seguros obrigatórios ao encargo do transportador rodoviário de cargas.
Isso porque, segundo se extrai do artigo 13, incisos I e II, da Lei 11.442/2007, também são de contratação obrigatória o RCTR-C, que é o Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas, com cobertura para perdas e danos sobrevindos à carga por eventos ligados, no geral, a acidentes de trânsito; e do RC-DC, que se trata do Seguro de Responsabilidade Civil por Desaparecimento de Carga, para suportar perdas e danos em razão de roubo, furto, apropriação indébita, extorsão, entre outros eventos descritos na lei.
Importante destacar que o seguro de RCTR-C, previsto desde 1966 pelo Decreto 73 e regulamentado pelo Decreto 61.867/1967, artigo 10, não é nenhuma novidade, sendo amplamente difundido; assim como o seguro de RC-DC, porquanto autorizado ao mercado segurador desde 1985 pela Resolução CNSP 27, tendo em vista os alarmantes índices de roubos de cargas no Brasil, é largamente contratado.
Mesmo assim, a Lei 14.599/2023 alterou profundamente a sistemática de ambos os seguros, ao passo que incluiu o seguro de RC-V.
Essa tríade de seguros, portanto, compõem atualmente a base dos seguros obrigatórios do transportador rodoviário de cargas, cobrindo inúmeros riscos inerentes à atividade de transportar, que podem gerar prejuízos ao proprietário da carga e a terceiros indistintamente considerados, além de garantir a viabilidade e perenidade da própria atividade.
Não se duvida do caráter público eminentemente relevante da atividade de transportar, porquanto atende e supre as mais variadas ordens de necessidades individuais, sociais, institucionais, nutrindo a cadeia logística dos demais setores da economia, assim como não se questiona a função social dos seguros exigidos do transportador rodoviário, cuja atividade eminentemente lucrativa enfrenta riscos de variadas naturezas, magnitude e severidade.
Cite-se, inclusive, a respeito da temática, o artigo 125 da Lei 15.040/2024, a nova Lei de Seguros, que dispõe que “as garantias dos seguros obrigatórios terão conteúdo e valores mínimos, de modo a permitir o cumprimento da sua função social”, reconhecendo, portanto, a função social dos seguros obrigatórios.
Desta forma, diante do novo contexto e profundas alterações trazidas pela Lei 14.599/2023, a Susep promoveu uma série de debates junto a seguradoras, corretores de seguros, transportadores, embarcadores (proprietários das cargas), diversas entidades associativas e demais interessados sobre as alterações. E após consultas e audiência pública, editou a Resolução 472/2024 de 25 de setembro de 2024, regulamentando os seguros de RCTR-C e RC-DC[1].
O seguro de responsabilidade civil de veículo, o RC-V, por sua vez, demandou um estudo mais aprofundado, tanto que implicará a inauguração de um novo ramo próprio de seguro, que será oportunamente divulgado pela Susep, conforme menciona o artigo 9º, da recente Resolução 478, objeto desse breve artigo.
Cobertura do RC-V: principais aspectos
A referida Resolução 478/2024, portanto, regula o novo seguro de responsabilidade civil de veículo e institui em seu artigo 4º que ele garantirá, até o LMG (limite máximo de garantia) previsto na apólice, o interesse do segurado transportador visando à indenização por perdas e danos corporais e materiais causados a terceiros, fixada em sentença judicial, decisão arbitral ou acordo com o terceiro, devidamente anuído pela seguradora.
Não se desconhece as razões que levaram o legislador a estabelecer o novo seguro. Segundo dados recentes divulgados pela Polícia Rodoviária Federal [2], sinistros envolvendo caminhões de carga registraram um crescimento em 2024 de quase 6% quando comparado a 2023. Na maior parte das vezes, tem-se como consequências perdas materiais significativas, lesões à integridade física e morte.
Ademais, não se pode negar que o seguro de RC-V ganha uma relevância ainda maior, no contexto do transporte rodoviário de cargas, tendo em vista a recente revogação do seguro SPVAT (seguro obrigatório para proteção de vítimas de acidentes de trânsito) pela Lei Complementar 211/2024.
Nesse sentido, os danos materiais e corporais vinculados ao RC-V serão aqueles que forem decorrentes de sinistros causados pelo veículo especificado na apólice ou no certificado individual; ou, ainda, pela carga, objeto do transporte do veículo, enquanto transportada, a se ver dos incisos I e II do citado artigo 4º, da Resolução.
Nessa ambiência, três informações importantes complementam a disposição acima.
A primeira, é possível ao transportador contratar o seguro de RC-V de maneira globalizada, isto é, que inclua toda a frota de veículos por si utilizados para o transporte rodoviário de cargas, conforme detalha o artigo 5º, da Resolução.
A segunda, conforme prevê o artigo 3º, parágrafo único, a resolução autoriza a contratação do seguro de RC-V de forma coletiva. Isto é, permite uma apólice coletiva para beneficiar mais de um TAC [3] (transportador autônomo de cargas) quando subcontratado pelo transportador, a partir do que se extrairá o “certificado individual” mencionado na segunda parte do inciso I, do artigo 4º, acima citado.
A terceira, haverá manutenção da cobertura indenizatória mesmo quando o veículo não estiver realizando atividade de transporte, como se lê do parágrafo 5º, do artigo 4º. Isso corresponde à exata função para qual o seguro foi instituído: proteger terceiros de danos causados pelo veículo de cargas, ainda que vazio esteja, por exemplo.
Afinal, no transporte rodoviário de cargas é comum o tráfego de veículos vazios, que são aqueles em retorno à origem após entregar a carga no destino, popularmente conhecidos como “bate lata”. Por isso, acertadíssima a resolução que mantém a cobertura também nessa situação.
De igual forma, a cobertura igualmente estará preservada quando houver interrupções de variadas ordens, a incluir fenômenos da natureza, ou por “solução de continuidade” de viagem, o que inclui, portanto, o percurso fluvial complementar ao rodoviário, conforme se infere do inciso II do parágrafo 5º, do artigo 4º, da resolução.
Essa é uma disposição importante, pois dispensa a contratação de cobertura adicional para viagens fluviais quando complementares à rodoviária, como amplamente praticado no seguro de RCTR-C, ao tempo que atende questões relacionadas às mudanças climáticas, cujas consequências deletérias são cada vez mais frequentes. Nota-se, novamente, o apego da resolução ao maior desiderato do seguro de RC-V: a proteção dos terceiros atingidos.
Observe-se, ainda, que o seguro de RC-V, ainda que antecedente, atende à nova disposição do já citado artigo 125, da Lei 15.040/2024, eis que estabelece piso mínimo de contratação para as coberturas indenizatórias.
Nesse sentido, a resolução replica o estabelecido pela Lei 14.599/2023 e estabelece em seu artigo 6º, que devem ser contratados, no mínimo, 35.000 DES (direitos especiais de saque) para cobertura por danos corporais e 20.000 DES para danos materiais.
O parágrafo 2º, do mesmo artigo, contudo, acrescenta que a conversão dos DES para reais (moeda corrente nacional), até para obedecer aos ditames do Código Civil a se ver dos seus artigos 315 e 318, deve observar a cotação divulgada pelo Banco Central[4] vigente da data da contratação do seguro.
Outro destaque que se deve fazer acerca da Resolução 478/2024 refere-se ao disposto pelo parágrafo 6º, do artigo 4º, que veda o estabelecimento de franquia ou de participação obrigatória do segurado nas coberturas básicas fixadas pela norma, embora autorize a cobrança quando haja contratação de coberturas adicionais.
Adequações do mercado segurador
Por fim, estabelece o artigo 10, que os planos de seguros já ofertados pelo mercado segurador deverão ser adaptados à resolução até 180 dias da entrada em vigor, que ocorreu em 27 de dezembro de 2024, sob pena de aplicação das penalidades cabíveis, sem prejuízo das adequações futuras que se fizerem necessárias para conferir conformidade com o novo ramo de seguro que será ainda divulgado pela Susep.
[1] Acerca dessa Resolução 472/2024, que alberga os seguros dos demais modais de transportes, tivemos a oportunidade de comentar sobre os seguros de RCTR-C e RC-DC, que pode ser consultado aqui.
[2] Disponível em: https://www.gov.br/prf/pt-br/noticias/nacionais/descanso-legal-i-prf-reforca-fiscalizacao-de-veiculos-que-transportam-cargas. Acesso em 14 jan.2025.
[3] A Resolução 478/2024, em seu artigo 3º, parágrafo 2º, esclarece que os TACs deverão manter seguro de RC-V mesmo que atuarem diretamente, ou seja, realizarem a atividade de transporte por regime de contratação direta e não por subcontratação, o que reforça que este é um seguro obrigatório a todos os prestadores do serviço de transporte de cargas no país.
[4] Segundo explica o Banco Central, o DES (Direito Especial de Saque) é um ativo financeiro de reserva emitido pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), cujo valor se apura a partir de uma cesta de moedas que inclui o dólar americano, o euro, a libra esterlina e o iene japonês. Na data de elaboração desse artigo, 1 DES equivale a R$ 7,8920.
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