Prova nova no recurso penal
19 de janeiro de 2025, 6h30
A produção de provas no âmbito do processo penal é um tema central para a busca da verdade e para a garantia de um julgamento justo. As provas são instrumentos fundamentais para a formação do convencimento do juízo, permitindo que a decisão judicial seja baseada em elementos concretos e verificáveis.
A ideia de busca da verdade orienta que todas as provas relevantes sejam devidamente analisadas, garantindo que o processo penal cumpra sua função de assegurar a justiça e proteger os direitos das partes.
No contexto do processo penal brasileiro, a presunção de inocência do acusado estabelece que a prova deve ser robusta o suficiente para afastar qualquer dúvida razoável. A condenação penal deve estar lastreada em provas obtidas de forma lícita e submetidas ao contraditório. Assim, a relevância da prova reside não apenas na garantia de um julgamento justo, mas também na prevenção do arbítrio do poder punitivo estatal [1].
O Código de Processo Penal brasileiro estabelece que a produção de provas deve, em regra, ocorrer durante a fase de instrução, sob a supervisão do juízo de primeira instância. Essa previsão busca assegurar que todas as partes tenham a oportunidade de participar ativamente do processo probatório, respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa [2].
Produção da prova
Contudo, o que acontece se a produção da prova é oportunizada posteriormente à fase instrutória, por exemplo, na fase recursal? A prova pode ser recepcionada e valorada?
Embora a regra geral seja a preclusão da fase instrutória após a sentença, há situações excepcionais em que a produção de novas provas deve ser admitida.
Por exemplo, a amplitude do debate proporcionado pelo manejo do recurso de apelação, conferido pelo efeito devolutivo característico de tal recurso, possibilita que novas provas sejam recepcionadas e incluídas no julgamento em segundo grau.
Nesse sentido, o artigo 616 do CPP estabelece que, no julgamento das apelações, o tribunal, câmara ou turma pode proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências. Em complemento, o artigo 231 do CPP prevê que as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo, inclusive na fase recursal.
Essa admissão excepcional se justifica em situações em que novas evidências surjam após o julgamento em primeira instância, como documentações ou testemunhos que não estavam acessíveis à época.
Nesses casos, o direito à ampla defesa deve prevalecer sobre as regras de preclusão, desde que a prova seja relevante, seja submetida ao contraditório e não decorra de negligência da parte.
Recursos penais
Mas, em sede de outros recursos penais, tais como recurso especial e recurso extraordinário, a admissão da prova nova também pode ser aceita?
Entendo que sim. A culpa penal somente se forma definitivamente com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que ocorre somente no instante em que a sentença ou acórdão torna-se imutável [3]. Enquanto os recursos excepcionais estiverem em processamento, não há culpa penal formada e não é possível executar antecipadamente a pena.
Logo, sem desconsiderar o estreito limite da matéria tratada pelos tribunais superiores, a prova nova de conteúdo inquestionável, com força para modificar instantaneamente a compreensão dos fatos, deve ser alçada à categoria de elemento de interesse público, enquanto não alcançado o trânsito em julgado penal. Assim, é obrigatória sua recepção e valoração, inclusive de ofício pelos julgadores.
Vale pontuar que o desprezo pela prova nova, postergando sua utilização para depois do trânsito em julgado, em eventual ajuizamento de revisão criminal, poderia culminar na consolidação consciente de um julgamento injusto.
Não parece adequado esperar a plena formação da culpa criminal e iniciar a execução da pena, promovendo-se a indevida privação de liberdade do indivíduo, quando uma prova superveniente de inocência já está disponível desde o processamento dos recursos.
Trânsito em julgado
Com esse raciocínio, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça se pronunciou, por maioria de votos, no sentido de não ser “possível se exigir que a defesa aguarde o trânsito em julgado, para só então submeter ao conhecimento da Corte local tão relevante matéria, consistente na existência de prova nova, que, segundo a defesa, revela que a condenação se embasou em ‘depoimento comprovadamente falso’, o qual, após ser renovado, confirmaria a alegada tese de legítima defesa” [4].
Sob esse contexto, tem-se que a admissão de provas novas nos recursos penais é excepcionalmente possível e deve considerar as seguintes premissas:
- o recurso é, em essência, uma garantia destinada à proteção do acusado, assegurados os direitos fundamentais e permitido o questionamento de decisões que fragilizem a presunção de inocência;
- o processo penal, em toda sua duração, busca a garantia contra arbitrariedades do Estado e a aproximação da verdade fática, sendo através da prova que o acusado pode demonstrar sua versão dos fatos. Impedir a atuação probatória em qualquer momento do processo significa cercear o direito de defesa, principalmente quando o direito de liberdade está em risco.
- o tecnicismo processual não pode se sobrepor à necessidade de desvendamento da verdade e à garantia de um julgamento justo, especialmente quando o acusado não agiu com desídia ou má fé na atividade probatória e a prova é inquestionável e possui o poder de alterar substancialmente a compreensão dos fatos.
Bibliografia
BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos Recursos Penais. 3ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais. 2018.
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos no processo penal brasileiro). In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Mauricio Zanoide (Org.) Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo.: DPJ, 2005.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance, GOMES Filho, Antônio Magalhães. Nulidades no Processo Penal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005
LOPES Júnior, Aury. Direito processual penal. 14ª ed. São Paulo: Saraiva. 2017.
SILVA, Bernardo Braga e. O direito à admissão da prova do acusado no processo penal brasileiro. Curitiba: CRV. 2019.
[1]GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos no processo penal brasileiro). In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Mauricio Zanoide (Org.) Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo.: DPJ, 2005. p. 303.
[2] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 14ª ed. São Paulo: Saraiva. 2017. p. 344
[3] BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos Recursos Penais. 3ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais. 2018, p. 190.
[4] STJ – EDcl em HC 702.291/MG – 5ª Turma. Relator do acórdão Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Dje. 16.12.2022
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