Decisão favorável ao Fisco por voto de qualidade e dispensa de garantia
19 de janeiro de 2025, 8h00
Passadas as discussões iniciais acerca da possibilidade ou não do denominado “regresso do voto de qualidade em favor da Fazenda Pública”, houve a instauração de nova ordem jurídica com a publicação da Lei Federal 14.689, em 2023.
Deve-se reconhecer que a dificuldade é significativa em se regular o fiel da balança quando se está diante de uma decisão na qual metade dos julgadores reconhece a procedência do pedido do contribuinte e a outra metade decide por acatar os argumentos do fisco. Trata-se de decisão administrativa, proferida por colegiado em que há a paridade de formação e que exerce função judicante atípica, ainda que o órgão em questão, mais precisamente o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), esteja jungido à competência do Ministério da Fazenda.
É certo que a legislação anterior oscilou entre dois extremos, pois, até 2020, o voto de qualidade proferido em favor da Fazenda Pública, não trazia qualquer benesse ao contribuinte quando do encerramento na esfera administrativa; com a mudança legislativa ocorrida em 2023, o voto de qualidade passou a estabelecer o desempate “pró”-contribuinte, também sem qualquer espécie de condições a serem cumpridas.
Desta forma, por meio da alteração promovida em 2023 não se admitiu, dentro do processo legislativo, que somente haveria a volta do voto de qualidade em favor da Fazenda Pública. Isso porque se estava diante de uma paridade de opiniões jurídicas dentre os membros formadores do colegiado, que, uma vez ocorrida, permite a cobrança integral do crédito, no caso do empate. Cenário que necessariamente demandaria uma revisão da postura fazendária.
E, nesse esteio, foi o que se consolidou com a promulgação da Lei 14.689/2023 que, ao mesmo tempo em que restaura o voto de qualidade em favor da Fazenda Pública no caso de empate no julgamento, também estabelece algumas benesses em favor do contribuinte, das quais destacamos: (1) a exclusão de multas constantes na autuação; (2) a exclusão dos juros de mora, no caso de pagamento do débito no prazo de até 90 dias após a decisão definitiva na esfera administrativa; (3) a desnecessidade de apresentação de garantias, se a opção for pela discussão do débito perante o Poder Judiciário, desde que cumpridos determinados requisitos [1].
Contudo, a aplicabilidade do dispositivo em questão em relação à desnecessidade de prestação de garantias vem enfrentando alguma resistência sob o argumento de que este padece de regulamentação. Ousamos discordar daqueles que assim preconizam, tendo em vista que se trata de norma plenamente exequível.
Nunca é demasiado relembrar as lições de Paulo de Barros Carvalho acerca da interpretação das normas jurídicas e seu efetivo percurso gerativo de sentido. Como bem lecionado pelo ínclito doutrinador, para a construção das normas jurídicas, faz-se necessário colacionar os enunciados prescritivos que venham a edificar normas com o mínimo irredutível de manifestação do deôntico. E, certamente, quando se fala na questão da desnecessidade de prestação de garantias de débito executado em virtude decisão por voto de qualidade em favor da Fazenda Pública, todos os requisitos estão presentes no texto normativo posto, sem a necessidade de regulamentação.
Condições
A leitura do artigo 4º da Lei 14.689/2023, claramente, indica quais os requisitos o contribuinte deve cumprir para que que seja dispensado da apresentação de garantia do débito quando opta por discuti-lo judicialmente:
a) ter certidão de regularidade fiscal válida nos últimos doze meses, sendo que a referida certidão não pode ter perdido sua validade por prazo superior a três meses, consecutivos ou não;
b) ter capacidade de pagamento que será aferida mediante verificação de seu patrimônio líquido, sendo que o contribuinte deve apresentar relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito, caso a decisão de primeira instância seja desfavorável, além de ter o dever de comunicar à PGFN eventual alienação ou oneração de bens, sob pena de ajuizamento de medida cautelar fiscal;
c) não possuir créditos em situação de exigibilidade perante a PGFN.
Os requisitos apresentados pela legislação são bastante robustos e garantem à PGFN um elevado grau de tranquilidade para a discussão do crédito sem a apresentação de garantia. Nota-se claramente que, além de o débito ser oriundo de voto de qualidade em favor da Fazenda Pública, a benesse do artigo 4º só é permitida a contribuintes que mantêm regularidade no cumprimento de suas obrigações. Essa medida, portanto, não alcança os mal pagadores,
Os debates acerca da necessidade de regulamentação giram em torno do conceito de capacidade de pagamento. Contudo, ao nos socorrermos dos enunciados prescritivos constantes do nosso ordenamento jurídico, é simples encontrarmos a referida capacidade individualizada para cada contribuinte, dentro das próprias normas expedidas pela PGFN.
No espectro da desjudicialização das discussões de débitos perante a Fazenda Pública, em 2020 foi publicada a Lei 13.988 que instituiu a transação de débitos tributários entre fisco e contribuinte. Como corolário desta lei, inúmeros diplomas normativos foram exarados visando sua regulamentação, dos quais destacamos a Portaria 6.757/2022 que, em inúmeros dispositivos, consigna o conceito de capacidade de pagamento (Capag).
Ademais, para a verificação dessa capacidade de pagamento, foi desenvolvido o “regularize”, que permite a todos os sujeitos passivos que tenham débitos em aberto consultar sua capacidade de pagamento.
Desta forma, não se identifica óbices à executoriedade do comando insculpido no artigo 4º da Lei 14.689/2023. Os requisitos estão claramente postos em nosso ordenamento jurídico e traduzem uma grande segurança à PGFN, uma vez cumpridos. Cabe ao Poder Judiciário aferir o seu efetivo cumprimento e, em caso de qualquer dúvida, determinar a manifestação da PGFN sobre os documentos e informações apresentados. Também cabe à PGFN se insurgir judicialmente sobre o prosseguimento da discussão sem a prestação de garantias acaso identifique o descumprimento total ou parcial das condições impostas.
O que definitivamente não pode ocorrer é o impedimento de o contribuinte prosseguir com a discussão sem prestação de garantias uma vez cumpridos os requisitos claramente postos pela legislação em vigor sob o argumento de que não há regulamento expedido, mesmo depois de passados 14 meses de promulgação da lei.
[1] Art. 4º Aos contribuintes com capacidade de pagamento, fica dispensada a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.
§1º O disposto no caput deste artigo não se aplica aos contribuintes que, nos 12 (doze) meses que antecederam o ajuizamento da medida judicial que tenha por objeto o crédito, não tiveram certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 (três) meses, consecutivos ou não, expedida conjuntamente pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
§2º Para os fins do disposto no caput deste artigo, a capacidade de pagamento será aferida considerando-se o patrimônio líquido do sujeito passivo, desde que o contribuinte:
I – apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, caso seja pessoa jurídica;
II – apresente relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância;
III – comunique à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a alienação ou a oneração dos bens de que trata o inciso II deste parágrafo e apresente outros bens livres e desimpedidos para fins de substituição daqueles, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal; e
IV – não possua outros créditos para com a Fazenda Pública, presentes e futuros, em situação de exigibilidade.
§3º Nos casos em que seja exigível a apresentação de garantia para a discussão judicial de créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, não será admitida a execução da garantia até o trânsito em julgado da medida judicial, ressalvados os casos de alienação antecipada previstos na legislação.
§4º O disposto neste artigo não impede a celebração de negócio jurídico ou qualquer outra solução consensual com a Fazenda Pública credora que verse sobre a aceitação, a avaliação, o modo de constrição e a substituição de garantias.
§5º Caberá ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional disciplinar a aplicação do disposto neste artigo.
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