Opinião

Mediação e conciliação como forma de reestruturar empresas

Autores

  • é advogado sócio do BBMOV Sociedade de Advogados especialista em Direito Constitucional e Processo Civil e em Recuperação e Reestruturação Empresarial com Capacitação e Especialização pelo Instituto Brasileiro da Insolvência (Ibajud) pelo Tournaround Management Association (TMA Brasil) e pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) ex-secretário adjunto da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da OAB-MT.

    Ver todos os posts
  • é advogada associada do Grupo ERS e pesquisadora especialista em Direito Processual Civil pela PUC-MG atuante na seara do Direito Empresarial com foco em reestruturação empresarial e agronegócio especialista em administração judicial pelo Instituto Brasileiro da Insolvência e mediação na recuperação empresarial (Ibajud) e membro da Comissão de Recuperação Judicial e Falências da OAB-MT.

    Ver todos os posts

19 de janeiro de 2025, 9h16

A Lei 11.101/05, conhecida por regulamentar os processos de recuperação judicial, extrajudicial e falência no Brasil, sofreu importantes alterações com a promulgação da Lei 14.112/20. Dentre as diversas inovações trazidas, destaca-se a possibilidade de realização de conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial. Essa alteração representa um avanço significativo no tratamento das dificuldades financeiras enfrentadas pelas empresas, promovendo soluções consensuais entre devedores e credores antes mesmos da judicialização.

Nos termos do artigo 20-B, IV, §1º da Lei 11.101/05, o devedor que busca negociar suas dívidas e estabelecer formas de pagamento pode valer-se da mediação como instrumento para reestruturação financeira, ainda que de maneira antecedente ao ajuizamento de um pedido formal de recuperação judicial. Essa previsão legal reforça a importância da resolução amigável de conflitos, promovendo um ambiente mais colaborativo e menos litigioso entre as partes envolvidas.

Para tanto, a lei condiciona que a empresa em dificuldade que preencha os requisitos legais para requerer a recuperação judicial poderá obter tal tutela de urgência cautelar, nos termos do artigo 305 e seguintes do Código de Processo Civil, para suspender as execuções contra ela propostas, pelo prazo de 60 dias corridos [1], conforme disposto no artigo 20-B, §1º da Lei nº 11.101/2005 e no Enunciado nº 3 do Fonaref.

Essa medida tem como objetivo assegurar um período de estabilidade necessário para que a empresa em dificuldades financeiras possa iniciar o procedimento de mediação ou conciliação com seus credores e buscar alternativas de reestruturação. No entanto, embora a previsão legal exista, a lei não especifica de forma clara e objetiva os requisitos para que uma empresa possa se beneficiar dessa tutela.

Uniformização da recuperação judicial

Para suprir essa lacuna, o Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref) desenvolveu o 1º Caderno de Enunciados [2], que busca orientar e uniformizar a interpretação dos dispositivos legais relacionados à recuperação judicial. Um dos principais avanços trazidos pelo caderno é o Enunciado nº 10, de 2023, que estabelece diretrizes específicas para a aplicação da tutela de urgência durante a mediação com os credores.

De acordo com o Enunciado nº 10 [3], para que uma empresa possa obter a suspensão das execuções pelo prazo de 60 dias durante o processo de mediação, ela deve atender aos requisitos previstos no artigo 48 da Lei 11.101/05 [4].

Spacca

Além disso, o Enunciado nº 2, deixa claro que a concessão da medida cautelar, prevista no 20-B, § 1°, da Lei 11.101/05, pressupõe a demonstração pelo requerente de que o procedimento de mediação ou conciliação foi instaurado no Cejusc ou na câmara especializada, com a comprovação do requerimento da expedição de convite para participar do referido procedimento [5].

Em consonância com o Enunciado nº 2, o Enunciado nº 6 acrescenta um importante esclarecimento sobre os efeitos da medida cautelar de suspensão prevista no artigo 20-B, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. De acordo com este enunciado, a medida cautelar vincula apenas os credores que foram convidados a participar do procedimento de mediação ou conciliação instaurado no Cejusc do tribunal competente ou na câmara privada, independentemente de terem aceitado ou não o convite. Contudo, os credores que não foram convidados para o procedimento de mediação ou conciliação não estão sujeitos à medida cautelar de suspensão.

Ademais, registra-se que o prazo de 30 dias, previsto no artigo 308 [6] do diploma processual civil, que fixa o aludido período para apresentação do pedido principal, não se aplica à cautelar do artigo 20-B, §1º. Tal entendimento, encontra respaldo no Enunciado nº 4 [7], editado pelo Fonaref. A incompatibilidade do artigo 308 do CPC com a cautelar do artigo 20-B, é justificada no ponto em que o prazo da cautelar é de 60 dias (corridos). Portanto, se a parte interessada ficar restrita ao prazo do artigo 308 (30 dias), certamente prejudicará o procedimento pré-processual, visto que a ação principal terá de ser ajuizada antes de escoar o prazo de 60 dias.

Acordo de devedor e credor

Sobremodo salientar que o acordo feito entre devedora e o credor somente se consolidará com o decurso do prazo de 360 dias, a contar do acordo firmado e desde que a devedora não ajuíze pedido e recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos do artigo 20-C, parágrafo único [8]. Caso contrário, as partes reconstituirão seus direitos e garantias deduzindo os valores eventualmente pagos.

O Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref) esclarece, ainda, que a devedora não poderá renovar o pedido de suspensão previsto no artigo 20-B, § 1º, após cessada sua eficácia. Contudo, ressalta-se que, para os credores que não participaram do procedimento de mediação ou conciliação antecedente, tal possibilidade poderá ser admitida, conforme dispõe o enunciado 7/Fonaref [9] e o artigo 309, parágrafo único, do CPC [10].

Desta forma, o interessado que vivencia momentânea, porém reversível, situação de crise econômico-financeira, e optar pela proteção prevista no artigo 20-B, §1º da Lei nº 11.101/2005, terá a blindagem do seu patrimônio e dos seus ativos operacionais por um prazo de 60 dias, oportunizando negociações mais equilibradas com os seus credores convidados para o procedimento pré-processual de mediação ou conciliação.

Constata-se, ainda, da leitura do artigo 20-B, IV, §1º da Lei de soerguimento, que o legislador não delimitou quais credores podem ser convocados para o procedimento de mediação/conciliação antecedente. Somado a isto, o próprio Fonaref, em seu Enunciado nº 6, deixa claro que o procedimento pré-processual vincula todos os credores convidados, ou seja, credores concursais e extraconcursais.

Decisão do Tribunal de Justiça

Nesse sentido, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de julgamento do Agravo de Instrumento nº 2020046-39.2024.8.26.0000, de relatoria do desembargador Fortes Barbosa, ratificou o entendimento de que todos os credores (concursais e extraconcursais) estão sujeitos aos efeitos da blindagem oriundos da tutela cautelar do artigo 20-B. Veja-se:

Tutela cautelar antecedente ao ajuizamento de recuperação judicial — Pleito fundado no artigo 20-B, IV e § 1º da Lei 11.101/2005 — Deferimento parcial do pedido — Suspensão pelo prazo de 60 (sessenta) dias de execuções judiciais e medidas administrativas coercitivas e constritivas ordenada, feita limitação quanto aos créditos eventualmente sujeitos a uma futura recuperação judicial — Probabilidade do direito alegado e do risco de dano presentes – Medida cautelar voltada para o surgimento de um ambiente propício para a mediação – A análise atual da concursalidade de créditos esbarra no fato incontornável de inexistir um concurso, inviabilizando seja atingido o escopo primário da medida cautelar em apreço – Enunciado 6 do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falência (FONAREF) – Submissão de todos credores convidados aos efeitos da medida cautelar deferida, atingido o crédito de titularidade da recorrida – Decisão reformada – Recurso provido.

(TJ-SP – Agravo de Instrumento: 2020046-39.2024.8.26.0000 São Paulo, Relator: Fortes Barbosa, Data de Julgamento: 29/04/2024, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 29/04/2024)

Do referido julgado, destaca-se o trecho do voto proferido pelo ilustre relator, que consignou que as cessões fiduciárias se encontram submetidas aos efeitos da blindagem conferida pela medida cautelar prevista no artigo 20-B, § 1º. Veja-se:

“Assim, impõe-se que os efeitos da suspensão prevista no artigo 20-B, § 1º da Lei 11.101/2005 sejam estendidos ao crédito de titularidade do agravado, impossibilitada, durante o prazo de vigência da medida cautelar, a retenção de quaisquer valores em contas vinculadas de titularidade da recorrente pelo credor.

O teor do direito de crédito de titularidade do recorrido deverá ser, dependendo do que ocorrer futuramente, analisado na seara própria, sem que o efeito decorrente da suspensão ora concedida importe em qualquer análise quanto à natureza ou valor do direito do recorrido, tal como decorre da regra inscrita no § 2º do próprio artigo 20-B.”

Ainda, é salutar ponderar que um dos pontos favoráveis dessa abordagem é que, se a mediação/conciliação for bem-sucedida, pode-se prescindir da distribuição do pedido principal (recuperação judicial ou extrajudicial), ou seja, advindo êxito das negociações na fase antecedente, evitar-se-á a distribuição da recuperação judicial ou extrajudicial.

Por fim, é importante destacar que, apesar do artigo 20-B, §1º, fazer menção somente ao processo de recuperação judicial, o Enunciado nº 12 [11] do Fonaref, ampliou sua aplicação ao processo da recuperação extrajudicial, frisando a sua compatibilidade.

 


[1] Enunciado 3 – O prazo de 60 dias de suspensão previsto no art. 20-B, § 1º, da Lei n. 11.101/2005 é improrrogável e contado em dias corridos.

[2] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/03/1o-caderno-de-enunciados-fonaref-portal.pdf

[3] Enunciado 10- Os documentos demonstradores de que a empresa em dificuldade preenche os requisitos legais para requerer recuperação judicial, para os fins do art. 20-B, § 1º, da Lei n. 11.101/2005, são aqueles previstos no art. 48 da Lei n. 11.101/2005.

[4] Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;

III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;         (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

[5] Enunciado 2 – A concessão da medida cautelar prevista no art. 20-B, §1º, da Lei n. 11.101/2005 pressupõe a demonstração pelo requerente de que o procedimento de mediação ou conciliação foi instaurado no CEJUSC do tribunal competente ou da câmara especializada, com a comprovação do requerimento da expedição de convite para participar do referido procedimento.

[6] Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.

[7] Enunciado 4 – O prazo de 30 dias previsto no art .308 do Código de Processo Civil não é aplicável à medida cautelar ajuizada com base no art. 20-B § 1º da Lei n. 11 .101/2005

[8] Parágrafo único. Requerida a recuperação judicial ou extrajudicial em até 360 (trezentos e sessenta) dias contados do acordo firmado durante o período da conciliação ou de mediação pré-processual, o credor terá reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito dos procedimentos previstos nesta Seção.

[9] Enunciado 7 – A devedora não poderá renovar o pedido de suspensão previsto no art. 20-B, § 1º, da Lei n. 11.101/2005 depois de cessada a sua eficácia, salvo em relação a credores que não participaram do procedimento de mediação ou conciliação antecedente, nos termos do art. 309, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

[10] Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento.

[11] Enunciado 12 – A mediação é compatível com a recuperação extrajudicial, sendo recomendada sua utilização.

Autores

  • é advogado, sócio do BBMOV Sociedade de Advogados, especialista em Direito Constitucional e Processo Civil e em Recuperação e Reestruturação Empresarial com Capacitação e Especialização pelo Instituto Brasileiro da Insolvência (Ibajud), pelo Tournaround Management Association (TMA Brasil) e pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), ex-secretário adjunto da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da OAB-MT.

  • Advogada associada ao Grupo ERS e pesquisadora, atuante na área de Reestruturação e Recuperação de Empresas e do Produtor Rural. Especialista em Direito Processual Civil. Especializando em Direito Empresarial pela FGV (2024-2025). Possui cursos de Capacitação em Administrador Judicial pelo Instituto Brasileiro da Insolvência – IBAJUD; curso de Mediação na Recuperação Empresarial – IBAJUD; M&A pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais -IBMEC e em curso em Recuperação Judicial pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro - EMERJ.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!