Opinião

A legitimidade passiva do meeiro em ações de cobrança: reflexões doutrinárias e jurisprudenciais

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19 de janeiro de 2025, 13h19

A partilha de bens após a morte de um indivíduo levanta diversas questões jurídicas, principalmente no que tange à responsabilidade pelas dívidas do de cujus. Dentre essas questões, destaca-se a discussão sobre a legitimidade passiva da meeira, especialmente em situações em que o crédito repercutiu diretamente no patrimônio comum do casal. Este artigo busca explorar esse tema, apresentando argumentações doutrinárias e jurisprudenciais.

O espólio e a transferência de responsabilidade após a partilha

De acordo com o artigo 1.784 do Código Civil, com a abertura da sucessão, a herança transmite-se de imediato aos herdeiros. Contudo, o aperfeiçoamento da transmissão demanda a realização do inventário, que culmina na partilha dos bens. Durante esse período, o espólio é representado pelo inventariante e responde por dívidas do falecido até a ultimação da partilha.

Encerrada a partilha, cessa a existência jurídica do espólio como entidade autônoma, passando os herdeiros a responder individualmente pelas obrigações deixadas pelo de cujus, na proporção dos quinhões recebidos. Nesse contexto, a posição da meeira requer análise cuidadosa, especialmente porque, em muitos casos, ela não é considerada herdeira, mas apenas titular da meação.

A legitimidade passiva do meeiro

Nos termos do artigo 1.664 do Código Civil, no regime de comunhão parcial de bens, as dívidas contraídas pelo casal ou em benefício do patrimônio comum recaem solidariamente sobre ambos os cônjuges ou companheiros. Assim, se o crédito obtido pelo falecido beneficiou o patrimônio partilhado, há fundamento para sustentar a legitimidade passiva da meeira.

Todavia, essa questão não é pacífica. Jurisprudências recentes indicam que, encerrada a partilha, o meeiro não possui legitimidade para responder por dívidas do espólio, salvo se comprovado que o crédito repercutiu diretamente no patrimônio comum do casal. Um exemplo emblemático é o Acórdão 1.768.212, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que reafirmou a ilegitimidade da meeira para responder por dívidas após a partilha, salvo situações excepcionais.

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Doutrina e jurisprudência: posições divergentes

A doutrina e a jurisprudência apresentam entendimentos divergentes sobre o tema. De um lado, argumenta-se que a meeira deve responder pelas obrigações na proporção do benefício recebido, em respeito ao princípio da solidariedade patrimonial. De outro, sustenta-se que, após a partilha, a meeira não possui mais relação jurídica com as dívidas do de cujus, cabendo apenas aos herdeiros responderem por elas.

O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão (REsp 2.020.031/SP), definiu que a data da extinção da comunhão é o marco temporal para analisar a legitimidade passiva da meeira. Constatou-se que, para as dívidas contraídas na constância do casamento, a meeira pode ser legitimada, mas sua responsabilidade patrimonial será objeto de discussão posterior.

Conclusão

A questão da legitimidade passiva da meeira em ações de cobrança é complexa e demanda análise caso a caso, considerando o regime de bens, o momento da contratação da dívida e o benefício auferido pelo patrimônio comum. Embora a jurisprudência recente tenha avançado no sentido de delimitar os contornos dessa legitimidade, ainda subsistem áreas cinzentas que exigem interpretação criteriosa por parte dos tribunais. Assim, a discussão permanece aberta, refletindo a dinamicidade do direito e a busca por soluções justas e equilibradas.

Autores

  • é advogado, ex-conselheiro ceccional da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Distrito Federal (OAB-DF) e ex-vice-presidente da Comissão de Direito Aeronáutico da OAB-DF, membro da Comissão de Seleção da OAB-DF, especialista em Direito Contratual, Imobiliário e Empresarial, sócio da J Pires Advocacia & Consultoria.

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