Memórias acessíveis: um desafio para os museus
18 de janeiro de 2025, 17h14
As pessoas com deficiência enfrentam em seu cotidiano barreiras de diversas naturezas. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, traz um rol de barreiras, entre elas estão as urbanísticas e arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações/informação, as atitudinais e tecnológicas. Essas barreiras obstam o acesso das pessoas com deficiências às instituições de memórias coletivas, como os museus e bibliotecas, prejudicando a formação de identidades e cidadania.
A memória é um processo complexo e fundamental para a construção da identidade dos sujeitos. Por meio dela, é possível recordar fatos passados e utilizá-los para a tomada de decisões e resolução de problemas. Para Jacques Le Goff, um dos maiores historiadores do século 20, há uma complexa relação entre história e memória, e é por meio desta que as sociedades constroem e transmitem as suas narrativas passadas, ou seja, a sua história.
No entanto, não se trata de uma mera reprodução do passado, é um processo ativo e seletivo, moldado sob influência de interesses, valores e ideologias. Entendida como uma ferramenta de poder, a memória pode ser utilizada por governos e instituições para legitimar os seus projetos. Sendo assim, os diversos grupos sociais também precisam acessar os dispositivos, suportes e manifestações pelas quais as memórias se expressam.
Acessibilidade em instituições culturais
As instituições de memórias coletivas são espaços que promovem ações que efetivam os direitos culturais, logo, precisam ser acessíveis a todas as pessoas indistintamente. No entanto, a acessibilidade em instituições culturais ainda é um desafio que precisa ser superado. É possível observar problemas na arquitetura não adaptada, marcada por portas estreitas, falta de rampas, elevadores com problemas ou uso indevido, banheiros inadequados.
Na comunicação é possível constatar a falta de sinalização em Braille, ausência de audiodescrição, materiais informativos em formatos não acessíveis, falta de intérpretes de Libras. É recorrente, entre as barreiras atitudinais, verificar o preconceito e a discriminação, a falta de treinamento dos funcionários, além de eventos e atividades não inclusivas.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, conforme o Decreto nº 6.949/2009, reconhece o direito das pessoas com deficiência, por meio do artigo 30, 1, c, “[…] de participar na vida cultural, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Para isso, é preciso a tomada de medidas apropriadas para o acesso a locais que ofereçam serviços ou eventos culturais, como os museus. Tal reconhecimento reforça o que já está previsto na Constituição, em seu artigo 215, referente ao pleno exercício dos direitos culturais e ao acesso à cultura por todos.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seu artigo 8º, indica que é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com a devida prioridade, a efetivação de direitos, tais como, à acessibilidade e à cultura. O acesso universal aos bens culturais é um princípio que encontra fundamento na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que, conforme Humberto Cunha, especialista em direitos culturais, é um princípio dos direitos culturais indispensáveis à dignidade humana. O Estatuto dos Museus, Lei nº 11.904/2009, prevê, no artigo 35, que os museus devem ser caracterizados pela acessibilidade universal dos diferentes públicos.
Problemas da exclusão de grupos minoritários
A falta de acessibilidade cultural pode impedir o compartilhamento das memórias para a elaboração de propostas de sociabilidade que promovam a emancipação humana dos sujeitos. Essa exclusão de grupos minoritários da experiência cultural, tais como as pessoas com deficiências, perpetua desigualdades sociais. Na contramão da exclusão, alguns museus desenvolvem ações exitosas por meio de visitas mediadas com audiodescrição para pessoas com deficiência visual e visitas com tradução em Libras para pessoas surdas.
Disponibilizam materiais em Braille e audiodescrição para obras de arte, permitindo que pessoas com deficiência visual tenham acesso a informações detalhadas sobre as peças. Possuem rampas, elevadores e banheiros adaptados para facilitar a locomoção de pessoas com mobilidade reduzida.
A acessibilidade é um direito e as instituições culturais têm a responsabilidade de garantir que todas as pessoas possam acessar e desfrutar de seu acervo. O desenvolvimento de ações e estratégias como as citadas promovem a inclusão, garantindo que as pessoas com deficiência possam desfrutar da arte e da história, acessando memórias importantes para a formação, participando das decisões para a ampliação da acessibilidade dos bens culturais.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 02 jan. 2025.
BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11904.htm. Acesso em: 02 jan. 2025.
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm. Acesso em: 02 jan. 2025.
BRASIL. Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8313cons.htm. Acesso em: 02 jan. 2025.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 02 jan. 2025.
CUNHA FILHO, F. H. Teoria dos Direitos Culturais: Fundamentos e finalidades. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018.
LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994.
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