Horizontes do setor portuário: 2025 marca o ano das inovações regulatórias no Brasil
18 de janeiro de 2025, 14h20
Em um momento crucial para o setor portuário brasileiro, o ano de 2025 desponta como potencial marco regulatório. A atuação regulatória no contexto contemporâneo reveste-se de confluências com modelos participativos e pautados em uma estrutura de diálogo interinstitucional e aberto, com enfoque em uma dinâmica responsiva, inclusive para a proceduralização do Direito Sancionador-Regulatório [1].
Nessa esteira, a governança regulatória se fundamenta em três pilares, a saber: (1) legitimidade (2) eficiência e (3) accountability. Em paralelo, conceitos apresentados por Cass Sunstein em sua obra Simpler: The Future of Government oferecem um paradigma valioso para avaliar e aprimorar as práticas regulatórias no Brasil [2].
A Comissão de Juristas para Revisão Legal da Exploração de Portos e Instalações Portuárias (Ceportos), criada em 22/12/2023 por ato do então presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, tem por objetivo debater e apresentar proposta de revisão do arcabouço legal que regula a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias brasileiros.
Embora o setor temático tenha sofrido modificações regulatórias há pouco mais de 10 (dez) anos com a promulgação da Lei n. 12.815/2013, o regramento demanda aperfeiçoamento, especialmente considerando o volume de demandas oriundas de uma sociedade multifacetada e complexa, além de se tratar de um setor profundamente influenciado pelas flutuações econômicas do mercado internacional.
Constam em tramitação na Câmara dos Deputados inúmeros Projetos de Lei — aproximadamente, 229 — com o objetivo de provocar alterações de interesse de diversos seguimentos na atual Lei de Portos (Lei nº 12.815/2013).
Diante disso, a referida comissão, atenta às necessidades mais atuais do setor, propôs-se a subsidiar a análise dos temas amparados pela legislação portuária e que demandam avanços.
O anteprojeto prevê medidas de desburocratização e simplificação dos procedimentos de contratos de concessão, de arrendamento, de uso temporário de instalação portuária, de autorizações para terminais privados e novos formatos viáveis, criação de Conselho de Autoridade Portuária, fomento ao desenvolvimento tecnológico na área, o estreitamento da relação cidade-porto, simplificação regulatória, patrimonial e ambiental, bem como aprimorar as regras relativas às relações de trabalho e qualificação de mão de obra, dentre outros.
Enxergou-se o momento como oportuno para aprimorar a legislação no sentido de se conferir eficiência, segurança jurídica, competitividade e sustentabilidade, por meio da implementação de princípios e diretrizes que podem resultar em melhorias significativas nas operações portuárias e nas relações com as comunidades locais e, além disso, tornar o mercado interno mais atrativo à investimentos e à geração de empregos no setor.
Considerou-se sobretudo a relevância da influência que o setor portuário brasileiro exerce sobre a economia. O Brasil, de acordo com o Ministério da Infraestrutura (Minfra) (GOV.), representa expressiva relevância no âmbito do Setor Portuário Mundial, uma vez que detentor de 36 portos públicos organizados e mais de 250 Terminais de Uso Privado (TUPs) (GOV.), cuja administração recai diretamente à União, no caso das Companhias Docas ou exercida de forma delegada a municípios, estados ou consórcios públicos, sendo sua área delimitada por ato do Poder Executivo, conforme consubstanciado no artigo 2º da Lei nº 12.815/2013.
Segundo consta no relatório de Avaliação Concorrencial da OCDE, o setor portuário brasileiro é responsável por 98% das exportações do país e mais de 92% das importações em termos de volume, além estar positivamente relacionado com crescimento do PIB.
Por tais razões, essas atividades são tidas como indispensáveis catalisadoras do processo de desenvolvimento econômico e social do país, além de fomentar o comércio exterior. É o que se depreende também da correlação do desempenho do setor portuário no plano interno com a melhora de posição do Brasil no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial dos últimos anos.
Contudo, a superveniência do relatório geral editado pelo relator da comissão, discutido e votado na Câmara dos Deputados em outubro de 2024 provocou debates acerca de algumas das inovações implementadas e de suas possíveis implicações.
Trata-se da proposta de criação de nova modalidade de portos – os Portos Estratégicos – de titularidade exclusiva da União. Assim se pretende denominar os complexos portuários que desempenham papel essencial para a segurança e soberania nacional, cujo objetivo seria proporcionar a integração e o desenvolvimento econômico sustentável do país.
Há um dispositivo no texto do anteprojeto que confere ao Ministério de Portos e Aeroportos a competência para definir quais instalações portuárias serão consideradas as mais importantes do país em termos de essencialidade e segurança para a soberania nacional, a se justificar a nomenclatura de “Porto Estratégico”.
Depreende-se do relatório que, relativamente a essa modalidade, consta vedação expressa à privatização da exploração do serviço ou das respectivas instalações portuárias por meio dos contratos de concessão.
Há ainda a previsão de certos benefícios, tais como a prioridade no plano de dragagens portuárias, os quais servem ao propósito de incentivar o atracamento de navios maiores nos portos brasileiros por intermédio do financiamento por parte do Fundo da Marinha Mercante
Em atenção às demandas do setor privado, que ansiava por conferir maior agilidade nos procedimentos internos, o texto do anteprojeto se preocupou com o fortalecimento das entidades portuárias administrativas. Para tanto, positivou medidas direcionadas a uma melhor e mais clara distribuição das atribuições.
As autoridades portuárias ficariam, então, responsáveis pelos requerimentos de arrendamento em seus respectivos portos públicos. Ao Ministério de Portos e Aeroportos incumbiria o dever de delinear as prioridades e diretrizes das políticas públicas do setor. Consequentemente, incrementou-se as competências da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que passaria a ser responsável pela celebração dos contratos de adesão concernentes aos Terminais de Uso Privado (TUPs) e às Estações de Transbordo de Cargas.
Para reduzir a excessiva judicialização de demandas na área, foi criada a Câmara de Autorregulação e Resolução de Conflitos Portuários. Essa medida pretende estimular a resolução célere e eficaz de controvérsias e, simultaneamente, refrear a sobrecarga do Poder Judiciário, o qual muitas vezes sequer detém o conhecimento técnico para explorar certos assuntos específicos da área, questões estas que poderiam ser eficazmente resolvidas de forma mais autônoma entre as partes interessadas.
Nesse sentido, quanto à vedação das concessões, é importante destacar que a compreensão dos serviços e atividades desempenhadas no âmbito dos portos públicos envolve a constatação de que constituem estes serviços essenciais.
A partir do que prescreve a Constituição Federal ao definir o Pacto Federativo, compreende-se que são enquadrados como de titularidade da União, a qual pode explorar: a) o serviço diretamente; b) o porto organizado indiretamente, por meio de contrato concessão firmado com uma pessoa jurídica ou com terceiro; ou b) as instalações portuárias indiretamente, por arrendamento de bem público.
Em se tratando da classificação dos serviços e atividades portuárias como serviços essenciais, serão desdobradas diferentes regras e consequências, porquanto essa categoria abrange aqueles serviços considerados urgentes, os quais, não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Estão, portanto, diretamente relacionados às garantias e direitos fundamentais relativos à vida digna dos cidadãos, daí a vedação de sua interrupção até mesmo em situações de calamidades públicas.
O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.221.170/PR, frisou que a ineficácia dos serviços de armazenamento, embarque e desembarque portuários representaria um grave óbice à comercialização dos bens produzidos, o que prejudicaria o desempenho da atividade econômica nacional e até mesmo a subsistência da população.
Conclui-se, portanto, que o raciocínio adotado pela Ceportos ao cogitar a criação de uma modalidade de portos cuja privatização será vedada, baseia-se na essencialidade dos serviços desempenhados no âmbito desses espaços para a segurança e soberania nacional.
Ressalte-se que a versão do anteprojeto apresentada poderá sofrer alterações até chegar ao seu texto final. Por isso, embora haja um movimento progressivo de abertura do mercado portuário, que pode ser observado ao longo do texto pela tendência a conferir maior liberdade aos terminais que operam em portos públicos quando da realização de investimentos e cobrança dos preços aos usuários; a ampliação dos prazos de todos os contratos existentes para até 70 anos; as medidas de desburocratização e descentralização de competências por meio do estímulo à instalação do modelo de Landlord Port – que se traduz no sistema híbrido de administração, em que há o equilíbrio entre as iniciativas privadas e públicas – optou-se, por ora, por preservar aqueles Portos que ostentam caráter essencial para o país.
Portos Estratégicos: um passo à frente
A proposta de Portos Estratégicos se apresenta como um dos pontos mais debatidos do anteprojeto. Esses portos, classificados como essenciais para a soberania nacional, não serão passíveis de privatização. Além disso, contarão com priorização no planejamento de dragagens e financiamento pelo Fundo da Marinha Mercante. Tal iniciativa reforça o compromisso do governo com a segurança e o desenvolvimento nacional.
O futuro regulatório do setor portuário
O ano de 2025 marca a oportunidade de consolidar um novo modelo regulatório para o setor portuário. A integração de princípios de simplicidade e eficiência, alinhados às demandas específicas do setor, pode posicionar o Brasil em destaque no cenário global. A Ceportos, ao adotar uma abordagem pragmática e inovadora, pode transformar desafios em oportunidades, fomentando a competitividade e o desenvolvimento econômico do país.
A regulação à luz da inovação deve ser transparente, previsível e orientada por resultados. O Brasil tem em suas mãos não apenas a chance de atualizar suas normas portuárias, mas também de liderar pelo exemplo, inspirando outros setores a seguir o caminho da inovação regulatória.
[1] OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; GROTTI, Dinorá Adelaid Musetti. Direito administrativo sancionador brasileiro: breve evolução, identidade, abrangência e funcionalidades. IP – Interesse Público, Belo Horizonte, a. 22, n. 120, p. 83-126, mar./abr. 2020.
[2] SUNSTEIN, Cass R. Simpler: The Future of Governmet. Nova York: Simon & Schuster, 2013. p. 222
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