Opinião

Famílias unipessoais: análise jurídica e impactos no Direito brasileiro

Autor

  • é advogada do escritório Lara Martins Advogados responsável pelo núcleo de Direito de Família e Sucessões especialista em Direito das Famílias e Sucessões Planejamento Familiar Patrimonial e Sucessório e presidente da Comissão de Jurisprudência do IBDFam-GO.

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18 de janeiro de 2025, 7h18

As famílias unipessoais, caracterizadas pela composição de um único indivíduo, têm se consolidado como uma das configurações familiares mais representativas da contemporaneidade brasileira. O Cadastro Único do governo federal reconhece como família unipessoal aquela composta por uma pessoa que reside sozinha, sem partilhar despesas ou rendimentos com outros. Essa realidade encontra respaldo nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que indicam que aproximadamente 19% dos domicílios no Brasil são ocupados por pessoas sozinhas, evidenciando transformações sociais e culturais em curso.

Esse crescimento é impulsionado por diversos fatores, como a busca por maior autonomia pessoal, mudanças nos padrões de convivência, envelhecimento populacional e transformações no papel social das mulheres, que historicamente estavam mais vinculadas à formação de núcleos familiares tradicionais. Além disso, há uma mudança de perspectiva sobre a concepção de felicidade e realização, frequentemente desvinculadas da vida em grupo ou da reprodução de modelos familiares tradicionais.

Do ponto de vista jurídico, o reconhecimento das famílias unipessoais apresenta implicações significativas. Uma das principais discussões gira em torno da aplicação do conceito de entidade familiar a esse arranjo. O artigo 226 da Constituição adota uma concepção pluralista de família, pautada pela dignidade da pessoa humana e pela proteção estatal. Essa interpretação abre espaço para que as famílias unipessoais sejam reconhecidas como sujeitos de direitos no ordenamento jurídico, o que lhes garante acesso a políticas públicas, programas sociais e proteção patrimonial, como o bem de família.

Reconhecimento como entidade familiar

Contudo, a doutrina não é unânime quanto à abrangência desse reconhecimento. Alguns juristas argumentam que, apesar de as famílias unipessoais merecerem proteção jurídica, enquadrá-las como entidade familiar desvirtuaria o conceito tradicional de família. Por outro lado, a corrente majoritária defende que negar esse reconhecimento seria ignorar uma realidade social consolidada e comprometer a efetividade dos princípios constitucionais de igualdade, pluralidade e dignidade humana.

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Além disso, o crescimento das famílias unipessoais também levanta desafios relacionados à sustentabilidade de políticas públicas. Programas sociais, como o Bolsa Família, precisam se adequar a essa configuração familiar, que exige critérios específicos de avaliação. A identificação de possíveis fraudes no cadastro de famílias unipessoais reforça a necessidade de aprimoramento nos mecanismos de fiscalização e proteção dos direitos fundamentais dessas pessoas.

Em suma, o fenômeno das famílias unipessoais reflete mudanças significativas nas dinâmicas sociais e jurídicas do Brasil. Seu reconhecimento pleno pelo direito de família é fundamental para assegurar a dignidade e os direitos dos indivíduos que optam por essa forma de organização. A doutrina e a jurisprudência devem continuar a acompanhar essas transformações, promovendo debates que assegurem a compatibilidade entre a evolução social e a proteção jurídica efetiva, sempre em consonância com os valores constitucionais.

Autores

  • é advogada do escritório Lara Martins Advogados, especializada em Direito das Famílias e Sucessões, Planejamento Familiar, Patrimonial e Sucessório.

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