Opinião

Reforma trabalhista: supressão de direitos na jornada de trabalho 12x36

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  • é auditor fiscal do Trabalho no RN instrutor do Ministério do Trabalho e Emprego e professor universitário. Graduado em Administração de Empresas e pós-graduado em Administração Geral. Autor do livro Empregado Doméstico publicado pela editora LTr.

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17 de janeiro de 2025, 6h30

Nas últimas décadas, tornou-se corriqueiro se falar em reformas. A mídia, os partidos políticos e os governantes estão frequentemente falando sobre elas. É reforma da previdência, tributária, eleitoral, administrativa, trabalhista e por aí vai. Na acepção literal da palavra, reformar significa promover alterações em alguma coisa para melhorá-la. Quando alguém reforma a casa ou apartamento, opera mudanças para torná-los melhor, mais amplo, mais confortável, mais ventilado etc. Entretanto, há reformas que tornam as coisas piores do que eram antes.

Até o advento da reforma trabalhista, instituída pela Lei nº 13.467/17, a jornada de trabalho de 12 horas por 36 de descanso não tinha previsão legal. No âmbito das relações de emprego, algumas categorias profissionais, principalmente da área médica, já trabalhavam nesse regime e aos poucos outros profissionais passaram a adotá-la por meio de convenções coletivas de trabalho.

Diante do comando constitucional da jornada normal de trabalho ser de oito horas diárias (artigo 7º, XIII) e sua possível prorrogação em até duas horas, perfazendo dez horas diárias, via-se com certo assombro o labor durante 12 horas seguidas. É importante destacar que, salvo algumas categorias profissionais regidas por leis específicas, a duração do trabalho dos empregados em geral tem na Consolidação das Leis do Trabalho capítulo próprio (artigos 57 a 75), que disciplina as disposições constitucionais sobre duração do trabalho insculpidas no artigo 7º da Constituição.

Nos hospitais e nos serviços de vigilância e segurança, a jornada de 12 x 36 foi instituída de forma consuetudinária e aos poucos foi sendo formalizada em convenções coletivas de outras categorias profissionais. Em decorrência, começaram a surgir questionamentos pertinentes a vários aspectos. São exemplos: a folga de 36 horas cobria o descanso dominical e o trabalho em dia de feriado? Qual o intervalo para repouso e alimentação (descanso intrajornada)? O trabalho noturno, nos casos em que a jornada ultrapassava as 5 horas da manhã, é devido? Horas extras são devidas, em face do limitador constitucional da jornada diária em oito horas?

Intervalo para repouso e alimentação

A primeira questão relevante a ser abordada diz respeito ao intervalo para repouso e alimentação, coisa elementar em qualquer trabalho, haja vista que até as máquinas precisam de pausas. A história é farta ao demonstrar as precárias condições de trabalho ao longo dos anos. Diante desse quadro, a sociedade evoluiu, criou leis para limitar o labor diário em algumas horas e um tempo mínimo para descanso, de forma a propiciar ao trabalhador a recuperação de suas energias.

Assim, no Brasil, foi estabelecido o descanso intrajornada de trabalho para repouso e alimentação (mínimo de uma hora e máximo de duas horas; artigo 71 da CLT); o descanso interjornada de trabalho (11 horas consecutivas; artigo 66 da CLT); o descanso semanal remunerado (artigo 7º, XV da CF; artigo 67 da CLT e Lei 605/49) e descanso anual (Férias; artigo 7º, XVII da CF; artigos 129 a 149 da CLT). Na contramão destas históricas conquistas, o legislador da reforma trabalhista abriu a possibilidade do intervalo mínimo de uma hora para repouso e alimentação ser reduzido para 30 minutos nas jornadas acima de seis horas mediante convenção ou acordo coletivo, segundo o artigo 611-‘A’ da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/17.  Como sói acontecer hodiernamente, o discurso é o da modernização das leis trabalhistas e de que as partes são livres para negociar.

Spacca

Inúmeros julgados dos tribunais especializados em direito do trabalho foram consolidados pela mais alta corte trabalhista do Brasil (TST) no sentido de que, na jornada de trabalho de 12 x 36, alguns direitos permaneceriam incólumes. Entretanto, contrariando tudo que os estudiosos do direito do trabalho conhecem até então acerca da necessidade do trabalhador descansar, o legislador inovou e precarizou um importante direito, quando permitiu no final da redação do artigo 59-A da CLT, a indenização do descanso.

Ora, desde quando dinheiro recupera energias gastas no desempenho do trabalho? Tal permissão vai na contramão da concessão obrigatória de um descanso mínimo de uma hora nas jornadas acima de 6 horas e de 15 (minutos) na jornada entre quatro e seis horas. Fico a me perguntar como se sentiria um motorista profissional depois de dirigir durante 12 horas seguidas sem descanso, no caso de ser indenizado ou até mesmo se tiver, apenas, 30 minutos de descanso. Quais as consequências físicas, biológicas, mentais e até de risco de acidente para um trabalhador desse? Com base neste dispositivo legal, muitos empregadores estão a pagar o descanso, ao invés de concedê-lo.

Descanso semanal

Outro ponto de suma importância a ser abordado diz respeito ao descanso semanal aos domingos e em dia de feriado. Havia questionamentos se a folga de 36 horas compensaria ou não o trabalho nesses dias, em face do comando do artigo 7º, XV da Constituição e da Lei nº 605/49, respectivamente. A jurisprudência consolidada pela Súmula 444 do TST assegurava a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O artigo 9º da Lei nº 605/49 prevê o pagamento em dobro ou a compensação com outro dia de folga.

E aí, mais uma vez, o legislador reformista trabalhista inovou, contrariou e retirou um direito já consagrado pela jurisprudência trabalhista, ao estatuir no parágrafo único do artigo 59-A da CLT que a remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no caput abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e, também, pelo descanso em feriados. Assim, a Súmula 444 do TST e o artigo 9º da Lei nº 605 passam para o arquivo morto da penosa história do trabalho humano.

Até aqui, vimos dois retrocessos relativamente à jornada de 12×36 com a reforma trabalhista. Um foi a possível redução do intervalo para repouso e alimentação para 30 minutos ou sua indenização, o outro, o não pagamento ou a compensação dos feriados trabalhados.

Trabalho noturno

A jurisprudência trabalhista consolidada na Súmula 60 do TST já tinha, também, firmado o entendimento que a prorrogação do horário noturno além das 5 horas da manhã é considerada horário noturno. Portanto, se o empregado trabalhasse no horário das 19:00h às 07:00h do dia seguinte, ele teria direito a duas horas e quinze minutos noturnas, em face da hora ser reduzida, por força do artigo 73 § 1º da CLT.

A redação, in fine, do acima citado artigo 59-A diz que, além dos feriados, serão considerados compensadas as prorrogações de trabalho noturno. Ou seja, a partir da reforma trabalhista o empregado não tem mais esse direito. Portanto, em apenas um só parágrafo foram retirados dois direitos dos empregados que laboram na jornada de 12×36 já consagrados pela jurisprudência trabalhista. Desta forma, a Súmula 60 do TST também vai para o arquivo morto.

Para concluir, dessume-se que o legislador da reforma trabalhista desconsiderou aspectos históricos, legais e da jurisprudência especializada em direito do trabalho, que garantiam aos empregados uma melhor retribuição pelo esforço do seu trabalho nesta extenuante jornada.

Autores

  • é auditor fiscal do trabalho, especialista em Direito do Trabalho, graduado em Administração de Empresas, pós-graduado em Administração Geral e autor dos livros: Empregado Doméstico, LTR 2001; Trabalho portuário avulso antes e depois da lei de modernização dos portos, LTR 2005; Abordagem prática do trabalho portuário e avulso, LTR 2011.

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