O agravo interno, o precedente judicial e a multa: o Tema Repetitivo 1.201 afetado pelo STJ
17 de janeiro de 2025, 19h15
Uma preocupação constante na esfera recursal é a monocratização das decisões, com os relatores decidindo mais do que os colegiados nos tribunais, seja pela própria quantidade de processos e recursos existentes no acervo, seja pela práxis de cada tribunais, seja pela edição pelo Superior Tribunal de Justiça da Súmula nº 568 um pouco antes da vigência do Código de Processo Civil (CPC), em 2016.
A decisão monocrática é possível em diferentes hipóteses que o próprio artigo 932 do CPC autoriza, como decisões interlocutórias para resolver incidentes ou organizar o processo, bem como julgar a inadmissibilidade recursal de plano, com a possibilidade de julgamento de mérito quando houver precedente judicial vinculante – ou jurisprudência consolidada.
Se a decisão monocrática organiza o funcionamento dos tribunais com racionalidade, também abre o cabimento do agravo interno, com base no artigo 1.021 do CPC, possibilitando ao recorrente em prosseguir ao colegiado, ainda que seja de maneira forçada e repressiva, via um outro recurso.
Dessa feita, ainda que seja viável uma decisão monocrática, também será igualmente viável o agravo interno.
De certo modo, a colegialidade somente está postergada para um momento posterior, com o agravo interno, porém o ordenamento processual previu, positivadamente, a multa pela inadmissibilidade ou improvimento unânime do agravo interno, conforme disposto no artigo 1.021, § 4º do CPC, fixada pelo colegiado, a ser paga para o recorrido, pelo recorrente realizar uma revisão desnecessária pelo órgão colegiado [1].
Uma maneira de desestímulo à própria interposição do agravo interno por mero inconformismo, sem nenhuma argumentação pertinente, deixando o recurso somente para as reais situações com possibilidade de reversão do posicionamento pelo colegiado daquele tribunal, quando houver o equívoco do relator.
Requisitos para a aplicação da multa
A multa em si já existia no CPC/73, mas tinha um caráter menos delimitado e bem abrangente, sobre qualquer resultado improvido, o que gerava uma não utilização nos tribunais de segundo grau, apesar de utilizada largamente nos tribunais superiores. A diferença existente no CPC/2015 está na melhor delimitação, com maior objetividade sobre o assunto.
Para que seja possível a aplicação da multa pelo colegiado, este deve observar o cumprimento de alguns requisitos: (i) o fato de o recurso ser manifestamente inadmissível ou improcedente; (ii) a exigência de unanimidade para a aplicação da multa; (iii) a necessidade de fundamentação sobre a multa aplicada).
O termo “manifestamente” indica a existência de um erro grosseiro, seja na admissibilidade, seja na fundamentação do próprio recurso [2], o que gera a sua inviabilidade, demonstrando um mero intuito protelatório recorrente ao interpor o agravo. Se o agravo for interposto corretamente, com a argumentação devida, ainda que improvido, não será passível de multa.
Depois, o julgamento deve importar em uma unanimidade [3] pelo improvimento, o que torna esse requisito objetivo, ainda que alguns membros do colegiado julguem de maneira a ser protelatório, se um dos membros der provimento ao agravo, não será possível a multa.
E, por último, a necessidade de fundamentação [4] no acórdão sobre a aplicabilidade da multa, importando na demonstração pelo colegiado dos motivos pelos quais entendem que houve o intuito do protelamento da demanda com a interposição do agravo interno.
Uma vez estipulada a multa, a admissibilidade do próximo recurso a ser interposto depende do pagamento dessa multa constante no acórdão do agravo interno, via depósito judicial, devendo comprovar no protocolo do recurso, em anexo a este. O pagamento da multa torna-se, então, um requisito de admissibilidade do próximo recurso. Importante diferenciar este recolhimento das custas recursais, uma vez que a multa a ser paga será para a outra parte e, por isso, via depósito judicial.
Tema Repetitivo 443
No tocante às decisões monocráticas nos tribunais de 2º grau, o problema é a necessidade, caso a parte necessite interpor recursos excepcionais posteriormente, de esgotar as vias recursais, o que torna o agravo interno um caminho necessário para cumprir este requisito.
O Tema Repetitivo 443 do STJ se preocupou com isso ao fixar que esse agravo interno não seria passível de multa, com o seguinte teor:
“O agravo interposto contra decisão monocrática do Tribunal de origem, com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário, não é manifestamente inadmissível ou infundado, o que torna inaplicável a multa prevista no art. 557, § 2º, do Código de Processo Civil.”
Se o intuito da multa é conter o caráter protelatório do agravo interno e diminuir o acervo desnecessário, o tema citado descreve que o agravo interno para esgotar instância não será protelatório, sem ser passível de multa.
De certo modo, há um ônus do agravante em dois modos para não ser condenado em multa: (i) construir uma fundamentação e argumentação condizente com uma interposição posterior de recurso excepcional; (ii) a menção a essa finalidade de seu agravo interno.
Se o agravo interno constar dessas duas situações em seu bojo, não é possível que o recorrente seja multado, mesmo que seja improvido ou inadmito por unanimidade.
Matéria afetada
No entanto, a Corte Especial do STJ afetou a matéria como Tema Repetitivo 1.201 para o julgamento e definição de entendimento sobre as seguintes questões de direito:
(i) aplicabilidade da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC quando o acórdão recorrido baseia-se em precedente qualificado (art. 927, III, do CPC);
(ii) possibilidade de se considerar manifestamente inadmissível ou improcedente (ainda que em votação unânime) agravo interno cujas razões apontam a indevida ou incorreta aplicação de tese firmada em sede de precedente qualificado.
A matéria afetada para a definição de precedente judicial repetitivo é interessante e importante, pelo fato da construção de um sistema de precedente necessitar de respeito a este precedente judicial formado e sua argumentação, incluindo, neste ponto, a diminuição de impugnação contrária a decisões que tenham fundamento em precedente judicial vinculante.
Por outro lado, o sistema de precedentes não impede que a revisão, com a construção de sua superação, porém qualquer impugnação nesse sentido deve ser com base num ônus argumentativo, com a demonstração de que o ambiente social e jurídico anteriormente existente, o qual fundou o precedente judicial, não existe mais.
Dessa maneira, recursos que são meras revisitações de teses já rejeitadas até na formação do precedente judicial devem ser vistos como meramente protelatórios? Essa é a questão do Tema Repetitivo 1.201 e a discussão é pertinente e válida, até para que não se torne um hábito a recorribilidade sobre um precedente judicial sem trazer nenhuma fundamentação adequada sobre distinção ou superação.
A impugnação sobre uma decisão monocrática que aplicou um precedente judicial vinculante deve se basear, necessariamente, na distinção ou na superação e, fora disso, claramente será protelatória. É uma preocupação válida para um Tema Repetitivo e a discussão está aberta, com a tramitação ainda em andamento.
Princípio da candura
Todavia, convém relacionar essa discussão com uma decisão já tomada pelo próprio STJ, quando a 2ª Turma decidiu, no julgamento do AgInt nos EDcl no RMS 34.477 [5], utilizando o princípio da candura para tal fim.
No caso, a 2a Turma do STJ aplicou multa em 5% do valor atualizado da causa pela parte ter argumentado a utilização e aplicação de um precedente repetitivo do próprio STJ (Tema Repetitivo 1.009/STJ) para o presente caso, sem mencionar que o próprio repetitivo, em sua construção, rechaça temporalmente a aplicação para o caso em questão, uma vez que modularam os efeitos do citado precedente repetitivo e o caso em questão não esteja na aplicação temporal da modulação.
Ainda assim, o recorrente insistiu na utilização do precedente repetitivo para o seu caso, com a interposição do agravo interno, o que gerou, com base no voto condutor do ministro Og Fernandes, uma falta de lealdade, boa-fé e cooperação com o colegiado judicante, pelo fato de tentar ludibriar o colegiado com a alegação de existência de um precedente que sabidamente não enquadrava-se ao caso.
O termo utilizado – princípio da candura – foi a importação do princípio do processo americano – no termo candor toward the court – como uma candura perante a corte, o que seria uma sinceridade e bem agir processual em cada ato processual. Não havia necessidade de tal importação, apesar de adequada, mas a utilização da boa-fé no caso, até como interligada à cooperação processual, ambas já enquadradas nos artigos 5º e 6º, ambos do CPC.
As partes devem utilizar de precedentes válidos, seja para construir e corroborar a sua argumentação, seja para trazer um precedente contrário e utilizar das técnicas de distinção e superação. Também não é correto que traga à argumentação um precedente judicial anterior que já não detém eficácia e validade, não sendo o entendimento atual daquele tribunal, como uma tentativa de debate já superado.
Conclusão
O Tema Repetitivo 1.201 do STJ abre uma discussão importante sobre o sistema de precedentes e a recorribilidade de sua aplicação em decisões monocráticas, com uma preocupação sobre ônus argumentativo, cooperação, candura, boa-fé e a melhor construção recursal possível, sem protelação. Obviamente que é prudente entender que uma distinção ou superação arguida e não acatada, se bem fundamentada nos princípios citados, como uma tese a ser analisada, não ensejaria má-fé ou protelação.
São diversos os caminhos que a Corte Especial pode seguir na formação da tese repetitiva e a discussão sobre as técnicas de formação de precedentes e os debates recursais posteriores dependem dessa decisão.
[1] “Agravo interno protelatório. Preconiza o § 4º do art. 1.021, CPC que quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa. Trata-se de sanção processual e pecuniária que se insere no campo do abuso do direito processual. Sendo que a interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio da multa.” SÁ, Renato Montans de. Novo Código de Processo Civil Comentado – Tomo III (art. 771 ao art. 1.072). Orgs: RIBEIRO, Sergio Luiz Almeida; GOUVEIA FILHO, Roberto Pinheiro Campos; PANTALEÃO, Izabel Cristina; GOUVEIA, Lucio Grassi de. São Paulo: Lualri, 2017. p. 376.
[2] Enunciado no. 74 da JDPC-CJF: O termo “manifestamente” previsto no § 4º do art. 1.021 do CPC se refere tanto à improcedência quanto à inadmissibilidade do agravo.
[3] “Para a aplicação da multa mencionada, não basta que o recurso seja declarado como manifestamente inadmissível ou improcedente. É necessário, em acréscimo, que a votação seja unânime. Essa orientação é delineada pelo enunciado 359 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, exige que a manifesta inadmissibilidade seja declarada por unanimidade.” A imposição da multa visa guarnecer a seriedade da atividade jurisdicional, que não pode ser atentada com a interposição de recurso manifestamente inadmissível ou improcedente.” MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil Volume Único. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1.131.
[4] No mesmo sentido: Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. IV – Tratando-se de recurso especial sujeito ao Código de Processo Civil de 1973, impossibilitada a majoração de honorários nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015. V – Agravo interno não conhecido. (STJ – AgInt no REsp 1442160/RS, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, j: 21/09/2017, T1 – 1a. Turma).
[5] “Em sistemas processuais com modelo de precedentes amadurecido, reconhece-se a exigência não só de que os patronos articulem os fatos conforme a verdade, mas que exponham à Corte até mesmo precedentes contrários à pretensão do cliente deles. Evidentemente, não precisam concordar com os precedentes adversos, mas devem apresentá-los aos julgadores, desenvolvendo argumentos de distinção e superação”, a fim de que o tribunal os afaste no caso concreto. Trata-se do princípio da candura perante a Corte (candor toward the Court) e do dever de expor precedente vinculante adverso (duty to disclose adverse authority).” (STJ, 2ª Turma, AgInt nos EDcl no RMS 34.477/DF, rel. min. Og Fernandes, j. 21/06/2022).
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