Opinião

Marco Legal dos Seguros e o suposto fim da responsabilidade solidária nos seguros de responsabilidade civil

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  • é advogado no escritório Pádua Faria Advogados graduado em direito pela Faculdade de Direito de Franca e pós-graduado em Direito Processual Civil Empresarial pela Faculdade de Direito de Franca.

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17 de janeiro de 2025, 21h14

A Lei 15.040 de 9 de dezembro de 2024, popularmente denominada de Marco Legal dos Seguros, trouxe à tona uma nova dinâmica para a questão dos seguros privados no Brasil, partindo desde a revogação dos dispositivos afeitos ao tema no Código Civil, assim como do Decreto 73/1996, em suma, visando à promoção de maior transparência e segurança entre segurados/clientes e seguradoras.

Munida deste viés, a nova lei trouxe modificações na ordem de direito material e de direito processual que impactarão este universo quando da sua entrada em vigor após transcorrido um ano de sua publicação oficial, que ocorreu em 9 de dezembro de 12.2024, nos termos do seu artigo 134.

Dentre as novidades, cabe dar destaque, por exemplo, à vedação de cancelamento unilateral do contrato, prazos mais rígidos e bem delineados para deliberação sobre o sinistro e para o pagamento da indenização, conteúdos ambíguos no seio dos contratos terão interpretação mais favorável ao segurado, alterações de prazos prescricionais e, por fim, no tocante ao seguro de responsabilidade civil, o dever de colaboração do segurado em comunicar a seguradora acerca de processo judicial em seu desfavor, podendo-a chamar para integrar o polo passivo como litisconsorte sem, contudo, implicar em responsabilidade solidária entre os litisconsortes.

Tal inexistência de responsabilidade solidária entre seguradora e segurado face ao terceiro prejudicado, no caso, o autor do processo judicial estaria ceifando o que até então a praxe forense e jurisprudência tem empregado, a exemplo da súmula 537 [1] do STJ?

Da denunciação da lide no CPC/2015 e a Súmula 537 do STJ

A denunciação da lide quando estudada com uma das modalidades de intervenção de terceiros no CPC/2015, sobretudo, no caso afeito ao inciso II do artigo 125 [2], o exemplo tradicionalíssimo que é empregado para elucidação é, justamente, a denunciação, a “convocação” feita pelo réu a sua seguradora para integrar o polo passivo ao seu lado e, no caso de condenação, poder suportar o pagamento até o importe coberto pela apólice.

Quase que massivamente, as condenações à reparação de dano e indenizações após a seguradora passar a integrar o polo passivo da demanda via denunciação, e essa igualmente ao réu, contestar a petição inicial do (a) autor (a), acabam fixando a responsabilidade solidária entre os litisconsortes passivos, o que, por consequência, gera ao prejudicado muito mais segurança no efetivo recebimento do que lhe é devido.

Tanto assim o é, que principalmente desde 2007 quando do julgamento do Recurso Especial nº 925.130-SP [3] pelo STJ, ocasião na qual cunharam a súmula 537 as condenações envolvendo segurado e seguradora tendem a trazer a responsabilidade solidária. Vejamos.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. SEGURADORA LITISDENUNCIADA EM AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MOVIDA EM FACE DO SEGURADO. CONDENAÇÃO DIRETA E SOLIDÁRIA. POSSIBILIDADE. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice. 2. Recurso especial não provido.

Portanto, este tipo de posicionamento e orientação vem privilegiar o prejudicado, que fica em situação mais confortável, podendo demandar apenas um dos litisconsortes de maneira isolada ou ambos simultaneamente, objetivando o pagamento e reparação do que foi lançado à sentença ou acórdão.

Spacca

Não obstante, com a vinda na nova legislação securitária em apreço e o texto claro do seu artigo 101, parágrafo único [4], denota-se que a partir do momento que a lei começar a viger no final de 2025, nos casos em que a seguradora for chamada ao processo pelo segurado na condição de litisconsorte passivo, não será mais o caso de responsabilidade solidária, atingindo frontalmente o que atualmente é praticado pelos tribunais.

Das disposições do artigo 101, parágrafo único da Lei 15.040/24

Em sua seção II do capítulo II, que trata do seguro de responsabilidade civil, o Marco Legal do Seguros, até em prestígio a boa-fé objetiva, traz ao segurado o dever de colaboração com a seguradora, devendo-a informar a respeito de comunicações recebidas, fornecer documentos, comparecimento em atos processuais e não agir em detrimento de direito e pretensões da seguradora [5].

Em atenção a este espírito colaborativo que o artigo 101 caput expõe que o segurado, sendo demando exclusivamente pelo prejudicado, tem a obrigação de cientificar a seguradora logo quando for citado, pondo a disposição desta última o quanto necessário para conhecimento do processo.

O mesmo caput, inicialmente parece querer mostrar que a incumbência do cliente/segurado é a de somente avisar/cientificar sua seguradora que está sendo processado judicialmente e elucidar sobre o teor da ação, à medida que pode tratar-se de questão acobertada e prevista na respectiva apólice.

Paralelamente, o parágrafo único do mesmo artigo leciona que o segurado poderá chamar a seguradora a integrar o processo na condição de litisconsorte, sem responsabilidade solidária.

À vista disto, o parágrafo em comento pôs à disposição do réu (segurado) a poder de deliberar ou não pela vinda da sua seguradora aos auto. E esta vinda que foi apresentada pelo legislador por meio do verbo “chamar”, que aqui deve ser entendido como denunciação da lide é, processualmente falando, o meio adequado de trazer o terceiro (seguradora) para o processo, sem, contudo, que sobredita vinda implique em reconhecimento de responsabilidade solidária no caso de condenação.

Desta maneira, o teor do marco legal securitário neste aspecto (sem responsabilidade solidária) choca-se com o quanto praticado no cotidiano forense e pelos tribunais (responsabilidade solidária), de modo que o prejudicado/demandante poderá ter sua segurança e previsibilidade de recebimento indenizatório frontalmente afetado pela letra da nova lei, razão pela qual questiona-se aqui se será, de fato, o fim deste tipo de responsabilidade entre segurado e seguradora.

Conclusão

Parece-nos, à primeira vista, que a leitura simples da nova legislação realmente veio para “enterrar” a possibilidade de reconhecimento da responsabilidade solidária entre segurado e seguradora quando aquele a traz para o polo passivo na condição de litisconsorte, via denunciação da lide. Até porque a solidariedade não se presume, decorre da lei ou do contrato [6]. E, no caso, é justamente a nova lei dizendo que não será o caso de solidariedade, por isso, não haveria o que presumir.

Entretanto, não nos parece lógico do ponto de vista prático o legislador afastar a reponsabilidade solidária para os casos de seguro de reponsabilidade civil, se justamente o segurado já foi previamente buscar a contratação de um seguro para cobrir os casos em que eventualmente lhe for imputada alguma obrigação de reparar ou indenizar. Portanto, tanto segurado como seguradora podem suportar este ônus isoladamente ou solidariamente.

Ainda, tal afastamento de solidariedade tende a deixar ainda pior a situação jurídica daquele que já é o mais prejudicado em todo o contexto, que é o autor do processo que objetiva a reparação ou indenização de um sinistro que lhe fora causado e que trouxe sérias consequências.

Por fim, acredita-se que, fatalmente, este tipo de questionamento será objeto de deliberação pelos tribunais, inclusive, para determinar um ponto norteador claro, porque a nova legislação securitária afirma em um sentido, e a súmula 537 do STJ e a praxe forense apontam para outro sentido quanto a existência ou não da responsabilidade solidária entre segurado e segurado para os casos de seguro de responsabilidade civil.

 


[1]    Súmula 537 STJ: Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.

[2]    Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:

II – Àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.

[3] Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2017_45_capSumulas537-541.pdf

[4] Art. 101. Quando a pretensão do prejudicado for exercida exclusivamente contra o segurado, este será obrigado a cientificar a seguradora, tão logo seja citado para responder à demanda, e a disponibilizar os elementos necessários para o conhecimento do processo.

Parágrafo único. O segurado poderá chamar a seguradora a integrar o processo, na condição de litisconsorte, sem responsabilidade solidária.

[5] Art. 100. O responsável garantido pelo seguro que não colaborar com a seguradora ou praticar atos em detrimento dela responderá pelos prejuízos a que der causa, cabendo-lhe:

I – Informar prontamente a seguradora das comunicações recebidas que possam gerar reclamação futura;

II – Fornecer os documentos e outros elementos a que tiver acesso e que lhe forem solicitados pela seguradora;

III – Comparecer aos atos processuais para os quais for intimado;

IV – Abster-se de agir em detrimento dos direitos e das pretensões da seguradora.

[6] Art. 265 do C.C – A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

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  • é advogado no escritório Pádua Faria Advogados, graduado em direito pela Faculdade de Direito de Franca e pós-graduado em Direito Processual Civil Empresarial pela Faculdade de Direito de Franca.

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