Projeções 2025
16 de janeiro de 2025, 8h00
A coluna Seguros Contemporâneos pretende fazer diferente dessa vez. No lugar de olhar para trás, como temos feito nos últimos anos com retrospectiva dos principais acontecimentos do mercado, procuramos projetar o ano novo em torno de três eixos temáticos que deverão fazer a diferença em 2025: (a) a lei dos contratos de seguro (Lei nº 15.040/2024); (b) o projeto de lei das cooperativas de seguros, grupos e associações de proteção patrimonial mutualista (Projeto de Lei Complementar nº 143/2024); e (c) os precedentes qualificados em gestação no Superior Tribunal de Justiça.
Observando com atenção, as modificações implementadas pelo primeiro diploma projetarão efeitos tanto sobre os contratos de seguros individualmente considerados em todas as suas espécies – danos, vida, responsabilidade civil etc. – e grupos – massificados e grandes riscos, quanto sobre os contratos de resseguro.
Já o segundo diploma – o projeto de lei das cooperativas e associações – aumentará substancialmente o rol de participantes do mercado segurador convencional, agregando as cooperativas em geral, além das associações de proteção patrimonial mutualista. A sanção do Projeto de Lei Complementar nº 143/2024 não deve tardar. Segundo o site do Senado, o prazo estabelecido para a Presidência da República finda em 16 de janeiro de 2025* – a ensejar mais uma lei a ser cumprida pelos participantes do mercado [1].
Conforme assinalado no plano de regulação da Superintendência de Seguros Privados (Susep) para 2025, as normas relativas à Lei nº 15.040/2024 e, ao que tudo indica, à futura lei das cooperativas e associações vêm sendo tratadas em regime de primeira prioridade, o que requer ainda mais atenção do mercado [2].
Observando os limites editoriais desta coluna, deseja-se sublinhar aspectos legais considerados chaves à análise da Susep e do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) para fins de elaboração dos atos normativos pertinentes, sempre atentando-se ao fato de que a regulação, com a imparcialidade que sempre lhe deve nortear, deverá atender aos interesses de todos os participantes do mercado de forma isenta e equilibrada.
Por fim, a projeção aponta para os precedentes qualificados em gestação no Superior Tribunal de Justiça.
Lei dos contratos de seguro
Em 9 de dezembro de 2024, o presidente da República sancionou a Lei nº 15.040/2024, publicada no dia seguinte (10) com previsão para entrar em vigor no prazo de 1 ano contado da publicação, ou seja, no dia 11 de dezembro de 2025, de acordo com a regra de transição da LC nº 95/98 (artigo 8º, § 1º).
A Lei nº 15.040/2024 encerrou um processo legislativo iniciado com o Projeto de Lei nº 3.555/2004, revogando o capítulo XV do Código Civil e dispositivos do Decreto-Lei nº 73/66, para estabelecer uma lei específica para os contratos de seguro no Brasil. Projeto extremamente polêmico, passou por várias versões até que, apoiado pelo atual governo, conseguiu finalmente a adesão formal de algumas entidades do mercado segurador, vindo a ser aprovado no Congresso Nacional.
A nova lei modifica a estrutura dos contratos de seguro e resseguro desde a fase de formação do negócio até sua execução pelos procedimentos de regulação e liquidação do sinistro. Trata de todos os agentes da relação, segurado, beneficiários, intermediários (corretores, estipulantes, representantes), seguradora, ressegurador, retrocessionário, terceiros prejudicados e reguladores de sinistro.
São vários os pontos sensíveis, dentre os quais merecem destaque as regras de formação e interpretação do contrato voltadas a tutelar o segurado, sem fazer qualquer distinção entre seguros massificados (consumo) e de grandes riscos (empresariais). É louvável o esforço no sentido de exigir mais clareza e transparência na prática contratual, mas o exagero na regra “interpretatio contra proferentem” (contra o ofertante) demandará dos tribunais e da doutrina temperos mais equilibrados em sintonia com o sistema do Código Civil e a lei de liberdade econômica.
O regime do agravamento do risco ganhou amarras mais rígidas para configurar a situação patológica que justifica a perda do direito à indenização. Nos termos da nova lei, configura agravamento o comportamento intencional do segurado que conduza ao aumento significativo e continuado da probabilidade de realização do risco descrito no questionário de avaliação ou da severidade de sua realização. O segurado deve comunicar à seguradora o fato relevante assim que tomar conhecimento dele. Se não o comunicar por dolo, perderá a garantia, sem prejuízo da dívida de prêmio e do ressarcimento da seguradora. Se não comunicar por culpa, pagará a diferença de prêmio ou perderá a garantia se esta for tecnicamente impossível ou o fato corresponder ao tipo de risco não subscrito pela seguradora.
No capítulo da regulação e liquidação do sinistro, os impactos serão enormes, a exigir mais temperamentos. O relatório de regulação e liquidação do sinistro é considerado documento comum às partes, mas isso não pode significar uma porta ampla e irrestrita para acessar assuntos confidenciais/sigilosos da companhia de seguros e seus agentes. Aqui, é curioso o dispositivo que aparenta proteger o sigilo dos documentos com a ressalva “salvo em razão de decisão judicial ou arbitral” (artigo 83, § único). O inciso X do artigo 5º da Constituição não declara que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra das pessoas, salvo em razão de decisão judicial ou arbitral.
A lei impõe prazo máximo de 30 dias para a seguradora se manifestar sobre a cobertura, sob pena de não poder mais negá-la, sujeito a duas suspensões. Em sinistros de veículos automotores e seguros com importância segurada não superior a 500 vezes o salário-mínimo vigente, admite-se apenas uma suspensão. Por outro lado, nos grandes riscos, o tema ficará a cargo da Susep, que poderá fixar prazo superior a 30 dias para seguros cuja regulação implique maior complexidade, respeitado o limite máximo de 120 dias. Reconhecida a cobertura, a seguradora terá o prazo máximo de 30 dias para pagar a indenização ou o capital segurado.
Estes e muitos outros pontos estão a desafiar o mercado de seguros e resseguro a partir de 11 de dezembro de 2025.
Lei das cooperativas e associações
Passemos aos principais contornos do Projeto de Lei Complementar nº 143/2024. Um aspecto marcante do texto submetido à sanção presidencial é sua abertura e generalidade, considerando que a especificação de obrigações relevantes ficou a cargo do órgão regulador. Confira-se o disposto nos artigos: 24-A, 88-A e 88-C em relação às cooperativas, e os artigos 88-D, 88-E, 88-F e 88-L em relação à operação de proteção patrimonial mutualista, todos a serem inseridos no Decreto-Lei nº 73/66.
Nascido como PLP nº 519/2018, o projeto passou pela Câmara dos Deputados e em regime de urgência seguiu sua tramitação no Senado como PLP nº 143/2024, onde foi aprovado em 17/12/2024 e encaminhado à sanção presidencial. Entre outros aspectos, o PL introduz no mercado de seguros privados, isto é, à fiscalização da Susep e à regulação do CNSP, as cooperativas de seguros, os grupos, associações e as administradoras de operações de proteção patrimonial mutual, além das seguradoras, resseguradoras e corretores de seguros, somando-se a alguns outros participantes.
O movimento não é sem razão. O mercado de cooperativas de seguros movimentou cerca de R$ 9 bilhões no último ano sem regulamentação. Entretanto, a falta de supervisão tem permitido a atuação de intermediadores informais, o que prejudica a arrecadação de tributos e o pagamento de comissões aos corretores. Há estimativas de que estes deixaram de receber cerca de R$ 1,4 bilhão em comissões devido à ausência de regulamentação.
Ao introduzir estes personagens no sistema, o objetivo do legislador é aumentar a penetração do seguro na sociedade brasileira. Noutras palavras, onde os seguros convencionais não chegam, por questões de preço, apetite pelo risco, condições econômicas desfavoráveis etc., esse objetivo poderá ser alcançado por intermédio das cooperativas e associações com benefícios aos consumidores finais.
O cumprimento dos objetivos acima será positivo aos destinatários dos produtos oferecidos por todos os participantes do mercado, sejam os incumbentes, sejam os novos entrantes. Resta saber se haverá interesse dos novos entrantes, a partir de então, em subordinarem-se aos termos da nova legislação e toda a carga obrigacional que ela traz. A constituição de reservas técnicas e o regime de responsabilidade mais severo para seus administradores serão do interesse das cooperativas, associações e entidades de proteção patrimonial mutualista?
As cooperativas de seguros que se constituírem de acordo com a futura lei poderão operar em qualquer ramo de seguros privados, exceto (1) em operações de seguro estruturadas nos regimes financeiros de capitalização e de repartição de capitais de cobertura e (2) naqueles ramos expressamente vedados em regulação editada pelo CNSP, que deve estar alinhada ao porte, à natureza, ao perfil de risco e à relevância sistêmica das cooperativas.
Ao oferecerem seguros, as cooperativas poderão operar somente com seus associados, podendo o CNSP prever situações em que serão admitidas operações com não associados. A limitação, por certo, não parece vantajosa aos futuros cooperativados.
Em relação às operações de proteção patrimonial mutualista, o PL nº 143 se limita a indicar que o CNSP definirá os danos materiais próprios dos participantes ou de terceiros afetados pelo evento coberto que estarão compreendidos nos riscos patrimoniais passíveis de serem garantidos, além de dispor que a operação de transporte de carga nestes moldes deverá ser alvo de regulamentação específica.
Caso esta forma de atuar seja interessante, as associações que desejarem regularizar suas operações deverão, no prazo de 180 dias, contado da publicação da lei, se adaptar ao disposto no artigo 88-E, cadastrar-se perante a Susep e cessar as atividades como antes praticava.
Para além disto, ao aceitarem se submeter ao crivo da Susep, as associações de operações de proteção patrimonial mutualista e suas administradoras, bem como as cooperativas, passam a se sujeitar a um severo regime sancionador, com multas que poderão alcançar R$ 35 milhões, além de possibilitar a suspensão das atividades e a inabilitação de seus administradores por até 20 anos.
Em resumo, seja pela grande quantidade de matérias delegadas à regulação pelo CNSP, seja pela indefinição da atratividade para os novos entrantes, o PL nº 143 é mais um tema cujos impactos em 2025 deverão ser acompanhados bem de perto.
Precedentes qualificados do STJ
Por fim, as projeções para 2025 apontam para alguns julgamentos paradigmáticos em matéria securitária, ainda em fase de formação de precedentes qualificados no Superior Tribunal de Justiça.
O primeiro caso envolve o Tema 1.282, que afetou três recursos especiais ao regime dos casos repetitivos para resolver a seguinte controvérsia: “Definir se a seguradora sub-roga-se nas prerrogativas processuais inerentes aos consumidores, em especial na regra de competência prevista no art. 101, I, do CDC, em razão do pagamento de indenização ao segurado em virtude do sinistro” (REsp 2.092.308-SP, relatora ministra Fátima Nancy Andrighi).
A questão envolve um instituto fundamental da teoria geral das obrigações – a sub-rogação, pretendendo deliminar até que ponto a companhia de seguros pode substituir o segurado na relação perante o causador ou responsável pelo dano [3]. A transmissão à seguradora de direitos e pretensões do segurado alcança todas as regras processuais e materiais? A substituição se dá somente nos institutos de direito material, excluindo as regras de competência previstas para tutelar o consumidor? Qual será o reflexo desse precedente em temas adjacentes como a inversão do ônus da prova? A Corte Especial dará as respostas com impacto relevante na condução de muitos litígios espalhados pelo território nacional.
O segundo precedente em gestação está no Tema 1.039, que discute a seguinte questão: “Fixação do termo inicial da prescrição da pretensão indenizatória em face de seguradora nos contratos, ativos ou extintos, do Sistema Financeiro de Habitação” (REsp 1.799.288-PR, relatora ministra Maria Isabel Gallotti). Aqui, a discussão está em saber qual é o fato gerador que autoriza a contagem do prazo de prescrição para exercício da pretensão indenizatória por vícios no imóvel em contratos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Conta-se do encerramento do financiamento imobiliário ou esse prazo começa a correr da ciência do vício de construção surgido mesmo após a vigência do contrato e respectiva apólice? A Corte Especial do STJ dará a última palavra.
Por último, o Tema 1.263, afetado à 1ª Seção do STJ (Direito Público), está voltado a definir se a oferta de seguro garantia tem o efeito de obstar o encaminhamento do título a protesto e a inscrição do débito tributário no Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal (Cadin). A discussão envolve questões do sistema tributário e processual para entender se o seguro, atendidas as condições mínimas de idoneidade, constitui espécie de caução apta a suspender a exigibilidade do crédito tributário, especificamente o protesto da Certidão de Dívida Ativa e a inscrição no Cadin. Caso atualmente pautado para a sessão do dia 6 de fevereiro de 2025.
Esses temas estão projetados para ter definição ao longo do ano, sem prejuízo de outros que compõem a pauta da Corte Superior provindos dos demais tribunais da federação.
Conclusão
Como se viu, as cortinas do ano se fecharam com duas modificações significativas na estrutura legislativa do mercado, e com temas importantes na agenda jurisprudencial para fins de formação de precedentes. O ano de 2025 terá certamente grandes movimentos no mercado, no órgão regulador e na jurisprudência dos tribunais. Desejamos a todos uma excelente preparação para que os impactos sejam absorvidos da melhor forma, sempre com responsabilidade, transparência e equilíbrio.
[1] Conforme informações disponíveis em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/165332, visitado em 2/1/2025.
Nota: * Após o fechamento desta coluna, o projeto foi sancionado como Lei Complementar nº 213, de 15 de janeiro de 2025.
[2] O plano de regulação da SUSEP para o ano de 2025 encontra-se disponível em https://www.gov.br/susep/pt-br/documentos-e-publicacoes/normativos/plano-de-regulacao, visitado em 2/1/2025.
[3] CC, Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.
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