Os desafios dos juros legais flutuantes com a nova taxa legal
16 de janeiro de 2025, 7h16
A Lei 14.905/24 trouxe maior uniformidade às regras de correção monetária e juros moratórios sobre as dívidas. Contudo, como ocorre com qualquer outra nova lei, ainda há dúvidas importantes sobre sua interpretação. Para entender essas questões de forma mais clara, é essencial lembrar que a nova lei estabeleceu, na ausência de estipulação em contrato ou de outra previsão legal, o IPCA como índice oficial de correção monetária e a taxa Selic, descontado o IPCA, como parâmetro para o cálculo dos juros de mora. Com essa adoção, todo mês o Banco Central (BC) divulgará a Taxa Legal a ser utilizada.
Antes dessa norma, os critérios para atualização das dívidas civis eram regidos, essencialmente, pelo Código Civil e pelo Decreto 22.626/33 (Lei de Usura). Como essas leis tratavam apenas do limite legal dos juros moratórios, não havia um índice oficial para a correção monetária. Na prática, quando o contrato era omisso nesse ponto, era comum aplicar juros de mora de 1% ao mês e correção monetária variável, geralmente escolhida pelo credor, sendo frequente o uso de índices como o IGP-M e o INPC.
Com as alterações introduzidas pela Lei 14.905/24, buscou-se criar um ambiente mais transparente para o cálculo das dívidas. O uso da Selic, que já inclui a correção monetária e os juros, torna o processo mais simples e evita dúvidas sobre qual índice usar. Esses avanços permitem que credores e devedores conheçam, desde o início, os critérios que serão aplicados em caso de inadimplência, dispensando a necessidade de litígios.
Entretanto, existe um debate sobre o limite legal a ser aplicado quando as partes estipulam os juros moratórios em contrato. Apesar de a nova lei flexibilizar algumas regras da Lei de Usura, afastando o limite de juros para certos contratos, esta ainda vale para aqueles que envolvem pelo menos uma pessoa física, deixando uma janela de interpretação de como os juros devem ser calculados.
Estudos e relatórios, como o “Diagnóstico sobre as causas de aumento das demandas judiciais cíveis”, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), analisaram o aumento da litigiosidade no país e identificaram que questões contratuais estão entre as causas mais disputadas judicialmente.
Embora não haja estatísticas precisas sobre o número de litígios relacionados a juros de mora em contratos, é evidente que essas questões são comuns no sistema judiciário brasileiro, contribuindo para o volume de processos em andamento.
A Lei de Usura prevê que o teto para os juros de mora seja o dobro da taxa legal, ou seja, o dobro do valor da taxa SELIC descontado o IPCA. Nesse contexto, surgem questões importantes, como por exemplo, qual o impacto da flutuação da taxa legal nas cláusulas que fixaram juros de mora em 1% ao mês?
Rigor excessivo
Antes da nova lei, a taxa de 1% ao mês era plenamente aceita e respaldada pelas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais do Código Civil. Contudo, com o estabelecimento do novo limite variável, baseado na Selic, descontado o IPCA, há momentos em que essa taxa pode ser inferior a 1%, enquanto, em outros, pode ser superior. Assim, surge mais um entrave: a cláusula que ultrapassar esse limite será totalmente nula, ou apenas deve-se considerá-la nula nos dias nos quais o seu patamar superar o dobro legal?
As regras de nulidade em negócios jurídicos são de ordem pública e não admitem confirmação ou ratificação. Entretanto, declarar nula uma cláusula por conta de flutuações mínimas sobre um parâmetro historicamente aceito pode ser interpretada como um rigor desproporcional. Uma solução razoável seria avaliar a taxa média ao longo do período de inadimplência e, caso a média supere o limite, a cláusula seria nula; caso contrário, seria válida.
Essa abordagem, inclusive, já é amplamente aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça para analisar abusividades em taxas de juros remuneratórios de contratos bancários e poderia ser aplicada analogicamente às questões trazidas pela nova lei .
Como a norma é recente, ainda não há consolidação sobre o tema. No entanto, é evidente que essas questões são de grande relevância, pois podem impactar milhares de contratos firmados diariamente. Diante disso, é fundamental que empresas e profissionais se preocupem com a fixação de juros de mora em contratos e acompanhem as decisões judiciais sobre o tema, garantindo a adaptação ao novo regime jurídico.
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