Opinião

Limites e cuidados sobre ITCMD nos planos de previdência privada

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16 de janeiro de 2025, 15h14

Em dezembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão de grande relevância no Recurso Extraordinário nº 1363030 (Tema 1214), declarando inconstitucional a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre valores recebidos por beneficiários de planos de previdência privada, como o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), em caso de falecimento do titular.

O acórdão da decisão foi publicado em 8 de janeiro de 2025, e, a partir de sua análise integral, separamos alguns temas que merecem destaque quanto a forma e o cuidado na utilização dos planos de previdência privada como ferramenta de planejamento sucessório.

Os planos de previdência privada não podem ser utilizados como instrumentos para burlar o direito à legítima, que corresponde à metade dos bens que o falecido seja titular na data do seu falecimento, de modo que esta parte deve obrigatoriamente ser preservada aos seus herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), tornando-se a metade do patrimônio como intangível.

O relator, ministro Dias Toffoli, ressaltou em seu voto que a tese defendida não autoriza, evidentemente, que o VGBL ou o PGBL possam ser utilizados para burlar o direito à legítima.

Ainda que os planos de previdência privada apresentem benefícios significativos no contexto do planejamento sucessório — como a dispensa do procedimento formal de inventário, liquidez imediata e economia fiscal pela não incidência do ITCMD —, a plena liberdade de escolha sobre a destinação do patrimônio pelo titular deve respeitar rigorosamente as normas sucessórias.

Indicação de beneficiários

É indispensável que a indicação de beneficiários observe os limites impostos pelo ordenamento jurídico, especialmente quanto à proteção da legítima e ao direito de meação. O descumprimento dessas normas, garantidas constitucionalmente, pode ensejar a anulação judicial do ato em razão de fraude à legítima.

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Por outro lado, a parte disponível, correspondente à outra metade do patrimônio, pode ser destinada livremente pelo testador, por meio de testamento, a qualquer pessoa de sua escolha, incluindo, se desejar, os próprios herdeiros necessários.

Assim, conclui-se que uma pessoa, em vida, pode realizar aportes em planos de previdência privada, desde que os valores destinados a beneficiários não ultrapassem o limite da parte disponível de seu patrimônio, respeitando-se a legítima assegurada aos herdeiros necessários.

Contudo, caso os valores aportados superem a parte disponível, comprometendo o direito à legítima dos herdeiros necessários, o benefício concedido poderá ser questionado judicialmente por configurar violação ao princípio da boa-fé objetiva e abuso de direito, podendo ser reconhecido como fraude à partilha e à ordem legal de sucessão, com o risco de integração desses valores ao inventário para a devida recomposição do patrimônio partilhável.

Nesse sentido, decisões recentes dos tribunais corroboram a necessidade de cautela na utilização do plano de previdência privada aberta como instrumento de planejamento sucessório:

“Agravo de Instrumento. Inventário – Determinação de retificação das declarações para inclusão dos valores existentes em nome da inventariante (esposa) em previdência privada (VGBL) – Insurgência da parte sob alegação de que se trata de bem particular, de natureza securitária, excluído da sucessão – Decisão mantida – Afastamento da alegação absoluta do caráter securitário – Necessidade de aferição da natureza da verba, que pode atuar como simples aplicação financeira, caso em que sujeita ao regime geral dos bens comuns, inclusive reconhecimento da meação e partilha. Recurso desprovido.” (TJ-SP, AI 2034728-43.2017.8.26.0000, relator desembargador Enéas Costa Garcia, j. 18.09.2017)

“Agravo de instrumento. Inventário. Decisão que vedou o levantamento de valores de previdência privada (VGBL) em nome do falecido, tendo em vista suspeitas de fraude suscitadas pelos herdeiros. Manutenção de bloqueio dos valores até deliberação quanto à inclusão dos valores na sucessão que é de rigor. Inteligência do art. 792 do Código Civil e 79 da Lei 11.196/05. Impossibilidade de se utilizar da sua natureza previdenciária ou securitária para, havendo real investimento, burlar as disposições sucessórias. Necessária a verificação das circunstâncias do caso concreto. Manutenção do bloqueio, assim, que se afigura a medida mais adequada para preservar eventuais interesses sucessórios. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (TJ-SP, AI 2275674-97.2022.8.26.0000, relator desembargador Claudio Godoy, 29.08.2023)

“Inventário – Inclusão do Plano de Previdência Privada VGBL no monte-mor – Plano com natureza de investimento financeiro realizado quando a falecida e o viúvo já possuíam idade avançada – Bloqueio das contas do inventariante deve-se limitar a metade dos valores respeitada a meação – Recurso parcialmente provido.” (TJ-SP, AI 2225119-23.2015.8.26.000, relator desembargador Eduardo Sá Pinto Sandeville, j. 10.11.2016)

Planejamento Fiscal Abusivo

No acórdão proferido pelo Superior Tribunal Federal, o relator em seu voto pontuou: “…, entendo que o ITCMD não pode incidir em relação ao VGBL ou ao PGBL, no caso de falecimento do titular do plano. Isso, contudo, não impede que o Fisco combata eventuais dissimulações do fato gerador do imposto, criadas mediante planejamento fiscal abusivo”.

Em outras palavras, apesar da consolidação da tese da não incidência do ITCMD sobre os planos de previdência privada aberta, no caso de falecimento do titular do plano, o Fisco não está impedido de fiscalizar os contribuintes.

Assim, aquele contribuinte que, em fase avançada da vida, migra todo ou grande parte de seu patrimônio para os planos de previdência privada aberta (VGBL ou PGBL), com o único intuito de fazer com que seus herdeiros não paguem o ITCMD, poderá ser fiscalizado e seu planejamento considerado abusivo aos olhos do Fisco.

Do ponto de vista do Fisco, essa conduta viola o dever fundamental de pagar tributos e, conforme destacado na decisão do STF, a administração pública tem o poder de “desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária…” (artigo 16, parágrafo único, do CTN).

Análise de forma individualizada

Assim, à luz do acórdão proferido pelo STF e do entendimento consolidado na jurisprudência, a legalidade dos aportes em planos de previdência privada deve ser analisada de forma individualizada, com especial atenção para situações em que o titular possa ter comprometido o direito à legítima dos herdeiros necessários ou haja indícios de fraude, quando se verifica a desvirtuação da finalidade previdenciária.

Embora os planos de previdência privada ofereçam vantagens significativas no planejamento sucessório, como a não incidência de ITCMD e a liquidez imediata dos valores ao beneficiário, o uso dessa ferramenta deve estar em plena conformidade com as normas legais, a fim de evitar litígios e questionamentos judiciais.

Por essa razão, contar com a orientação de um advogado especializado em direito de planejamento patrimonial e sucessório é essencial para garantir um planejamento patrimonial seguro e eficaz, resguardando o cumprimento da legislação e a tranquilidade dos herdeiros.

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