Opinião

Golden share: garantia de controle e continuidade em empresas familiares

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  • é advogado na área do Direito Empresarial especialista em proteção patrimonial sócio fundador do escritório Bergesch Martin Advogados membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS Subseção de Novo Hamburgo.

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16 de janeiro de 2025, 19h13

A transição de poder e controle em empresas familiares é um processo que demanda estratégias bem definidas para garantir a continuidade e o alinhamento dos negócios aos valores da família fundadora. Nesse contexto, as golden shares, ou ações de classe especial, surgem como uma ferramenta jurídica e estratégica altamente relevante. Utilizadas para assegurar o controle decisório em momentos críticos, como o planejamento sucessório, essas ações garantem à família fundadora poderes adicionais que podem ser essenciais para a preservação do legado empresarial.

Embora mais conhecidas em contextos de empresas de capital misto, como aquelas que envolvem participação do governo, as golden shares vêm sendo cada vez mais incorporadas no planejamento de sucessão de sociedades anônimas de capital fechado, dada sua capacidade de equilibrar interesses e proteger o controle estratégico.

No Brasil, o conceito de golden shares não é regulado de maneira específica, mas sua implementação pode ser feita com base na Lei nº 6.404/1976, a Lei das Sociedades por Ações. De acordo com essa legislação, é possível criar diferentes classes de ações com direitos e vantagens específicas, como as preferenciais. No caso das golden shares, sua característica distintiva é conferir ao titular o direito de veto em decisões consideradas estratégicas, como a alienação de ativos relevantes, mudanças na estrutura de capital ou alterações no objeto social da empresa. A utilização desse mecanismo no planejamento sucessório exige alterações no estatuto social da sociedade, que deve especificar de forma clara os direitos e prerrogativas associados às ações especiais.

A aplicação das golden shares no planejamento sucessório oferece uma série de vantagens estratégicas. Em primeiro lugar, elas asseguram que os herdeiros possam participar do processo decisório sem comprometer a visão e os valores originais da empresa. Ao estabelecer direitos de veto ou poderes adicionais aos membros da geração fundadora, as golden shares criam um ambiente de segurança para que decisões de longo prazo sejam tomadas com foco na continuidade e na sustentabilidade do negócio. Além disso, é possível formalizar esses valores por meio de cláusulas específicas no estatuto social, detalhando, por exemplo, a missão, os princípios éticos e os objetivos de longo prazo que devem ser preservados.

Empresas como o IRB Brasil, que adotam efetivamente o conceito de golden shares, exemplificam como essas ações especiais podem ser uma ferramenta estratégica para manter o controle político da empresa mesmo após a transferência do capital. No contexto de planejamento sucessório, o uso de golden shares permite que o patriarca ou membros-chave da família fundadora preservem poder de veto ou decisão sobre questões críticas, garantindo que a empresa não tome rumos que comprometam seus valores ou objetivos de longo prazo. Outro aspecto relevante é a possibilidade de instituir programas formais de capacitação e desenvolvimento dos herdeiros, preparando-os para assumir funções estratégicas com responsabilidade e alinhamento à cultura empresarial. Esses mecanismos asseguram uma transição mais estruturada, mantendo a continuidade e a essência do negócio ao longo das gerações.

Outro ponto positivo do uso de golden shares é a sua capacidade de proteger ativos estratégicos da empresa. Em setores altamente competitivos ou regulados, onde a preservação da independência do negócio é essencial, as ações de classe especial oferecem uma camada adicional de segurança para evitar que decisões contrárias aos interesses de longo prazo sejam implementadas. Essa funcionalidade torna o instrumento especialmente atraente em casos de sucessão patrimonial, onde a estabilidade e a continuidade do controle são fatores críticos para o sucesso da transição.

Outro ponto essencial no contexto do planejamento sucessório é a capacidade de assegurar que as decisões estratégicas da empresa permaneçam alinhadas com os interesses de longo prazo da família fundadora, mesmo após a sucessão do controle acionário. Quando o patriarca transfere a titularidade das ações para a próxima geração, as golden shares possibilitam que ele, ou outro membro designado, preserve poderes decisórios em temas cruciais, como alterações no objeto social da empresa, fusões, aquisições ou a venda de ativos estratégicos. Esse mecanismo evita que mudanças drásticas sejam feitas sem uma avaliação criteriosa e sem o aval de quem conhece profundamente a cultura e os valores da organização.

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Além disso, essa estrutura diferenciada cria um ambiente de maior estabilidade para o negócio, fundamental em contextos de sucessão familiar, onde disputas internas ou divergências podem colocar em risco a continuidade da empresa. Ao garantir que decisões estratégicas passem pelo crivo de um acionista detentor de poder político diferenciado, a empresa minimiza riscos de conflitos e promove uma transição mais harmoniosa e bem-sucedida. Esse modelo não apenas protege os ativos estratégicos, mas também fortalece a governança corporativa, assegurando a preservação do legado familiar ao longo das gerações.

Contudo, a implementação de golden shares exige atenção a diversos aspectos jurídicos e administrativos. A redação do estatuto social deve ser clara e precisa, especificando quais decisões podem ser vetadas pelos detentores das ações especiais e como essas ações serão transmitidas entre as gerações. A ausência de previsões claras pode gerar litígios entre os acionistas, comprometendo a harmonia no ambiente corporativo. Em casos conhecidos no Brasil, empresas enfrentaram disputas judiciais devido à falta de regras objetivas sobre a transferência de ações e o exercício do poder de veto, como observado em controvérsias envolvendo empresas de capital fechado com governança familiar.

Para evitar esses conflitos, é essencial que o estatuto social seja elaborado com o suporte de especialistas em direito societário, garantindo que ele contemple todas as situações possíveis, incluindo as condições para alienação de ações e as consequências para o descumprimento de acordos estabelecidos. Além disso, a atualização periódica dos documentos societários é uma prática recomendada, pois permite que a empresa acompanhe mudanças legislativas e se adapte a novos desafios no mercado.

A tributação também é um ponto de atenção ao considerar as golden shares no contexto sucessório. Como essas ações podem conferir direitos adicionais que aumentam seu valor de mercado, é necessário calcular corretamente o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), além de avaliar os impactos financeiros para os herdeiros e para a empresa. A assessoria de especialistas em direito societário e tributário é fundamental para evitar surpresas desagradáveis e garantir que o planejamento sucessório esteja em conformidade com a legislação brasileira.

Integração

Além dos aspectos técnicos, o sucesso da implementação de golden shares como instrumento sucessório depende de uma abordagem integrada que leve em conta os objetivos e valores da família, bem como as necessidades específicas do negócio. A combinação desse mecanismo com outros instrumentos de governança, como conselhos consultivos ou de administração, pode proporcionar um equilíbrio ideal entre controle e participação. Esses conselhos podem desempenhar um papel importante ao preparar os herdeiros para assumirem responsabilidades estratégicas, garantindo que eles estejam alinhados aos objetivos da empresa e capacitados para contribuir de maneira significativa.

A experiência de empresas que adotaram golden shares em seu planejamento sucessório demonstra que esse instrumento pode ser altamente eficaz quando utilizado de forma estratégica. Um exemplo frequentemente citado é o da Embraer, onde o governo brasileiro detém uma golden share para proteger interesses estratégicos, como decisões relacionadas à tecnologia e defesa. Embora o caso da Embraer esteja inserido em um contexto diferente, ele ilustra como as ações de classe especial podem ser adaptadas para atender a necessidades específicas, tanto em empresas públicas quanto privadas.

Por fim, é importante ressaltar que o uso de golden shares deve ser complementado por uma comunicação clara e transparente entre todos os envolvidos no processo sucessório. Essa comunicação ajuda a evitar mal-entendidos e a promover um ambiente de colaboração, essencial para o sucesso de qualquer transição de liderança. Ao alinhar expectativas e estabelecer critérios objetivos para o exercício dos direitos conferidos pelas ações especiais, a empresa e a família podem construir um planejamento sucessório robusto, capaz de proteger o legado e assegurar o crescimento sustentável do negócio.

 


Referências bibliográficas

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm

https://jus.com.br/artigos/23083/a-importancia-da-golden-share-no-direito-empresarial-brasileiro-e-as-novas-possibilidades-de-utilizacao-na-sucessao-empresarial

https://timeholdingbrasil.com.br/o-papel-da-golden-share-no-sistema-de-holding-familiar

https://silvalopes.adv.br/golden-share-o-que-e

https://www.rossetticleto.adv.br/entenda-a-clausula-golden-share-e-sua-relacao-com-planejamentos-patrimoniais

https://www.e-publicacoes.uerj.br/rsde/article/view/81056

Autores

  • é advogado na área do Direito Empresarial, especialista em proteção patrimonial, sócio-fundador do escritório Bergesch Advogados, mentor de advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS, subseção de Novo Hamburgo.

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