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Definição de legitimados a propor ação em inércia do MP elevaria democracia

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16 de janeiro de 2025, 8h53

Uma definição clara do rol de legitimados a propor ação penal subsidiária, em caso de inércia da Procuradoria-Geral da República em crimes sem vítimas individualizadas, reduziria a possibilidade de processos com provas robustas de delitos serem arquivados sem que o Judiciário possa apreciá-los. É o que avaliam os especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Sede da Procuradoria-Geral da República, sede da PGR

Advogados defendem que outras entidades possam agir se PGR ficar inerte

O artigo 5º, inciso LIX, da Constituição Federal estabelece que “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. A inércia do Ministério Público que permite a queixa pode ser formal (transcurso dos prazos processuais) ou material (existência de crime, com materialidade e autoria definida).

Quando a vítima é uma pessoa determinada, a ação subsidiária pode ser proposta por ela. Porém, há dúvidas de quem poderia oferecer queixa em caso de inércia do MP em crimes contra a saúde pública ou o Estado democrático de Direito, por exemplo.

Durante a crise da Covid-19, a PGR não investigou, nem denunciou, o ex-presidente Jair Bolsonaro pelas ações e omissões na contramão dos protocolos recomendados pela Organização Mundial da Saúde contra a doença.

A partir de então, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, passou a defender a ideia de uma alteração constitucional ou legal para deixar claro quem são os legitimados a propor ação penal subsidiária, e em que casos, quando a PGR ficar inerte.

Kakay retomou a proposta após ser divulgado que a PGR atuou para que o Superior Tribunal de Justiça não homologasse o acordo de colaboração premiada do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho. Nythalmar afirma que Marcelo Bretas, juiz responsável pela filial do Rio de Janeiro da “lava jato”, negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público Federal.

O advogado também receia que a PGR não denuncie o senador e ex-juiz Sergio Moro (União-PR) e outros magistrados lavajatistas pelos abusos descritos no relatório da Corregedoria Nacional de Justiça que gerou a abertura de procedimentos administrativos disciplinares no Conselho Nacional de Justiça.

Para Kakay, o procurador-geral da República tem “poderes imperiais”. E regulamentar a queixa subsidiária reforçaria a democracia brasileira, avalia ele.

Diluição de poderes

Os especialistas ouvidos pela ConJur concordam com uma alteração que deixe mais claro quem pode mover queixa-crime subsidiária em caso de inércia do MP quando há crimes sem vítimas individualizadas.

O jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá, afirma que, atualmente, já é cabível a ação penal subsidiária em casos como o dos crimes da crise da Covid-19 e o da delação de Nythalmar. Porém, ela é pouco usada devido à desconfiança nas instituições.

“Parece evidente que há, nesses casos, a inércia de que fala a Constituição. Ocorre que o Brasil necessita sempre desvelar as obviedades do óbvio. O sistema se autoprotege. Na dúvida, o próprio Judiciário não aceita a ação penal subsidiária da pública. Aliás, ela é pouco manejada exatamente por causa da desconfiança que a sociedade tem das instituições.”

Por isso, diz Lenio, seria positivo estabelecer quais instituições podem ingressar com ação penal quando o MP não a interpõe, mesmo havendo elementos da prática de crime e de autoria.

“O MP não pode ter o poder plenipotenciário. Deve haver um controle. A ação privada é uma forma de exercer esse controle. Um lugar em que esse novo modelo caberia muito bem é o do abuso de autoridade. Há pouquíssimas ações. Por quê? Porque quem promove é o MP. Por vezes, ele mesmo é o réu. Nada melhor do que proporcionar uma subsidiariedade”, opina o jurista.

O advogado Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é a favor da criação de um conselho de procuradores ou promotores que, em caso de inércia, seja provocado a decidir se é o caso de revisar a decisão e mover ação.

Medida democrática

Ao prever a ação penal subsidiária, a Constituição de 1988 “instituiu importante mecanismo de controle popular sobre a atuação institucional do Ministério Público, cujos integrantes não têm legitimidade decorrente de mandato popular”, aponta o criminalista Diogo Malan, professor de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Pela tradição legislativa pátria, o legitimado é o ofendido (ou seu representante legal), mas, a rigor, nada impede que o legislador ordinário institua outros legitimados, em caráter concorrente. Entendo que são imprescindíveis critérios objetivos e republicanos para a definição de quais seriam esses legitimados concorrentes.”

O advogado Alberto Zacharias Toron, professor de Direito Processual Penal da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), também defende uma evolução da legislação brasileira sobre a ação penal subsidiária, citando o exemplo da Espanha.

“Na Espanha, a legitimação não é nem subsidiária, é concorrente. Quem tiver legitimidade, porque foi de alguma forma lesado ou ofendido, pode oferecer a denúncia, independentemente do Ministério Público. Por exemplo, quando o Supremo Tribunal de Espanha afastou o juiz Balthazar Garzón de suas funções por 11 anos, devido a abusos, além da ação pública, havia ações de particulares contra o magistrado”, destaca Toron.

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