Opinião

Comparecimento espontâneo: quando o formalismo abre caminhos para a defesa

Autores

  • é advogada graduada pela Universidade Federal de Uberlândia pós-graduada em Processo Civil Família e Sucessões.

    Ver todos os posts
  • é advogado membro efetivo da Comissão de Direito Ambiental Agrário e Urbanístico da 14ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais e 1º Suplente da Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Conselho Municipal do Meio Ambiente de Uberaba (MG).

    Ver todos os posts

16 de janeiro de 2025, 6h30

O comparecimento espontâneo no processo civil é um instituto que guarda peculiaridades importantes, sendo regulamentado pelo artigo 239, §1º, do Código de Processo Civil (CPC). Segundo o referido dispositivo, “o comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação”. Dessa forma, a apresentação de procuração nos autos, acompanhada de peticionamentos, pode, em tese, marcar o início do prazo para apresentação da defesa.

Entretanto, para que tal ato configure efetivamente o comparecimento espontâneo e tenha o condão de iniciar o prazo defensivo, é imprescindível que a procuração apresentada possua poderes especiais para receber citação. Sem essa observância específica, a validade e os efeitos jurídicos do comparecimento tornam-se objeto de questionamento, impactando diretamente o regular andamento processual.

Sobre a citação, ressalta o professor Humberto Theodoro Júnior:

“Observe-se, outrossim, que o requisito de validade do processo é não apenas a citação, mas também a citação válida, pois o Código fulmina de nulidade expressa as citações e as intimações “quando feitas sem observância das prescrições legais” (art. 280). E trata-se de nulidade insanável, segundo o entendimento da melhor doutrina.” (in Curso de direito processual civil. v. I. 59ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018, n.p.)

No âmbito do processo civil, as modalidades de citação válida estão previstas especificamente nos artigos 238 a 259 do CPC, que descrevem a citação pessoal e a citação ficta.

O Código de Processo Civil, em seu artigo 242, dispõe ainda que a citação pode ser feita na pessoa do procurador do réu, mas tal dispositivo deve ser interpretado em consonância com o artigo 105 do CPC.

Dispõe o artigo 105 do CPC:

“Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.”

Desta forma, o Código de Processo Civil estabeleceu a hipótese de citação por meio de procurador, porém apenas se tiver poderes especiais para receber citação, o que não exclui a possibilidade do procurador sem poderes de citação peticionar no processo.

A jurisprudência pátria do STJ e do TJ-MG tem seguido majoritariamente o referido posicionamento, inclusive decretando a nulidade de varias sentenças que não observam a exigência dos poderes especiais para receber citação:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO NOS AUTOS. ADVOGADO SEM PODERES ESPECIAIS PARA RECEBER CITAÇÃO. REVELIA. DECRETAÇÃO. NÃO CABIMENTO. 1. Conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, em regra, o peticionamento nos autos por parte de advogado destituído de poderes especiais para receber citação não pode configurar comparecimento espontâneo apto a suprir a necessidade de sua realização. 2. Uma vez expressamente consignado que o patrono da Usiminas não possuía poderes especiais para receber citação, o peticionamento nos autos não pode caracterizar o comparecimento espontâneo, sendo inadequada a decretação da revelia no caso concreto. 3. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no AREsp: 1562428 SP 2019/0237106-8, relator: ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 10/08/2020, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/08/2020)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. REVELIA. INOCORRÊNCIA. PROCURAÇÃO APRESENTADA NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PODERES PARA RECEBER CITAÇÃO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO. NÃO CARACTERIZADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. Nos termos do art. 239, §1º, do CPC, o comparecimento espontâneo do réu supre a falta ou a nulidade da sua citação. Conforme roga a jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, não perfaz comparecimento espontâneo “o peticionamento nos autos por advogado destituído de poderes especiais para receber a citação e sem a apresentação de defesa” (EREsp n. 1.709.915/CE, relator Og Fernandes, Corte Especial, DJe de 9/8/2018). Deve ser anulada a sentença que declarou indevidamente a revelia da parte, a fim de que lhe seja oportunizado exercer, de forma regular, o seu direito de defesa. Recurso conhecido e provido. Sentença anulada.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.24.223314-6/002, Relator(a): Des.(a) Gilson Soares Lemes , 16ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 23/10/2024, publicação da súmula em 25/10/2024)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – NULIDADE DE CITAÇÃO – PROCURADOR SEM PODERES ESPECIAIS – DIVERSAS PETIÇÕES NOS AUTOS – AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado de que, em regra, o peticionamento nos autos por advogado destituído de poderes especiais para receber citação não configura comparecimento espontâneo apto a suprir tal necessidade. Precedentes: AgRg no AREsp 410.070/PR,.  (TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.24.281741-9/001, Relator(a): Des.(a) Newton Teixeira Carvalho , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/09/2024, publicação da súmula em 16/09/2024)

Assim, nos termos da jurisprudência majoritária não configura o comparecimento espontâneo o peticionamento nos autos por advogado destituído de poderes especiais para receber a citação e sem a apresentação de defesa.

Spacca

Ora, a situação se altera significativamente quando há peticionamento nos autos acompanhado da juntada de peça defensiva. Nesse caso, ainda que o instrumento de mandato seja emitido com “poderes gerais para o foro”, será demonstrado inequívoco conhecimento e envolvimento na lide, que será suficiente para iniciar o prazo defensivo.

Essa interpretação ressalta a importância de um equilíbrio entre o rigor formalista do processo e os princípios fundamentais da boa-fé e da efetividade processual. Ao permitir que a prática de atos defensivos qualifique o comparecimento espontâneo, mesmo na ausência de poderes específicos para citação, o ordenamento jurídico reforça a finalidade maior do processo, e ao mesmo tempo resguarda as partes de eventuais prejuízos pelo desrespeito das formalidades, que neste caso acarretara o reconhecimento da invalidade do ato, restituindo-se na integralidade o prazo defensivo.

Autores

  • é advogada, graduada pela Universidade Federal de Uberlândia, pós-graduada em Processo Civil, Família e Sucessões.

  • é advogado, pós-graduando em Processo Civil, membro efetivo da Comissão de Direito Ambiental, Agrário e Urbanístico da 14ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, em Minas Gerais, e 1º suplente da Ordem dos Advogados do Brasil junto ao Conselho Municipal do Meio Ambiente de Uberaba (MG).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!