Opinião

Materiais empregados na construção civil e a base de cálculo do ISS: uma questão indefinida

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15 de janeiro de 2025, 21h14

Em 2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela “possibilidade da dedução da base de cálculo do ISS dos materiais empregados na construção civil”, conforme decisão monocrática proferida pela ministra Ellen Gracie no RE 603.497 (Tema Repercussão Geral nº 247). Essa orientação foi seguida pelo Superior Tribunal de Justiça nos anos seguintes; contudo, a controvérsia foi reacendida nos últimos cinco anos.

Em 2020, ao retomar o julgamento do RE 603.467, o plenário do STF adotou uma postura menos incisiva. Para a Corte Suprema, embora a legislação (artigo 9º, § 2º, ‘a’, do DL 406/1968) tenha sido recepcionada pela Constituição, legitimando a regra que autoriza a “dedução dos materiais”, cabe ao STJ interpretar o alcance dessa regra, agora sucedida pelo artigo 7º, § 2º, inciso I, da LC nº 116/2003.

Atualmente, o STJ tem permitido a não inclusão dos materiais de construção na base de cálculo do ISS, desde que esses materiais tenham sido “produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS”, conforme julgados de suas turmas de direito público [1].

Esta interpretação sugere que os materiais adquiridos de terceiros pelas construtoras devem compor a base de cálculo do ISS, pois apenas os materiais produzidos pelas construtoras fora da obra e por elas destacadamente comercializados poderiam ser excluídos da base do ISS.

No entanto, os julgamentos do STJ sobre o tema ainda não enfrentaram a controvérsia sob a perspectiva que norteou a projeção da tributação de serviços e mercadorias no segmento de construção civil, o que acaba por contrariar o texto expresso de lei.

Competência de estados e municípios

A Constituição atribuiu aos estados a competência para tributar a venda de mercadorias (ICMS) e aos municípios, a competência para tributar a prestação de serviços (ISS), com o objetivo de garantir fontes de receitas aos entes federativos e evitar a dupla tributação, preservando a neutralidade fiscal.

Nesse contexto, a LC nº 116/2003 estabeleceu explicitamente que o “valor dos materiais fornecidos pelo prestador” nas obras de construção civil não deve integrar a base de cálculo do ISS. Confira-se:

“Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. […]

§ 2º Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:

I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar […]”

Ao estabelecer os serviços passíveis de tributação pelo ISS, o item 7.02 da lista anexa à LC nº 116/2003 tratou dos serviços de construção, nos seguintes termos:

7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).

Ou seja, os serviços de construção são tributados pelo ISS, e os materiais fornecidos pelo prestador são tributados pelo ICMS.

Legislador preserva estados

Ao prever que o ISS incidirá apenas sobre o preço do serviço, excluindo-se o valor dos materiais, o legislador preservou a materialidade constitucional do ISS e não prejudicou os estados, que foram beneficiados pelo ICMS incidente sobre os materiais de construção.

Spacca

Não é lógico sustentar que apenas os materiais produzidos pelo prestador fora da obra sejam excluídos da base de cálculo do ISS, tal como sugerem os julgamentos do STJ. A lei deve ser aplicada igualmente, tanto para os materiais que o prestador adquiriu de terceiros quanto para aqueles que foram produzidos e fornecidos destacadamente.

Em ambos os casos, o estado arrecada o ICMS sobre a circulação desses materiais, enquanto o município recolhe o ISS sobre a prestação dos serviços. Esta configuração assegura o cumprimento da distribuição de competências tributárias como planejado pelo constituinte, e evita que a base de cálculo do ISS seja inflada com o valor do material de construção.

Situação diversa envolve o fornecimento de concreto pela prestadora, que deve compor a base de cálculo do ISS, notadamente nas hipóteses em que não tenha havido a prévia tributação do concreto pelo ICMS. Com isso, evita-se que eventos econômicos deixem de ser tributados.

Portanto, mesmo quando os materiais utilizados na obra são adquiridos de terceiros, deve ser aplicada a regra do artigo 7º, § 2º, da LC nº 116/2003, que impõe a exclusão dos materiais da base de cálculo do ISS. Isso implica a necessidade de o STJ revisar seu entendimento, enfrentando essa questão de maneira específica para assegurar a correta aplicação da lei.

 


[1] REsp n. 1.916.376/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/3/2023 / AgInt no AREsp n. 2.486.358/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/5/2024.

 

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